O léxico do golpe

Temer
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

Por Nirlando Beirão.

Alternância do poder

É um instrumento democrático que você aspira quando – e só quando – o adversário está no governo. Quando seus apaniguados mandam, aí você passa a defender a “continuidade” em nome da “governabilidade” e das “reformas”. Neste caso, a alternância atrapalharia o aperfeiçoamento democrático.

Em São Paulo, a alternância do poder é especialmente execrada. Os paulistas preferem perpetuar um mesmo grupo político, como na época da República de polainas e cartola. Enquanto isso, clamam pela alternância do poder… na Venezuela (leia o verbete).

Aparelhamento do Estado

Os adversários são os que aparelham o Estado. O governo que você defende, não: ele procede a nomeações sérias, republicanas, de figuras de notório saber, superior competência e reputação ilibada (mesmo se processados criminalmente). Em teoria, o partido no poder nomeia para os cargos de confiança pessoas… de sua confiança.

Mas esse princípio não vale para os adversários, sempre acusados de irem com muita sede ao pote. Se aquele diretor da estatal nomeado por você ou pelos seus for pego mais tarde com a mão na botija, é um caso de cooptação estimulado pelo clima corrupto instauradopor seus adversários.

Corrupção

Prática entranhada nos governos dos outros – e felizmente reprimida ferozmente pelo Judiciário aliado da gente. Infelizmente, a corrupção às vezes ganha fatos comprovados e nomes ilustres de aliados seus. Mas não se preocupe. O Judiciário vai fazer vistas grossas, o doutor Gilmar Mendes está aí para zagueirar as injúrias gratuitas e infundadas.

E a mídia amiga estará a postos para jogar esse tipo de acusação para debaixo do tapete. A corrupção no Brasil foi inventada pelo partido adversário, uma organização criminosa que assaltou os cofres públicos. Se alguma dúvida insidiosa pairar sobre algum correligionário nosso, é só ir ao programa gratuito de tevê e dizer “eu errei”. E tudo ficará como está.

Corruptores

Sem eles não existe corrupção. Eventualmente (ou frequentemente) financiaram candidaturas amigas. Portanto, é melhor fazer como os justiceiros do Paraná: isso não vem ao caso.

Bolsa Família

Instrumento do Estado inchado, assistencialista e paternalista para manter politicamente subjugados os miseráveis que não se dispõem a trabalhar. Perpetua a miséria e a vagabundagem com os recursos dos impostos – aqueles poucos, bem entendido, que não são sonegados pelos ricos.

Criado e mantido pelos governos petistas, o Bolsa Família explica as sucessivas vitórias do PT nas urnas analfabetas. Projeto especialmente amaldiçoado pela classe média antes ascendente, a qual, no entanto, paga alegremente os juros escorchantes cobrados no cartão de crédito.

Cara nova

É aquele político que finge que não é político. “Cara nova” designa figuras que estão há anos, ou décadas, nos bastidores ou mesmo no proscênio da atividade política, em geral aproveitando-se da promiscuidade escancarada entre empresários e agentes públicos, mas que simulam não ter nada a ver “com isso que está aí”.

Ao abrir a boca, exprimem ideias anteriores à Revolução Francesa com a desfaçatez de quem se diz sintonizado com o dernier cri da modernidade e da tecnologia. Como os “caras novas” fingem ser o que não são, o eleitor pode ter dificuldade de perceber de imediato a falsidade.

Judiciário

Partido político não registrado oficialmente na Justiça Eleitoral, mas que atua em bloco a favor das causas mais truculentas e reacionárias. Seus mais altos representantes envergam um uniforme sombrio que, no entanto, não lhes tolhe os gestos de uma teatralidade sempre narcisista. Em esferas inferiores faz sucesso a camicia nera dos tempos do Duce.

O jargão obscuro com que se exprimem reforça o esprit de corps da turma, que faz política se fazendo de apolítica. A corporação dos intocáveis dissemina o ódio e critica o mundo, mas fica furiosa, e leva aos tribunais, quem ouse criticá-la.

Crise

A pior crise econômica de todos os tempos é esta aí, provocada por um governo rival, aquele que zerou a dívida externa; ainda que, quando estivemos no poder, chegamos a quebrar o Brasil um punhado de vezes.

E não importa que o empresariado tenha premeditadamente empurrado o País abismo abaixo, com o edificante propósito de derrubar um governo que não descia na goela do “mercado”. O abismo era mais fundo do que se imaginava, mas a gente vai continuar culpando os adversários pela “herança maldita” que não sabemos agora como administrar.

Delação premiada

Ela só tem valor se for vazada cirurgicamente para atingir os nossos concorrentes. Se no meio do lamaçal surgir o nome de um aliado, diga que as revelações são açodadas e precisam ser apuradas a fundo, doa a quem doer. Quanto ao fato de o vazamento ser também um crime, de responsabilidade, inclusive, do ministro da Justiça, caso envolva a Polícia Federal, bem… esqueça.

O STF vai abonar a bandalheira. Delações extraídas no porão da carceragem ficam sempre à espera de que o inimigo dos justiceiros seja citado. Senão a gente dá mais uma prensa no delator, para que ele confesse o que a gente quer.

Desemprego

Promover o desemprego em massa, com demissões no serviço público e no setor privado, é o que prescreve o catecismo do “mercado”. Vilanizar os raros direitos trabalhistas que ainda sobrevivem também faz parte do discurso que culpa pelo desemprego… os trabalhadores.

Vivendo uma realidade paralela, os mãos de tesoura do governo ilegítimo dizem que o desemprego (superior a 13 milhões) está diminuindo. De todo modo, é resultado da “herança maldita” deixada pelos antecessores, de cujo governo os golpistas de hoje faziam parte.

Deus

A julgar pelo que dizem os parlamentares, o Todo–Poderoso está dando expediente integral no Congresso brasileiro. Ele patrocina ações violentas e ilegais e abençoa pilantras notórios. Votou pelo impeachment da presidenta Dilma, reforçando a convicção de que Ele não é brasileiro.

Gestão

É o talismã do “cara nova” (confira o verbete). O “gestor” considera-se um tremendo administrador, mas sua cartilha é o samba de uma nota só da “austeridade”. Louco por cortar salários, promover demissões em massa e diminuir o investimento público com base na teoria de que Estado mínimo é Estado eficiente.

Em seus surtos de “privatização” a qualquer custo, o “gestor” na verdade pretende é dilapidar o patrimônio público, repassando-o a preço de banana a empresários amigos. Programas sociais, nem pensar. O “gestor” de cashmere tem ojeriza a pobres e trata os indigentes e os sem-teto a jatos de água fria em madrugadas geladas. É um genocida em potencial.

Institucional

É a versão pós-golpe de “republicano”, palavra muito em voga para designar, na temporada petista, situações de compromisso político com os piores adversários. “Institucional” foi, segundo a futura procuradora-geral Raquel Dodge, o meeting por ela mantido na calada da noite com quem a indicou, Michel Temer, no Palácio do Jaburu.

Flagrada pelas câmeras, a doutora Dodge afirmou que o ágape girou em torno de questões protocolares para a sua posse. Como nem o rei Luís XIV precisou de tantas minúcias de etiqueta para sua investidura, soou pouco plausível a versão da magistrada. Em seguida, ela corrigiu para “uma conversa institucional”.

Ficou pior ainda: deu a entender que estava indo buscar instruções de como promover a justiça com um sujeito processado por obstrução da Justiça. A língua inglesa tem um dito: “Quando você já está num buraco, pare de cavar”.

Lava Jato Inc.

É o empreendimento comercial do baixo Judiciário de Curitiba, que consiste em negociar palestras no Brasil e no exterior a preços sigilosos, palestras essas que podem incluir temas como o confisco do cachê das palestras de um conferencista concorrente e de muito prestígio.

O confisco acontece por decisão ciumenta, ainda que os valores das palestras do perseguido sejam transparentes e tenham sido declarados ao Fisco.

Liberdade de expressão

É o direito inapelável, intocável e irreversível dos meios de comunicação de exprimir o pensamento único de seus proprietários, em consonância com interesses pecuniários e a pauta eleitoral deles. É facultado o direito de mentir e distorcer.

Em temporadas eleitorais, a toada de uma nota só torna-se obsessão, de forma a impedir que vaze para o noticiário algum acorde dissonante por parte da ralé das redações ou dos candidatos do outro lado.

Se alguém denuncia a censura que os patrões impõem às redações – e à verdade factual –, os mandarins da imprensa reagem com total hipocrisia: “Vocês querem me censurar”.

Meritocracia

Doutrina segunda a qual os pobres são pobres porque querem – ou porque lhes faltam qualidades para serem ricos. Já os ricos, ainda que muitos deles aquinhoados por robustas heranças, patrocinam a corrida malthusiana, cuja linha de chegada vai contemplar os mais fortes e determinados.

Uma transposição vulgar desse pensamento é representada pelo programa O Aprendiz, que nos Estados Unidos gestou Donald Trump e aqui no Brasil pariu João Doria Jr.

Opinião pública

entidade de contornos indefinidos da qual a mídia se apropria indevidamente, dizendo-se sua porta-voz, ainda que, no fundo, nutra o maior desprezo pela opinião do público. Tipo do cabeçalho da Folha de S.Paulo, a qual, sem o menor constrangimento, apregoa: “Um jornal a serviço do Brasil”.

Parlamentarismo

O sistema de governo ideal quando o nosso partido é sistematicamente surrado nas urnas em eleições presidenciais. O parlamentarismo acaba convocando figuras espectrais como o senador José Serra, ávido para levar sua ambição presidencial fracassada por um atalho autoritário.

José Serra
Serra, um defensor da mudança no sistema de governo (Foto: Valter Campanato / Agência Brasil)

Políticos

Fauna dotada de grande voracidade que se apresenta, a cada dois anos, em busca de um cargo público que lhe permita saciar essa voracidade. Por uma estranha circunstância, quanto mais facínora for o candidato, maior chance ele terá de se eleger.

Políticos não nascem de geração espontânea, eles são agraciados pelo voto do eleitor, o qual, no dia seguinte à eleição, já nem se lembrará do sujeito em quem votou e irá daí para a frente se eximir do ônus de sua própria e livre escolha. Brasília é o Brasil. Não existe uma política corrupta sem uma sociedade corrupta.

Recuperação econômica

Uma ficção produzida pelo governo ilegítimo e que passa, como uma chanchada sem graça, nas telas dos cadernos de Economia e Mercado dos jornalões cúmplices do golpe.

Velha política

Só os adversários a praticam. Se você não está aliado àquele plutocrata sulista ou ao coronel nordestino, é porque eles decidiram apoiá-lo, não o contrário. A pureza de princípios automaticamente os transformará em “homens de bem”. Não importa que o seu apoiador venha de uma nefanda dinastia baiana de três gerações de políticos suspeitos. Eu sou a renovação, velha política são os outros.os.

Venezuela

É a versão atualizada de “Cuba”. Para se distrair de um país que vai suprimindo os direitos e as liberdades democráticas, o nosso, você começa a apostrofar o país vizinho, acusando-o de suprimir os direitos e as liberdades democráticas.

Com o aval categorizado da Folha, passa a ter o direito de chamar o presidente eleito de “ditador” e de gritar para os esquerdistas: “Vá pra Caracas”. A Venezuela é o que o PT queria fazer do Brasil. Não fez não se sabe bem por que, talvez o cantor Lobão explique. O comunismo morreu, mas o anticomunismo continua a gerar bons negócios.

Já o capitalismo produz tragédias humanas como as do Burundi e do Zimbábue e ditaduras sanguinárias como a Arábia Saudita e o Azerbaijão – mas se Trump e o Estadão apoiam, então está tudo bem.

Lava Jato

Desencadeada a partir da prisão do megadoleiro Alberto Youssef, que já havia sido investigado pelo juiz Sergio Moro e demais xerifes de Curitiba quando do escândalo do Banestado. Como o foco da roubalheira era então o PSDB e aliados, Moro achou que não era o caso.

Mas já que a Operação Lava Jato passou a visar a Petrobras, os governos do PT e seus aliados, ela foi em frente, com o estardalhaço da mídia, vazamentos seletivos e prisões escolhidas a dedo.

Cumprida sua função de derrubar, aliado a um Congresso caricato, uma presidenta que jamais foi citada pelas acusações arrancadas nos porões, e de colocar no poder uma quadrilha beneficiada por propinas e malas de dinheiro, mas que nunca será incomodada pelos justiceiros, eles se dedicam agora à segunda missão política: evitar que Lula seja candidato em 2018. Até aqui têm ido bem nesse propósito.

Manifestações e protestos

Quando se trata de greves de trabalhadores e protestos a favor de direitos das minorias, devem ser chamados de “baderna” – distúrbios que incomodam o cidadão e a rotina das metrópoles e tendem a desandar em “vandalismo”, ainda que a polícia provoque e atire primeiro.

Manifestações ordeiras são, em contrapartida, aquelas, vestidas de canarinho, que desencadearam uma violência institucional e que agora clamam nas ruas pela intervenção das Forças Armadas.

Pedaladas fiscais

São ajustes orçamentários que os governantes utilizam, alocando recursos com certa destinação para outra. Por exemplo, assegurar que os programas sociais continuarão a ser abastecidos com verbas quando o caixa anda minguado.

O Poder Executivo, em todos os níveis, usa esse expediente no Brasil, mas só uma pessoa acabou punida a pretexto das tais pedaladas – muito alardeadas, mas pouco entendidas. De todo modo, como a acusada foi a presidenta Dilma, tratava-se de um crime hediondo.

Se os nossos aliados são flagrados negociando roubalheiras na calada da noite, não passam de leves e desculpáveis contravenções.

Populista

É o rótulo destinado àqueles que cometem a irresponsabilidade de pensar nos pobres – criaturas descartáveis no xadrez da alta política. Os populistas põem em risco a estabilidade econômica e enfurecem os cânones do “mercado”, muito pouco propensos a pensar o País para além da “meritocracia” (veja o verbete).

Os populistas são, em geral, de esquerda. Os de direita, do tipo Jair Bolsonaro, a gente acaba agasalhando se for conveniente.

 

Fonte: Carta Capital.

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