O lobby dos agrotóxicos

CBPFOT130420070242A liberação, em apenas dois meses, de produtos com potencial tóxico escancara uma eficiência intranquilizadora da Anvisa

Por Rui Daher.

Poderia ser auspicioso. O Valor Econômico, de sexta-feira 14, noticiou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, nos dois primeiros meses de 2014, liberou para comércio 19 produtos, contrariando a sua tradicional morosidade.

Trata-se, no entanto, de eficiência intranquilizadora. A liberação é de produtos agrotóxicos, num tempo em que crescentes ações lobistas ameaçam mudar os critérios de aprovação e diminuir o poder decisório da ANVISA.

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e entidades que representam empresas do agronegócio, não sem razão, mostram-se insatisfeitos com o longo tempo de espera das liberações.

Daí as pressões sobre o órgão, bombardeio similar aos que sofrem FUNAI e INCRA, em questões indígenas e de reforma agrária.

A aprovação de princípios ativos com potencial tóxico não pode abrir mão da cautela e correr a qualquer nota. Pesquisadores e instituições científicas temem que o lobby da indústria possa abrandar as rotinas probatórias da ANVISA.

A justificativa para maior pressão veio da temida lagarta Helicoverpa armigera, causadora de sérios prejuízos à produção brasileira de grãos, nos últimos dois anos.

Para combater a praga, implorava-se autorização para importação e uso de produtos à base de benzoato de emamectina antes mesmo do registro, obtido normalmente após provas de não periculosidade.

O uso de emamectina é controverso não de agora. Incidentes e proibições já ocorreram em outras partes do mundo. Recentemente, pesquisadores brasileiros recomendaram manejos integrados para combater a lagarta, com aplicações de controladores biológicos efetivos e inofensivos à saúde.

O papo químico prevaleceu.

Ao acelerar as aprovações, a ANVISA corre antes de o bicho comê-la, o que não significa que ele não irá pegá-la. Na Federação de Corporações, para mexer com gente grande é preciso ser ainda maior.

Em 2014, as vendas de agrotóxicos deverão superar os US$ 10 bilhões obtidos no ano passado. O Brasil é líder, à frente dos EUA, o que faz valer “carrinhos” violentos em canelas adversárias.

Chamemos a opinar a Fundação Oswaldo Cruz, com slogan “uma instituição a serviço da vida”. Desde 1900, a Fiocruz assim nos serve.

Em carta aberta à sociedade brasileira, ela alerta para os riscos de tirar-se a função regulatória do Estado ou mudar a legislação, pois inúmeros trabalhos científicos mostram a periculosidade desses produtos para a saúde humana, animal e o meio ambiente.

São conclusões corroboradas pelo INCA (Instituto Nacional de Câncer) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO).

Mesmo reconhecendo graves falhas na gestão do órgão, entre abrir mão do controle governamental, cedendo a interesses financeiros muitas vezes contrários aos da sociedade, e consertar o que lá há de errado, recomenda-se arrumar a casa

Aqui a manifestação da Fiocruz.

Mais um?

Já escrevi nesta CartaCapital sobre a má gestão, os poucos recursos, e o aparelhamento político do MAPA.

Depois da passagem do experiente agrônomo Roberto Rodrigues, no 1º mandato de Lula, entre 2003 e 2006, por lá estiveram seis outros ministros, ligados ao PMDB e com rarefeitos atributos para o cargo.

Acaba de ser empossado Neri Geller para gerir a atividade que, relativamente, mais contribui para o crescimento do País.

Ex-deputado federal (PP-RS), hoje está no PMDB. No ministério, ocupava o cargo de secretário de Política Agrícola. Algo que não lembro existir.

Diz-se ser grande produtor de grãos na região de Lucas do Rio Verde (MT), o que não é garantia de visão abrangente para cargo tão importante.

Outro Geller, o Uri, um israelense naturalizado britânico, ficou famoso no passado ao entortar garfos, facas, colheres e adivinhar objetos ocultos, usando supostos atributos paranormais.

Em seu discurso de posse, assim o nosso Geller se referiu ao tema: “Não podemos esperar anos para um produto ser aprovado. Também não vamos atropelar o processo, mas vamos nos dedicar mais a isso”.

Entortou a retórica.

Fonte: Carta Capital.

Foto: Cadu Gomes/CB.

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