O Herói do Último Domingo

Arte: Maninho.

Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.

O herói do último domingo deitava sobre seus instantes finais antes de um maravilhoso sono próximo à piscina e após ter desfrutado das melhores iguarias que seu sucesso colocara sobre sua mesa. Seus amigos urubus, fartos também daquela, já haviam partido para a próxima refeição. Ficou só. Antes do soninho, como de costume, deu uma olhadinha em seu celular para ter certeza se estava tudo em ordem no reino que vinha salvando e dignificando nos últimos quase 2 anos. Deitou, estufou o peito para bem dizerem que tiraria o sono dos heróis e deu breves pescadas antes de ser interrompido pelo aparelho que explodia em vibrações. Ao olhar, teve uma enorme emoção: Poderia dizer ao mundo que rompeu com seu sono glorioso e que iria novamente ganhar os céus em poder e trombetas interplanetárias para fazer justiça. Seu alvo seria o homem que vinha lhe dando a oportunidade de ser herói e aproveitava esta dádiva de bom grado. Para isso, insistia numa caçada quase obsessiva pelo homem. Chegou a ordenar, outrora, aos seus súditos, aspirantes a heróis futuros, que invadissem a casa do homem, rompessem com todas as leis em busca de justiça e expusessem até a marca do shampoo de sua finada esposa. Saltou de seu sono, colocou sua capa verde e amarela e partiu apressado pelos ares. No caminho passou voando pela casa do homem da fala coloquial e mandou um abraço. O moço de Minas foi cumprimentado de forma mais breve. Uma foto de outro momento levara nosso incrível herói ao breve constrangimento de perceberem que ele não era herói para salvar as pessoas daquele moço. Afinal… eram amigos, porra. Na sequência, viu o falante Juca, menino levado e criativo para encontrar resoluções, e o lembrou que não havia ouvido aquele áudio tão amplamente divulgado. Além. Disse que, mais uma vez, que não usasse o termo “sangria”. Era por demais ultrapassado, achou graça do homem da dicção pouco trabalhada. Gostava das piadas em forma de preconceito. Por fim, tomou uma água abençoada com o pastor daquela bancada. Ficaria mais na próxima vez. Amém?

Ao chegar para salvar o dia, o herói viu que havia uma ordem para que o homem fosse solto. Com assinatura de gente de terno e tudo. O herói lembrou que era herói e que todos os demais sabiam que ele era herói. Lembrar disso o fez pegar o papel, ler para poder dizer que leu e rasgá-lo em milhões de pedaços. Herói é acima da lei. Feito isso, pode enfim encontrar o homem que estava em sua cela. Aos gritos e batendo no peito a cada 5 segundos, o herói ordenou que o homem permanecesse na cela. Ordenou também que este homem fosse devidamente vigiado, observado, que os olhos permanecessem atentos aos seus passos. Esse homem era uma propriedade, um troféu do herói e dos tantos que o apoiavam. Ganhava ainda mais sorrisos e admiração por manter na prisão este homem. Esse homem preso era a concretização do poder vigente e como este atuava. O herói fingia que não era bem isso. Mas seu escudo protegia apenas a quem tinha apreço. E só! Sua máscara de ordem, em dados momentos, no descuido de um vento, revelava sua perversidade. O domínio. O cumprir de um projeto maior e restrito à determinadas regiões. Nobres regiões pelas quais voava com sua capa verde e amarela, já mencionada anteriormente. Por isso o herói lutava com suas forças e bravura contra o homem. Porque era necessário ter este homem preso numa cela para a sequência deste projeto. Vigiava o homem que fez seu. Segurava este homem que com seu poder fez seu. Que fez seu de modo que tomava toda e qualquer decisão sobre ele. Que se baseava na sua vontade/necessidade de dominar. Que o obrigava aos seus caprichos e atravessava qualquer ordem para que pudesse não se desfazer deste homem. Assim o fez.

No retorno, o herói pensava satisfeito como havia conquistado seu status e vibrava com os altos índices de popularidade. Ser um herói não era fácil, mas com tanto apoio ficava mais tranquilo. Chegou, olhou sua piscina e decidiu retornar ao seu descanso. Que não o incomodasse pelas próximas horas. Queria não fazer nada. Pegou o celular e mandou uma mensagem clara e objetiva aos seus súditos, aspirantes para seu posto no futuro:

Prezados, 

Estou em descanso e não gostaria de ser incomodado. Caso ocorram eventos que necessitem de atos heroicos, que conduzam o pedido aos heróis que ainda não gozam de tantos seguidores nas redes sociais como eu. Gostaria de ser justo e dar-lhes a oportunidade de que conheçam seu trabalho. Apareçam aqui quando tiverem um tempo. Aprendi uma receita nova deliciosa de ave com o pessoal do partido. Também tenho novos vinhos estrangeiros da última viagem, apesar de ter apreciado com intensidade um que o pessoal da igreja diz ser o legitimo sangue de Cristo. Me despeço e agradeço a compreensão. Passem bem. 

PS: Caso a pauta seja o homem, estão todos proibidos de tomar qualquer decisão. Este caso é só meu!

Guigo RibeiroGuigo Ribeiro é ator, músico e escritor.

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