O golpismo de Bolsonaro e a questão da Venezuela

Foto: Agência Brasil

Por Roberto Bitencourt da Silva.

Na presente conjuntura, marcada por relevantes fatos políticos nacionais e internacionais que se sucedem de maneira acelerada, alguns importantes pontos precisam ser ligados, para tentarmos compreender certos riscos do cenário brasileiro:

  1. As esquerdas partidárias e os movimentos populares possuem esquálida força de incidência na formatação da agenda política e econômica. Pouco ou quase nada influem no debate público.
  2. Quase toda a extensa pauta entreguista, privatizadora, antipopular, absolutamente nefasta aos interesses nacionais, populares e dos trabalhadores, foi facilmente implementada nos últimos anos.
  3. As classes dominantes associadas, gringas e domésticas, nadam de braçada e conseguem quase tudo o que querem, há muito tempo, deparando-se com frágil ou nenhuma barreira. O que ainda não foi aprovado no Legislativo, em boa medida, é porque não foi debatido ou encaminhado pelo governo federal.
  4. No projeto antinacional prevalecente, a economia brasileira é submetida a uma inserção ainda mais rebaixada na divisão internacional do trabalho. A dependência tecnológica e econômica se aprofunda. Nenhum fiapo sequer de soberania consegue ser resguardado.
  5. A maioria esmagadora do povo está desapossada de direitos trabalhistas, previdenciários e coletivos. Mesmo de modestos direitos. Definitivamente, pouco se pode falar em povo. Ao menos como categoria e agente da política. É mais acertado falar em uma massa amorfa e atomizada, submersa na superexploração crescente do trabalho, voltada exclusivamente a produzir riquezas transferidas para os países centrais do capitalismo. Um fenômeno histórico. Mas, bastante incrementado e que é um dos eixos do projeto neocolonial em curso.
  6. Note bem: ao menos metade do PIB está sob o controle estrangeiro, em termos de ativos, patrimônio empresarial, títulos da dívida pública. Então, a variável externa é muito importante ser considerada. O imperialismo molda muitas circunstâncias e características políticas e econômicas mais amplas, que afetam o nosso dia a dia.
  7. Objetivamente, as classes dominantes não precisariam, no momento, limitar mais ainda o funcionamento das instituições políticas, amesquinhar a sua já precária legitimidade e anular os seus consagrados ritos.
  8. Então, por qual razão Jair Bolsonaro, um títere do grande capital internacional e doméstico, prega e apela tanto pela ruptura definitiva das instituições e da Constituição?
  9. Duas coisas devem ser colocadas na mesa. Em primeiro lugar, o óbvio: Bolsonaro tem muito o que responder judicialmente, em virtude das suas estreitas relações com o submundo das milícias paramilitares, que exploram comunidades pobres e traficam armas, senão drogas. Buscar e fabricar inimigos, costurar conspirações, visando perpetuar-se no governo, é a resposta desesperada do serviçal de Trump em Brasília.
  10. O poder opera com a escala de tempo elástica do médio e longo prazo. Ele precisa lidar com a variável consenso e legitimidade. O curto prazo da aposta eleitoral em Bolsonaro, para garantir a continuidade da realização da agenda vende pátria, parasitária e burguesa, começa a se esgotar. O presidente é um personagem que queima demais o filme de amplas faixas das classes dominantes, setores do grande capital, da grande mídia, das oligarquias políticas, partidárias e eleitorais. Um desgaste que tem ganhos imediatos, é claro, mas também ônus no curso do tempo.
  11. Em segundo lugar, o que me parece o principal motivo da contínua pregação flagrantemente golpista de Bolsonaro. Também é o mais perigoso: a questão venezuelana.
  12. Bolsonaro foi o primeiro presidente brasileiro a se dirigir à CIA, nos Estados Unidos. Até pouco tempo atrás, algo improvável e inesperado, mesmo para qualquer outro e trivial presidente ultraliberal e entreguista. Porém, o atual presidente tem funções singulares.
  13. Ele articula-se abertamente com a Colômbia e os Estados Unidos para intervir, já militarmente, na Venezuela. O seu mandato é orientado para atender não ao povo brasileiro, mas a tarefa que assumiu junto aos Estados Unidos de auxiliá-los na rendição dos povos latino-americanos. No alinhamento incondicional e avassalado da nossa política externa ao tio Sam. No saque dos recursos naturais latino-americanos pelos ianques.
  14. Em algumas oportunidades, o desprezível presidente deu a entender que permitiria tropas estadunidenses no território brasileiro para a invasão do país vizinho. Ele adota sistemáticas e diferentes medidas diplomáticas ingerencistas que visam demonizar o governo de Nicolás Maduro, isolá-lo internacionalmente, minar as suas bases de apoio. O governo brasileiro apoia as mais absurdas e criminosas sanções estadunidenses, que têm privado o povo venezuelano de medicamentos e alimentos. Somar forças para destruir um governo legítimo e destoante dos imperativos dos EUA é a missão assumida pelo lesa pátria Bolsonaro.
  15. Movimentos somente dos últimos dias: decisão de expulsar integrantes da embaixada venezuelana do Brasil. Tentativa terrorista de invasão da Venezuela. Conforme alegou o governo do país vizinho, tratava-se de mercenários bem armados, oriundos da Colômbia. Algo parecido com o remoto caso da baía dos Porcos, em Cuba, no início dos anos 1960.
  16. A base aérea de Alcântara já foi entregue aos americanos, com o explícito propósito de não somente ferir a soberania territorial brasileira, como também de impedir o país de firmar acordos, nesse campo militar e tecnológico, com outros países, como a China. Uma sórdida tutela avassalada aos EUA.
  17. A tragédia que Bolsonaro se empenha em intensificar no Brasil, com milhares de mortos na pandemia do covid-19, deliberadamente promovendo o genocídio da nossa gente, teria em uma eventual guerra com a Venezuela uma torpe forma de criar uma cortina de fumaça para as mazelas internas. Um recurso para viabilizar a almejada concentração de poderes e cumprir com o seu mandato pró-EUA. Permitiria alguma coesão política interna, sobretudo em faixas assumidamente religiosas, contra o satanizado governo do país coirmão. Bolsonaro é um abjeto capitão do mato do “coroné” Trump.
  18. Para o Brasil e a América Latina, tudo isso seria um desastre sem tamanho. O horror.
  19. São os setores filiados a seitas evangélicas, mas especialmente segmentos militares e policiais, além de grupos privados armados e milicianos que, hoje, apoiam empolgada e explicitamente esse governo de traição nacional. Não raro, policiais escoltam e protegem as carreatas bolsonaristas da morte.
  20. Tais setores armados, oficiais ou paramilitares, correspondem, precisamente, aos mesmos tipos recentes de protagonistas da ação política em outros países da América Latina, conduzindo regimes reacionários, vende pátria, golpistas e submissos ao capital internacional e à política externa dos EUA: notadamente, Colômbia e Bolívia.
  21. O renitente uso da bandeira dos Estados Unidos nos protestos bolsonaristas é apenas a simbólica cereja de um imenso bolo podre.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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