O homem diabolus sem a Ética Biocêntrica acelera a extinção das espécies

Por Elissandro Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.

O título deste artigo parece estranho, exagerado, infundado, descabido? Seja honesto intelectualmente e pare para refletir no que o homem fez e continua fazendo com a vida no Planeta e verá que a metáfora é até suave. Gostaria de utilizar outra figuração para sair dos limites das concepções e vertentes do pensamento religioso, mas esta foi a perspectiva metafórica cotejadora que me pareceu mais viável, levando-se em consideração o modus operandi de pensar da maior parte da sociedade brasileira com base no universo religioso, tendo em vista que este é um dos elementos presentes no processo de construção da nacionalidade brasileira, o pensar pela religião. Para aqueles que acham que nós não analisamos tudo pelo viés religioso, sugiro que voltem ao episódio do impeachment de Dilma na Sessão da Câmara dos Deputados, espaço-temporal no qual muitos parlamentares aplicaram o golpe político em nome de Deus, de Jesus, da sagrada família tradicional, dos Anjos e de outros elementos. Para quem pensa que os deputados não representam um grupo amostral significativo do pensamento brasileiro, é importante evidenciar que eles são sim uma amostra mensurável, pois foram eleitos por pessoas que se identificaram com suas propostas/valores e, se a maioria dos representantes do legislativo brasileiro é conservadora, é porque os eleitores também são reacionários. Enfim, o que quero mostrar a partir de minha linha argumentativa é que a chamada do texto não é inviável e que você é inteligente, estou cônscio disso, por isso, não tenho dúvidas de que perceberá que não é exagero dizer que o homem é o diabolus dos outros seres, pois fez desse mundo um inferno para os outros animais e para a natureza em geral.

Diante de todo o percurso desbravador destruidor da pluralidade da vida, é oportuno externar que o bicho homem ou homem diabolus, com urgência, precisa se humanizar, sensibilizar-se para a consciência de que os outros seres, vegetais ou animais, assim como ele, possuem o direito à existência, mas tal consciência só será possível pelo nascimento da Ética Biocêntrica, pela ótica de que todos os seres são importantes para o planeta.

Mas e o que é essa tal Ética Biocêntrica? Leonardo Boff no livro “Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres” nos ensina o que é isso, sem necessariamente conceituar, quando, de forma inteligente, coloca que a crise ecológica na qual estamos, talvez, seja uma crise do paradigma civilizacional. Ele menciona que na atitude de estar por sobre as coisas e por sobre tudo, parece residir o mecanismo fundamental de nossa atual crise civilizacional.

Para seguir com o raciocínio sobre a crise civilizacional, Boff faz uma indagação e apresenta uma das respostas que pode nos ajudar a entender por que destruímos tudo nesse planeta, dizimamos a vida e matamos o nosso futuro. Ele pergunta: qual a suprema ironia atual? Em seguida, responde: a vontade de tudo dominar nos está fazendo dominados e assujeitados aos instrumentos técnicos que criamos e que degradaram a Terra. A utopia de melhorar a condição humana piorou a qualidade de vida. O sonho de crescimento ilimitado produziu o subdesenvolvimento de 2/3 da humanidade, a volúpia de utilização ótima dos bens e serviços da Terra levou à exaustão dos sistemas vitais e à desintegração do equilíbrio ambiental.

Ainda sobre a Ética Biocêntrica é profícuo recorrer ao que questionam Ilya Prigogine e I. Stengers: como distinguir o homem/mulher de ciência moderno de um mago ou de um bruxo e mesmo daquilo que é mais longínquo da sociedade humana, a bactéria, pois que também ela se interroga sobre o mundo e não cessa de pôr à prova a descodificação dos sinais químicos em função dos quais se orienta?

Fazendo intersecção com o questionamento acima, mostro que o surgimento da Ética Biocêntrica é crucial para que o antropoceno se enfraqueça e se crie outra era de ações e resiliências para a Terra. Ademais, é importante salientar que o antropoceno se instaurou a partir da destruição, da aniquilação da vida e esse tempo do homem precisa perder força, pois, caso contrário, será o nosso fim. Caso isso não ocorra, a Terra encontrará formas de se vingar do homem, pois ela é um organismo vivo e inteligente, conforme a Teoria Gaia, e, sendo inteligente, em algum momento dará respostas aos mandos e explorações do bicho homem.

Acerca das interferências humanas no processo de aceleração da extinção de espécies vegetais e animais, é importante trazer que toda a minha análise sobre esse fenômeno é fruto de leitura em torno do subcapítulo “Como os humanos aceleram as extinções das espécies?”, do capítulo 9 “Biodiversidade sustentável: a abordagem das espécies” do livro “Ecologia e Sustentabilidade”, de G. Tyler Miller e Scott E. Spoolman.

No referido subcapítulo, são apresentados os principais elementos de aceleração da extinção. Dentre eles, estão: perda ou degradação de habitat, espécies invasoras prejudiciais, crescimento da população humana, poluição, alterações climáticas e exploração além da capacidade de resiliência da vida no Planeta.

Para discorrer acerca da extinção, é imprescindível que se saiba que esse é um fenômeno natural, mas que, devido à lógica perversa desumana do consumo, sede de poder e de potência das nações, o ser humano, a partir de seus modelos de produção insustentável e de relação de exploração com os recursos naturais da Terra, acelerou a máquina de destruição da vida.

Segundo G. Tyler Miller e Scott E. Spoolman, a perda de habitat é a maior ameaça para as espécies. Para esses dois teóricos, pesquisadores da biodiversidade informam que a maior ameaça para as espécies selvagens é a perda, degradação e fragmentação de habitat e que um impressionante exemplo disso é a perda de habitat dos ursos polares, pois, pelo fato de a atmosfera acima do ártico ter ficado cada vez mais quente durante as últimas décadas, o gelo marinho flutuante, uma parte vital do habitat dos ursos, está derretendo sob seus pés e causando declínio em seus números.

Outro elemento importante para compreender a aceleração da extinção das espécies, conforme G. Tyler Miller e Scott E. Spoolman, é que algumas espécies introduzidas deliberadamente podem prejudicar os ecossistemas e que a prevenção é a melhor maneira de reduzir as ameaças de espécies invasoras. Além disso, há a questão do crescimento populacional, que está ligada a outros fatores como consumo excessivo, poluição e alterações climáticas. Tudo isso acelera o processo do fim das espécies.

Infelizmente, mesmo em pleno século XXI, as mentalidades sociais em várias partes do mundo continuam idênticas às primeiras sociedades. Todavia, há registos de que a cultura de matar, capturar e vender espécies selvagens ilegalmente continua latente e esse é um fator agravante ameaçador da biodiversidade. Além disso, também ocorre uma crescente demanda pela carne de animais selvagens em alguns países africanos e em outros continentes.

Como considerações finais, torna-se crucial mencionar que no Brasil, com o desmatamento de áreas naturais, pressão imobiliária nas cidades, crescimento urbanístico horizontal e consequente diminuição de espaços florestais nativos, muitas espécies silvestres correm riscos de desaparecimento total, ou seja, de extinção. Pensando nisso, cientistas ambientais, ambientalistas e pessoas em geral preocupadas com o meio ambiente, em vertente ampla, estão em busca de alternativas voltadas para a proteção e para a mitigação dos problemas que desencadeiam a extinção.

Precisamos rever nossas percepções, visões e concepções sobre os demais seres que habitam a terra, e isso só será possível, como disse ao longo do corpus textual, com a ética biocêntrica. Somente por meio dela abandonaremos nossa arrogância, prepotência e deixaremos de ser diabolus e nos tornaremos protetores da vida.

Intercalando com o que apregoa Boff, ouso pontuar que o ser humano, se quiser futuro, precisa abandonar a ideia de que é um ser especial sobre todas as coisas, dispondo delas segundo os caprichos dos sonhos umbilicais. Ele necessita entender que é alguém que está junto com as coisas, como partícipe de algo maior, planetário; só assim ele conseguirá interpretar uma das máximas de Gandhi, a de que a Terra é suficiente para todos, mas não para a voracidade dos consumistas.

Referências para a construção do texto

Ecologia e Sustentabilidade, G. Tyler Miller e Scott Spoolman.

Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. Dignidade e direitos da Mãe Terra, Leonardo Boff.

La Nouvelle Alliance, de Ilya Prigogine e I. Stengers.

Imagem: Aldeia Verde.

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