O integralismo brasileiro nunca deixou de existir

O movimento fascista liderado por Plínio Salgado continua respirando via aparelhos desde 1937.

Ilustração: Felipe Pessanha

Por Marie Declercq.

Uma publicação no Facebook sobre uma reunião da Frente Integralista Mineira no dia 27 de janeiro causou uma certa comoção entre a esquerda e até alguns setores da direita. As fotos da reunião mostraram dois homens falando no microfone, celebrando uma reunião entre integralistas do estado mineiro. Um deles, fardado e com o símbolo do sigmacosturado na manga, ostenta um corte de cabelo moderno para não deixar dúvidas que a foto é de 2019 e não dos anos 1930. “Foi um sucesso o evento realizado ontem em Belo Horizonte, no qual comemoramos o aniversário de Plínio Salgado e fundamos oficialmente o Núcleo Integralista de Minas Gerais”, começa a publicação. 

A comoção em torno do e da descoberta dessa reunião foi maior do que o próprio sucesso do encontro de simpatizantes de Plínio Salgado. Trata-se de um grupelho, sim, mas deixou muita gente preocupada com uma possível volta do integralismo no Brasil. A questão é: o integralismo não precisa voltar porque ele nunca sequer deixou de existir.

O integralismo foi fundado em 1932 por Plínio Salgado por meio da Ação Integralista Brasileira e se inspirou nas ideologias fascistas que estava em ascensão na Europa na mesma época. Os camisas verdes, como ficaram conhecidos no Brasil, tinham como principais membros (além de Plínio) Miguel Reale e Gustavo Barroso, também considerados os principais contribuintes para a literatura integralista. No seu auge nos anos 1930, o movimento chegou a despertar alguma simpatia na classe média e até do próprio presidente Getúlio Vargas, mas sua existência foi proibida pelo próprio em 1937, quando este vetou por lei todas agremiações políticas, no início do Estado Novo.

O grupo deixou alguns legados na história do Brasil como a saudação “Anauê” com a mão direita estendida, em clara alusão às saudações fascistas da Alemanha e Itália; a Revoada dos Galinhas Verdes, chamada de “Batalha da Sé”, quando antifascistas desceram o cacete nos integralistas em 1934; e também o próprio Plínio Salgado, seu líder máximo, que continuou atuando politicamente durante a ditadura militar na ARENA. Salgado tinha inclusive admiração por membros de alto calão do regime como Alfredo Buzaid, que atuou como Ministro da Justiça durante o mandato de general do Exército Emílio Garrastazu Médici de 1969 a 1974 — o ex-ditador chamava Salgado de “Chefe”.

Mesmo com a morte de Plínio em 1975, o movimento não esfarelou como previsto. Segundo Odilon Caldeira Neto, que é historiador, pesquisador de doutorado da Universidade Federal de Santa Maria e autor do livro Sob o Signo do Sigma: Integralismo, Neointegralismo e o Antissemitismo, o movimento pode ter perdido a força e o viço que tinha na década de 1930, porém ideologicamente sempre permaneceu vivo entre os membros das pequenas organizações e simpatizantes. Em 1945, os membros remanescentes da AIB criaram o Partido de Representação Popular, o PRP, pelo qual o próprio Plínio se candidatou à presidência em 1955. Durante a ditadura militar, grande parte dos afiliados rumaram para a Arena, inclusive Salgado que foi eleito deputado federal por São Paulo. Após a redemocratização, houve aproximações dos integralistas com o PRONA e o Partido Militar Brasileiro, o qual inclusive gerou o movimento natimorto da Frente Nacionalista.

O fato de todas as lideranças do movimento terem morrido há décadas não afetou o integralismo. Inclusive, como o próprio Caldeira frisa, os neointegralistas do século XXI se mantém fieis aos ideais de Salgado, que permanece no campo sobrenatural como o máximo líder da ideologia. Na terra, cabe aos membros vivos disputarem quem carregará a herança de Plínio em nome do grupo.

A própria Frente Integralista Brasileira, por exemplo, não passou a existir após o levante recente da direita brasileira, mas sim em 2001, quando ocorreu o primeiro congresso integralista para o século XXI. “A FIB é a mais fiel as ideias do integralismo entre guerras. Desde sua criação, ela nunca parou de ter atividades e sua atuação costuma ser mais restrita sobretudo em São Paulo, Rio de Janeiro e em algumas regiões do sul”, explica.

A FIB está longe de ser uma agremiação de massa, mas é bem organizada e tem bem claro que os ideais de Plínio Salgado sempre nortearão os rumos do grupo. Com as redes sociais e as manifestações de 2013, o grupo passou a estender sua atuação e mapear as possibilidades políticas na extrema-direita brasileira. “Desde as marchas contra a Dilma Rousseff eles voltaram a atuar nas ruas, a internet sempre foi a principal forma de articulação.”

Com a eleição de Bolsonaro em 2019, os neointegralistas finalmente encontraram um governo com quem podem se identificar — com algumas ressalvas, claro. Os pontos em comum são os alicerces da direita: morais e bons costumes cristãos, propriedade privada, família e um fetiche em preservar a identidade e cultura nacional.

 

Racha antissemita

No entanto, há pontos de tensão entre o governo de Bolsonaro e os integralistas. Especialmente a aproximação do Brasil com Israel, que gerou até algumas celeumas no cenário internacional. Aos olhos desses grupos, essa proximidade vai de encontro a algumas ideias e visões de mundo que ganham contornos conspiracionistas e são declaradamente antissemitas, especialmente as de Gustavo Barroso.

“O conspiracionismo foi uma arma utilizada constantemente pelos integralistas. No geral, para uma organização fascista com uma afeição totalitária, existe uma necessidade de interpretar a identidade do grupo ou mesmo a identidade nacional em projeção contrastante ao outro. Esse outro pode ser construído a partir de diversas categorias. Por ora pode ser os comunistas, por ora pode ser outros adversários políticos e em algumas instâncias também os judeus”, conta Caldeira.

A coisa de se criar uma narrativa conspiracionista para conjurar um grande inimigo à espreita, com objetivos secretos de destruir a moralidade e soberania de um país, seria sim um ponto em comum com o governo Bolsonaro e o levante da extrema-direita brasileira. Já o antissemitismo, não. Barroso não era apenas um rostinho bonito no integralismo, mas um dos maiores contribuidores na literatura da ideologia. Nos seus escritos, o antissemitismo era um aspecto primordial, enquanto nos textos de Miguel Reale e Salgado eram tópicos mais secundários.

“No caso de Barroso, dentro desse antissemitismo estava articulado também uma perspectiva conspiracionista, a denúncia de teorias da conspiração. Afinal de contas, Barroso foi o primeiro tradutor e apostilador dos Protocolos dos Sábios de Sião na língua portuguesa do Brasil. Ou seja, ele é uma figura central não somente para articular o antissemitismo, como também para difundi-lo e suas teorias conspiratórias na sociedade brasileira”, diz.

Com o pós-guerra, o antissemitismo evidentemente se tornou um problema em todas as alçadas sociais e, com isso, os neointegralistas começaram um “apagamento” do antissemitismo na doutrina. “É uma aparente dubiedade, porque apaga-se aspectos caros aos escritos integralistas e antissemitas e conspiracionistas, mas se mantém a ideia que o Brasil estaria sofrendo prováveis riscos a sua soberania por meio de grupos desconhecidos e outras nações”, frisa Odilon.

Embora Bolsonaro e os integralistas sejam primos ideológicos por conta das críticas contra a esquerda e todas as pautas de moral e bons costumes, ainda há pontos de tensão. Além da aproximação de Bolsonaro com o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, há também divergências econômicas como a pauta ultraliberal adotada pelo governo Bolsonaro. “Não existe um apoio completo [ao Bolsonaro], eles não o enxergam como representação dos ideais integralistas, mas sim como um líder político que traz ideias próximos ao integralismo,” explica.

De fato, o momento que o Brasil vive é propício para os neointegralistas partirem para a próxima fase, sendo ela uma criação de um partido político nos moldes democráticos ou até mais um degrau para um governo integralista. No mais, os neointegralistas ainda se resumem a grupelhos históricos cujos líderes definharam há muito tempo em seus respectivos túmulos. O que não significa que seus próximos passos não devam ser observados.

No entanto, não foi o levante da extrema-direita que os ressuscitaram. “O integralismo nunca deixou de existir. O que existe é uma maior articulação atual — e isso também não quer dizer que o Bolsonaro seja integralista. Até porque a eleição de Bolsonaro ainda é pouco para eles. O integralismo na sua autopercepção é um movimento revolucionário para regeneração nacional e uma forma da nova política de um estado integral. Os seus adeptos veem com bons olhos esse momento porque as pautas conservadoras são a ordem do dia e há possibilidade da inserção dos ideais integralistas dentro desse governo que se desenha neste momento. Isso não significa que eles vão se organizar para entrar no campo democrático, mas vão colocar pressão,” finaliza.

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