O escândalo Volkswagen visto de perto

Linha montagem
Linha de montagem da Volkswagen em Dresden. Foto de Dave Pinter.

Por Flávio Aguiar.*

Tudo começou com a melhor das intenções. Em meados de 2014, Peter Mock, militante do International Council of Clean Transportation, na Europa, decidiu fazer alguns testes para provar que os carros movidos a diesel poluíam menos do que os outros. Pôs-se na estrada com um deles, e ficou surpreso com o resultado: havia uma discrepância grande entre os índices de poluentes na estrada (o que compreende também ruas urbanas) e aqueles obtidos nos laboratórios de fiscalização. Por “laboratório” entenda-se uma situação que envolve circulação, mas em condições artificiais. Outra coisa é o carro nas mãos do cidadão comum, com dívidas a pagar (inclusive a do próprio carro), premido pelo tempo, espremido no trânsito (imagine em S. Paulo ou outra metrópole brasileira), reduzindo revisões e ajustes do motor, etc.

Peter comunicou o facto ao seu colega norte-americano John German. Este, por sua vez, resolveu fazer testes nos Estados Unidos, a partir da Universidade de West Virginia, uma das melhores no ramo tecnológico, nos Estados Unidos. Um dos carros escolhidos foi da Volkswagen. E a discrepância constatada era enorme, muito maior do que a europeia.

O caso foi parar na Agência de Proteção ao Meio-Ambiente do governo federal, e daí seguiu para o Ministério da Justiça. No começo, a Volks norte-americana tergiversou. Apontou problemas técnicos, itinerários, etc. Mas muitos etc. depois, com o avanço das investigações, a poeira dissipou-se e o problema veio à luz.

A empresa instalara um software malicioso nos carros, que detectava quando o carro seria submetido a um teste (já que os modelos eram escolhidos ao acaso). Neste momento, o software malandro mudava o sistema de leitura, apresentando índices mais baixos de poluentes.

Agora a Volks norte-americana vai ser processada, com uma indemnização à vista que pode chegar a 18 mil milhões de dólares. Além disto, teve de ordenar o recolhimento de 482 mil unidades de carros produzidos nestas condições. O CEO da empresa deu uma declaração que foi traduzida de diferentes maneiras, indo desde “nós fizemos um disparate” até “nós lixámos tudo”, embora eu imagine que, pelo menos em particular, ele tenha dito “we fucked it all over”.

Mas o problema não parou aí. Diante das notícias, a Coreia do Sul, o Japão, a Alemanha, a França e a Itália começaram também a investigar. Um detalhe: os carros a diesel, nos Estados Unidos, representam 3% da frota. Na Europa, são 50%.

De imediato, as ações da Volkswagen caíram 20% nas bolsas, num único dia, bolsas que, “nervosamente” como sempre, já estão pressionadas pela crise dos refugiados, da Grécia, etc. Outras empresas do setor também tiveram desvalorizações: a GM, a Ford, a Fiat Chrysler, a BMW, a Daimler-Benz, a Renault.

O diretor-presidente da VW alemã, a matriz, Martin Winterhorn, está sob pressão para renunciar1, acusado de saber de tudo e não ter feito nada para parar o esquema.

Graças à fraude, estima-se que esta frota de carros possa ter lançado um excedente de 1 milhão de toneladas de poluentes na atmosfera – por ano. Que poluentes? Sobretudo dois: o óxido de nitrogénio (NO) e o dióxido de nitrogénio (NO2). O primeiro causa danos ambientais, mas o segundo, além disto, causa danos às vias respiratórias dos seres humanos e outros bichos.

Outro problema correlato (colateral, como os mercados gostam de dizer). A Volkswagen está para a identidade coletiva alemã assim como a Petrobrás está para a brasileira e o cheseburguer para a norte-americana, ou a baguete para a francesa. A pátria interior dos cidadãos da terra de Goethe está mortalmente ferida e mortificada. Já não bastava o caso interminável do aeroporto de Berlim, cuja construção não termina nem vai terminar em breve, tendo sido postergado sine die e sine preço, uma vez que parece haver partes que terão de ser demolidas e reconstruídas. Agora tingiram mortalmente a Alemanha sobre rodas, a empresa que, fundada no período nazi, em 1937, sobreviveu a ele, à Segunda Guerra, e tornou-se um símbolo do chamado “milagre alemão” do pós-guerra.

Um fiasco de grandes proporções.

Um detalhe

O motor diesel foi inventado por um engenheiro alemão, embora nascido em Paris, em 1858, Rudolf Diesel. O seu pai era de Augsburg, na Baviera, para onde ele foi enviado, ficando na casa de um tio que era professor na Escola de Engenharia. Rudolf tornou-se engenheiro, e em 1890 mudou-se para Berlim, onde desenvolveu o motor que acabou por levar o seu nome. Em 1913 Diesel desapareceu, depois de embarcar no navio “Dresden”, na cidade de Antuérpia, na Bélgica, que seguia para Londres. Na noite em seguida ao embarque, em 29 de setembro, Diesel recolheu-se ao seu camarote, e nunca mais foi visto. Dez dias depois, um cadáver em adiantada decomposição foi recolhido por um navio holandês perto da Noruega. O cadáver foi devolvido ao mar, mas alguns objetos foram recolhidos (caixa de óculos, um canivete, uma carteira de identidade, pílulas, uma carteira) e foram identificados por Eugene Diesel como pertencentes ao seu pai. A estranha morte deu lugar a várias teorias conspiratórias sobre uma possível eliminação de Diesel por razões militares ou concorrência, mas a hipótese hoje aceita como mais provável é a de suicídio.

Reproduzido da Carta Maior

1 Winterhorn demitiu-se nesta quarta-feira, afirmando estar “chocado com os acontecimentos dos últimos dias”, e acrescentando que, “acima de tudo”, está “chocado que a má conduta em tal escala foi possível no grupo Volkswagen”. E acrescentou: “Como presidente executivo, aceito a responsabilidade pelas irregularidades que foram encontradas nos motores a gasóleo e, portanto, solicitei ao Conselho de Supervisão a minha renúncia como CEO do grupo Volkswagen”. Mas disse que se demitia “no interesse da empresa” e que não houve da sua parte “nenhuma atitude errada”.

Fonte: Esquerda.net

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