O fim da Fundação Cultural Palmares

Sergio Camargo, presidente da Fundação Palmares. Foto: Reprodução

Por Marivaldo Pereira.

“[…] Atenção, secretárias do lar
Vamos parar
Tô gargalhando aqui
O Brasil vai se enrolar
Não saí da senzala
Apenas para limpar sua sala

Papo reto
O meu cabelo toca o teto
O poder
É preto
[…].”
(Cristiane Sobral e Ataque Beliz, Todo Poder ao Povo)

A nomeação do novo presidente da Fundação Palmares é mais um atentado à Constituição e ao povo negro praticado pelo atual Governo em sua cruzada anticivilizatória.

Bolsonaro jamais escondeu sua postura assumidamente racista. Ainda durante a campanha, chegou a equiparar quilombolas a animais, ao afirmar que seu peso deveria ser medido em arrobas, e prometeu que não demarcaria nem um centímetro de terra para suas comunidades. Questionado sobre sua postura racista, rechaçou a afirmação dizendo que “até tem um amigo negro”.

Guiado por seu sentimento escravocrata, o Presidente segue firme destruindo as entidades responsáveis pela promoção de políticas de enfrentamento ao racismo e de promoção da igualdade racial.

Está em curso o mais agressivo ataque a instituições e políticas públicas conquistadas pela luta histórica do Movimento Negro em todo o país — e o desmonte da Fundação Palmares, infelizmente, é apenas mais um triste capítulo de uma história cujo enredo é marcado pelo ódio e pela destruição.

A Fundação, criada em 1988, tem como finalidade promover e preservar a cultura afro-brasileira, formulando e implementando políticas públicas que potencializam a participação da população negra brasileira em nossa sociedade, sempre preocupada com a igualdade racial e com a valorização das manifestações de matriz africana.

O combate ao racismo; a promoção da igualdade; a valorização, difusão e preservação da cultura negra; a promoção da cidadania no exercício dos direitos e garantias individuais e coletivos da população negra em suas manifestações culturais; e a promoção da diversidade no reconhecimento e respeito às identidades culturais do povo brasileiro são alguns dos valores que norteiam a atuação da instituição.

Trata-se do primeiro órgão criado em âmbito federal para promover a preservação, a proteção e a disseminação da cultura negra. Sua trajetória a tornou referência nacional e internacional na formulação e execução de políticas públicas voltadas à cultura negra e à inclusão social da população afro-brasileira.

É exatamente por sua importância que a Fundação virou alvo do bolsonarismo. Desde o início do governo, a instituição vem sofrendo duros ataques que vão desde os cortes em seu orçamento à paralisação de suas ações, como a certificação de terras quilombolas. Em 2020, a Fundação terá o menor orçamento dos últimos dez anos.

A nomeação de Sérgio Camargo para sua Presidência era o golpe que faltava para paralisar de vez a instituição.

Com trajetória assumidamente contrária aos valores e às finalidades da Fundação, o novo Presidente assume o cargo para assegurar que ela não cumpra as finalidades para as quais foi criada, contrariando determinação expressa de lei.

Crítico contumaz da necessidade de políticas de promoção da igualdade racial, o novo Presidente não reconhece as consequências nefastas da escravidão para a população negra. Chegou a defender que a escravidão teria beneficiado os descendentes de escravos. Avesso ao diálogo, Sérgio Camargo manifestou em suas redes sociais sua ojeriza ao Movimento Negro, suas bandeiras e lideranças.

Diante dessa trajetória, é indiscutível que sua nomeação tem como único objetivo sabotar e inviabilizar os trabalhos da Fundação Palmares, tendo em vista a mais absoluta incompatibilidade entre os valores, a finalidade e a história da instituição e a pessoa escolhida para presidi-la. Isso explica não apenas a revolta do Movimento Negro com a nomeação, mas justifica a revolta de toda a sociedade.

O reconhecimento do racismo entre nós e o dever do Estado de promover seu enfrentamento através da implementação de políticas de promoção da igualdade racial são decorrências diretas da Constituição Federal, reconhecidas pelo STF em diversas oportunidades.

Trata-se de obrigação a ser observada por qualquer governante, devendo eventual omissão ser severamente responsabilizada, tendo em vista a importância do tema para a reparação das consequências daquele que foi um dos maiores crimes da história da humanidade. Mais do que uma simples omissão, a nomeação de Sérgio Camargo constitui verdadeiro ato de sabotagem e exige imediata intervenção judicial.

As políticas de promoção da igualdade racial são resultado de décadas de luta do Movimento Negro. Com a mesma energia que lutamos para conquistá-las, lutaremos para evitar sua destruição no contexto de avanço dessa onda anticivilizatória.

 

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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