O fotógrafo Kevin Carter e os abutres da profissão

Tradução: Elissandro dos Santos Santana, para Desacato.info.

Ao mesmo tempo em que eu nascia, do outro lado do mundo milhares de crianças morriam de fome. Kevin Carter possuía uma missão: fotografar tudo o que acontecia na África do Sul durante a crise de fome mais grave da história deste país.

Em 1993, viajou ao Sudão. Ficou um dia inteiro fotografando o povo Ayod. Quando acabou, foi até o bosque. De imediato, escutou gemidos. Um menino magricela estava estirado no chão. Porém, conforme explicou, nada podia fazer. Haviam-no advertido e proibido que não tocasse as vítimas da doença. Um abutre pousou perto dele com um olhar faminto. Carter não podia fazer nada: decidiu ficar ali até que o abutre se fosse. “Acendi um cigarro, falei com Deus e chorei”.

O New York Times publicou a foto e deu a fama a Kevin Carter, tanto que ganhou o prêmio Pulitzer. Porém, a fotografia gerou um debate que mudou a vida do fotógrafo: qual era o limite de seu trabalho?

Foi sua fotografia mais reconhecida, mas o levou a uma depressão da que nunca conseguiu sair. Um ano depois cometeu suicídio. Em uma carta, explicou o motivo: “Esta foto é a mais exitosa de minha carreira, no entanto, não consegui pendurá-la em minha parede. Detesto-a. Estou atormentado pelas memorias vividas, pelas mortes, pelos cadáveres, pelo ódio e pela dor”.

Que ocorreu com esse menino? Segundo se pode saber, sobreviveu ao abutre e à desnutrição. Não obstante, aos 14 anos morreu de febre malárica, uma doença produzida pela picada de um mosquito de terrenos pantanosos.

Por que voltamos a esta foto?

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Em abril de 2017 um fotógrafo se tornou viral ao chorar por um menino morto na Síria. Foto: Twitter/ @omarghabra

Em um mundo cada vez mais marcado por conflitos, os fotógrafos desempenham um papel fundamental.

Em abril de 2017, um fotógrafo se tornou viral ao chorar por um menino morto na Síria. Centenas de ônibus saiam de Alepo para salvar a vida de milhares de cidadãos. Porém, um carro-bomba explodiu perto deles e fez com que 126 pessoas morressem. Entre os mortos estavam 80 crianças. Abd Alkader Habak foi enviado para cobrir a saída de todos os cidadãos, porém se deparou com outra realidade: uma imagem repleta de morte, de fogo e de crianças. Decidiu esquecer seu papel como fotógrafo e ajudar as crianças. Mas, uma dessas crianças não sobreviveu, morrendo em seus braços e Habak se abaixou e chorou; todas as suas tentativas foram em vão.

Este foi um caso de uma pessoa que decidiu fazer à parte seu trabalho. Mas, qual seria o limite? No caso de Carter, se ele ajudasse ao menino de outra forma, podia morrer. No caso de Habak, o incêndio e os escombros também podiam afetá-lo.

Para citar outro exemplo: o caso de Omran Daqneesh, o menino sírio que foi fotografado coberto de pó e sangue, uma bomba destruiu seu bairro, sua residência e foi resgatado. Enquanto esperava para ser atendido, um fotógrafo capturou a imagem que se transformou no símbolo do terror da guerra Síria.

Os fotógrafos não devem esquecer seus papéis como cidadãos, nem tampouco a ética que carrega a profissão. Não obstante, às vezes, é impossível agir. Nesses casos, a fotografia, talvez, não permita salvar uma vida, mas, sim, outras vidas. Com uma imagem, milhões de pessoas podem compreender o que ocorre em outra parte do mundo e agir para mudar a situação.

Fonte: Cubadebate

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