O moço não tinha celular. Por Claudia Weinman.

Por Claudia Weinman, para Desacato. info.

Fila de mais de 200 pessoas e o moço não tinha celular.

Cheguei cedo e já tinha uma fila de 50 pessoas. Olhei e já senti três tipos de dor de garganta. Somaram-se mais 30 atrás de mim quando o segurança que estava consultando a necessidade de cada pessoa, me avisou para fazer uma cópia do meu documento. Cruzei a rua e perdi o lugar. Os outros 30 também perderam para os outros 50 que tinham chegado e assim fomos nós, revezando nos lugares.

Um cara, de meia idade, por aí, estava na minha frente na central cópias. Olhou para a prateleira e me disse: “Tá barato até o material escolar né”! Eu respondi: “Pois é, não está tendo mais tanta saída, pra ti ver, se está nesse valor, o quanto o pessoal tira em cima, né”!

O mesmo cara seguiu na minha frente na fila da Caixa. Já que ele deu papo, aproveitei para falar bem alto sobre o meu sentimento quanto ao ser que governa o Brasil. Pensei, que se dane, já que ele chamou pra conversa mesmo que mantendo à distância, vamos fazendo o nosso trabalho de prosear com o povo sobre essa tragédia que se diz presidente.

Logo, aproximou -se um conhecido nosso e ficou falando comigo de longe. Quanto mais distante, mais eu levantava a voz pra dizer que o Bolsonaro tem culpa sim diante dos mortos desse país.

Quando o amigo foi embora, voltei a conversar com o moço que parecia assustado. Ele me pediu: “Tu acha que vai até quando essa desgraça”? E eu pedi: “Qual? O Bolsonaro”?

E ele disse: “Não, o coronavírus”.

“Ah”, resmunguei e segui: “Quando essa praga do Bolsonaro cair”.

Ele me olhou, se escorou em um pé de coqueiro mais perto da rua e gritou pra mim:

“Moça, tu é professora”?

“Não, sou jornalista”.

Ele voltou, sentou -se na escada de uma loja e disse: “Achei um banco”.

Dali até a porta da Caixa ele seguiu reclamando da fila e eu do Bolsonaro. Até que o moço engravatado, todo trabalhado na máscara branquinha, na aliança sei lá quantos quilates, de mãos lisas e unhas feitas, olhou para o moço na minha frente e disse: “O senhor não baixou o aplicativo do Caixa Tem no seu celular. Precisa baixar”.

O moço, já puto da vida de tanto me ouvir falar do Bolsonaro disse: “Mas eu não tenho celular! Foi meu patrão quem baixou pra mim, eu não tenho celular, você pode me ajudar ou não”?

Ele recebeu a senha e foi encaminhado direto para o caixa eletrônico para sacar o auxílio.

Eu concordo com aqueles versos no Mauro Iasi, sobre a parte que ele fala que quando o povo perder a paciência vai ficar bonita a coisa.

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Claudia Weinman é jornalista, vice-presidenta da Cooperativa Comunicacional Sul. Militante do coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR).

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
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