“O momento talvez fundamental” da Record: fraudes de tradução

Por Denise Bottmann.

O mérito literário de harold robbins não vem ao caso. o que vem ao caso são as fraudes da record em suas traduções: nelson rodrigues? famoso por não saber nem como se dizia “gato” em inglês? que ostentava seu monoglotismo como uma coroa de pedras preciosas? e ruy castro relata, em o anjo pornográfico:

A ideia fora de [Alfredo] Machado,  para ajudar Nelson a faturar um dinheirinho fácil. Mas era também muito conveniente para sua editora: ao ler “Tradução de Nelson Rodrigues” com destaque na capa de livros de Harold Robbins, como “Os insaciáveis”, “Os libertinos” e “Escândalo na sociedade”, o comprador via naquilo uma garantia. Sabia que era literatura “pesada”. Como poderia imaginar que Nelson era o mais acabado monoglota da língua portuguesa…? (p. 345)

e também:

alguém poderia alegar que são coisas do passado, que naqueles tempos (estamos falando de 1965 até anos bem entrados da década de 1970) não se respeitava muito a tradução e coisas do gênero. a isso, só posso responder duas coisas:

– em primeiro lugar e muito pelo contrário, bem antes de 1965, já fazia umas boas décadas que se dava bastante valor ao ofício de traduzir obras de língua estrangeira – basta ver, desde a primeira metade do século, as traduções da melhoramentos, nacional, globo, josé olympio e tantas outras.

– em segundo lugar, talvez alguém queira ver essa impostura da record como uma pequena malandragem inocente, uma jogada de marketing meio galhofeira que deu certo e vendeu milhões de exemplares numa quantidade espantosa de reedições. o fato é, porém, que o atual dono da editora, o sr. sérgio machado, ainda hoje parece achar esse embuste não só perfeitamente aceitável, mas também prova de grande inteligência empresarial, tino comercial e capacidade de “se reinventar”. na verdade, esse eureka! constitui o “momento talvez fundamental” da história da empresa, segundo o que afirma o sr. sérgio machado, em entrevista publicada hoje no jornal o estado de são paulo:

Mas o momento talvez fundamental da nossa história foi quando meu pai perguntou ao meu tio: “Décio, por que a gente não faz livro que vende? … Estou lendo um livro que me deram, Os Insaciáveis, do Harold Robbins. O negócio de conseguir direitos é comigo mesmo.” Comprou e publicou pela primeira vez um livro com o objetivo exclusivo de vender para o leitor. … Veja o que fez para lançar esse livro, que era bem apimentado: pôs que a tradução era de Nelson Rodrigues. Nelson nunca aprendeu inglês! A cada tiragem, ele ia lá na editora pegar um dinheirinho. E a gente publicou, dele, naquela época, O Casamento. [destaque meu, db]

como vimos nas ilustrações acima, a intrujice parece ter dado tão certo que nada menos que catorze livros de robbins vêm com a tradução falsamente assinada por nelson rodrigues (além do bestseller de charles webb, a primeira noite de um homem). foram também feitos vários licenciamentos dessas fraudes para a abril cultural, o círculo do livro e a nova cultural pelo menos até 1987, a cada vez em altíssimas tiragens e várias reedições.

se este é o eixo da política empresarial do grupo record, que parece se orgulhar de ter como momento “talvez” fundamental de sua história uma descarada trapaça para embair os leitores, fico pensando… por outro lado, talvez não se possa esperar muito mais de um empresário que proclama não guardar nenhuma relação especial com sua empresa e que considera um filme sobre a máfia um excelente ícone (ou “metáfora fantástica”) de sua maneira de conduzir os negócios.

Fonte: http://naogostodeplagio.blogspot.com.br/

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