O mapa-mundi da vacinação

Com forte apoio estatal, Rússia e China largaram na frente, seguidos pela Europa. África quase fora do mapa. Israel vacinou 21% de sua população. Chile, México e Argentina já iniciam a 2º dosagem. No Brasil, vacina tardou — e há problemas graves de infraestrutura e logística

Por Igor Venceslau, na coluna Outras Cartografias.

A última virada de ano foi, mais uma vez, atípica. O mundo se dividia entre aqueles países que já haviam iniciado a vacinação contra a Covid-19 e aqueles que sequer apresentavam uma previsão pelas autoridades sanitárias nacionais, como foi o caso do Brasil. Embora contrastando com a situação do início de 2020 – quando os países se preparavam, ou não, para a chegada do novo coronavírus – a situação recente não era das mais animadoras.

Exatamente quando o relógio marcava 0h de 01/01/2021, dando início já à terceira década do século XXI e ao que alguns pensadores vêm atribuindo, com certo exagero, ao verdadeiro início do século, apenas 35 nações tinham aplicado ao menos uma dose da tão esperada vacina, sendo a maioria absoluta de países europeus. Aqueles que conseguiram produzir as próprias vacinas, por razões econômicas ou políticas, em laboratórios públicos ou privados, largaram na frente nessa corrida. Até aqui nada novo, exceto que Rússia e China foram os primeiros a iniciar oficialmente a campanha nacional de vacinação, seguidos de Reino Unido e EUA (embora seja consensual considerar a primeira pessoa vacinada uma moradora do Reino Unido), numa clara evidência da demonstração de poder geopolítico e econômico das potências, umas velhas e decadentes e outras ascendentes, mesmo que não tão novas assim.

Mas as desigualdades são notórias até mesmo no velho mundo. Na Europa a vacinação iniciada em território britânico alcançou primeiramente os países mais ricos da União Europeia, depois outros membros do bloco, mas chegando com defasagens em países mais pobres como Sérvia e Eslováquia. Outros como Ucrânia, Albânia e Bósnia ainda não conseguiram iniciar a aplicação da vacina. Farinha pouca, meu pirão primeiro.

A África continua até hoje quase inteiramente de fora do mapa da vacinação, tendo iniciado nos últimos dias em três países do norte – Egito, Marrocos e Argélia. Essas nações muçulmanas chegam tarde em comparação com os vizinhos asiáticos da península arábica, onde os ricos emirados do golfo (Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Omã, etc.) iniciaram muito antes. Já em países como Japão e Austrália, apesar de gozarem de boas condições econômicas e sanitárias, desacordos internos atrasaram uma vacinação ainda não iniciada.

Na América Latina, alguns países atestaram sua responsabilidade conseguindo iniciar ainda em dezembro, como ocorreu com Chile, México, Costa Rica e Argentina. Esses também são os únicos representantes do nosso continente na seleta lista de países que já possuem uma pequena parcela da população completamente vacinada, ou seja, que já recebeu a segunda dose do imunizante. Até o dia 02 de fevereiro de 2021, foram registradas mais de 10 mil pessoas completamente vacinadas no Chile, 45 mil no México e quase 100 mil na vizinha Argentina. A segunda dose também já está sendo aplicada nos EUA, Canadá, Europa, Indonésia, países do Golfo e Israel, que atingiu a surpreendente marca de 21% da população nessas condições (N. de Desacato: Israel vacina a sua população, mas não os palestinos da Cisjordânia e Gaza).

Infelizmente o Brasil não figura entre os que iniciaram a vacinação completa, menos por problemas econômicos e mais por questões políticas evidentes. Ao lado da Índia entre os países com maior quantidade de casos, chegou muito tarde no calendário da primeira dose, amargando ainda outros problemas graves de infraestrutura e logística interna. Manaus ganhou as manchetes do mundo num claro laissez-faire do governo federal. Não fossem os esforços das instituições públicas de pesquisa em saúde, notadamente o Instituto Butantan e a Fiocruz, além do próprio SUS por onde chegaram as primeiras doses aos profissionais de saúde, ainda estaríamos aguardando sentados. Entre o 30 de dezembro argentino e o 17 de janeiro brasileiro foram quase 15 mil novas mortes pela doença do lado de cá do Iguaçu, número superior à população grande parte dos municípios brasileiros.

Ainda assim, o fogo cruzado entre governo federal, Anvisa, governos estaduais, prefeituras desesperadas, manipulação de indicadores e colapso do sistema (falta itens básicos) não dá sinais de arrefecimento. A clara cilada em que o país está metido não cabe numa seringa, dessas que nem temos, e ameaça a tanto a saúde das pessoas quanto a própria sobrevivência do país. O corpo do Estado está doente. Qual vacina está faltando?

Baixe o mapa em alta resolução aqui

 

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