O Lucro Brasil

Por José Álvaro de Lima Cardoso*.

“O Brasil está numa posição muito, muito especial. Eu vou produzir petróleo a US$ 18 (o barril). Pergunta se eu estou preocupado se ele está caindo de US$ 100 para US$ 90. Se cair para US$ 80, tudo bem, who cares (quem se importa, em inglês)? Meu custo de produção de minério de ferro é de US$ 29. O minério chegou a mais de US$ 170 em meio à crise, subiu de preço” (empresário Eike Batista, em entrevista ao jornal O Globo).

Recentemente a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou uma lista com 101 sugestões visando elevar a competitividade e a produtividade da indústria brasileira, através da redução de custos, da diminuição da burocracia, e principalmente, de mudanças nas leis trabalhistas. O documento, intitulado “Propostas para Modernização Trabalhista”, é bastante abrangente, propõe a substituição do legislado pelo negociado e pede a revogação de Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que, na visão dos empresários, favorecem aos trabalhadores. Um dos aspectos centrais do referido documento é a flexibilização e redução dos direitos trabalhistas, via mudança constitucional ou na legislação infraconstitucional, através de mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Para acabar com as “irracionalidades” da CLT a Confederação sugere 65 projetos de lei, três projetos de lei complementar, cinco projetos de emenda à Constituição (PECs), 13 atos normativos, sete revisões de súmulas do TST, seis decretos, cinco portarias e duas normas de regulamentação (NR) do Ministério do Trabalho na área da saúde e segurança do trabalho. Segundo a CNI a adoção das medidas tornará a indústria brasileira mais competitiva e preparada para enfrentar a concorrência internacional, que tende a aumentar com o prolongamento da crise na Europa. Éimportante observar que as medidas foram sugeridas pela CNI, em um momento que o Governo Dilma tem atendido a uma longa lista de reivindicações históricas do empresariado.

É curioso como o empresariado brasileiro insiste em atribuir o chamado Custo Brasil aos salários e aos direitos trabalhistas, quando se sabe que a margem de lucro no Brasil é uma das mais elevadas do mundo. Veja o caso das montadoras, um dos mais extremos. Há décadas os dirigentes do setor vendem a ideia de que o elevado preço dos carros no Brasil se deve à carga tributária e ao custo Brasil, ou seja, à burocracia, estrutura logística inadequada, taxas de juros exorbitantes, e coisas dessa natureza. Essas dificuldades competitivas explicariam porque o brasileiro desembolsa US$ 37.636 por um Corolla e o norte-americano paga US$ 15.450 pelo mesmo veículo. Enquanto o brasileiro paga R$ 65.000 no Jetta, no México custa R$ 40 mil e R$ 30 mil nos EUA. Recentemente a revista Forbes ridicularizou os preços no Brasil, mostrando que um Jeep Grand Cherokee básico custa US$ 89.500 (R$ 179 mil) aqui, enquanto, por esse valor, em Miami, é possível comprar três unidades do modelo, que custa US$ 28 mil. Inúmeros exemplos deste tipo estão estampados na mídia.

Se realmente o alegado custo Brasil fosse uma razão fundamental para os elevados preços dos veículos, como explicar que, após a crise de 2008, os preços diminuíram significativamente? A crise mostrou que havia margens muito significativas de lucro, que poderiam baixar. Tanto é verdade que, enquanto em 2008 e 2009 as montadoras tiveram grandes prejuízos em todo o mundo, no Brasil, entre 2009 até meados de 2012, as montadoras enviaram US$ 14,6 bilhões, à título de remessa de lucros para suas matrizes, localizadas nos países desenvolvidos (o lucro enviado ao exterior é semelhante ao valor das isenções fiscais obtidas pelas empresas no período). Os carros importados da China mostraram o quanto os carros são caros no país. Muito mais equipados e baratos, os veículos chineses obrigaram as montadoras tradicionais no Brasil a reposicionarem os seus preços e melhorar a qualidade de seus carros para enfrentar a concorrência.

O assunto é tão importante que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado realizou em novembro de 2012 uma audiência pública para “discutir e esclarecer as razões para os altos preços dos veículos automotores no país e discutir medidas para a solução do problema”. Um estudo apresentado na audiência pelo SINDIPEÇAS (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) revelou que a margem de lucro das montadoras instaladas no Brasil é três vezes maior que nos EUA: no Brasil é de 10%, nos EUA é 3% e a média mundial é de 5%. Segundo o referido estudo o custo de produção do veículo no Brasil é menor do que em qualquer parte do mundo, equivalendo a 58% do valor final do carro. A média mundial é de 79%, e nos Estados Unidos esse custo sobre para uma faixa entre 88% e 91%.

Uma das alegações dos empresários para justificar a elevada rentabilidade dos negocios no Brasil são os custos de remuneração do capital, uma das maiores do mundo, em função das históricas taxas de juros elevadas. Neste momento, em que as taxas de juros no Brasil estão confluindo para níveis internacionais, (com grande oposição do setor financeiro, historicamente habituado às mais altas taxas de lucros do mundo) esse discurso vai ficar cada vez mais desmoralizado.

*José Álvaro de Lima Cardoso e economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

 

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