O doutorado que o novo ministro da Saúde precisa explicar, por Lauro Mattei

Nelson Teich e Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR

Por Lauro Mattei.

No dia 16.04.20, o ignóbil Presidente da República demitiu Luiz Henrique Mandetta do cargo de Ministro da Saúde, anunciando na sequência o nome do senhor Nelson Teich como seu sucessor. Tal ato foi justificado porque, segundo o presidente, nas últimas semanas tinha ocorrido um distanciamento dele com o agora ex-ministro devido ao fato que suas ações de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus não trataram de forma adequada a questão econômica, particularmente do emprego[1].

No dia 17.04.20, em uma cerimônia pomposa no Palácio do Planalto, ocorreu a posse do novo ministro. Imediatamente grande parte dos meios de comunicação – servil como sempre – passou a divulgar o perfil e as virtudes do senhor Nelson Teich. Depois de expor sua formação profissional (médico formado pela UERJ e especialista em oncologia pelo Instituto Nacional do Câncer – INCA), revelou-se a trajetória de um empresário da área de saúde e, mais recentemente, de um consultor de serviços médicos que na campanha eleitoral de 2018 atuou como assessor da equipe de saúde do então candidato Jair Bolsonaro, chegando a ser cotado para o cargo de ministro no período de montagem do governo que iniciou em janeiro de 2019[2].

Além disso, foram enaltecidas outras características da trajetória profissional do novo ministro, com destaque para: presidente do grupo privado Clínicas Oncológicas Integradas (COI) até 2018; sócio do MDI Instituto de Educação e Pesquisa, empresa privada que foi fechada em fevereiro de 2019 segundo a Receita Federal; fundador e presidente do Medinsight – Decisões em Saúde, empresa privada de consultoria em economia da saúde; consultor em economia da saúde no Hospital Israelita Albert Einstein de São Paulo, etc. Por tudo isso, anunciou-se que o novo ministro é um grande consultor, um ótimo empreendedor e um excelente gestor de saúde, mas que no momento “está se dedicando a causas públicas”[3].

Por fim, destacou-se que o senhor Nelson Teich é doutor em Ciência da Saúde, na área de Economia da Saúde, pela Universidade de York, Reino Unido, criada em 1963[4].

Desconhecendo essa trajetória de formação do novo ministro, dei-me ao trabalho de verificar seu Curriculum Vitae, que está disponível na plataforma Lattes-CNPq (ttp://lattes.cnpq.br/6028548417253582)[5]. A partir daí algumas evidências começaram a aparecer, as quais ajudam a compreender melhor quem é esse sujeito e quais são seus conhecimentos e compromissos em relação à temática da saúde pública do país.

No texto informado pelo próprio autor, nota-se sua formação básica em Medicina (1975-1980); Residência Médica no Hospital do Câncer (1987-1990); e especialização em Health Economics for Health Care Professionals (Curso de 800 horas na Universidade de York entre 2007-2008). Posteriormente informa-se praticamente toda sua trajetória como empreendedor e como consultor na área médica privada. Registra-se que, ao longo de sua carreira, são citadas apenas a publicação de um artigo científico na Revista Sociedade Brasileira Câncer (RSBC) e de um texto online na mesma RSBC.

Como formação complementar são citados diversos itens. Todavia a grade maioria sequer menciona o número de horas, exceto os que registramos na sequência: MBA em administração de saúde, curso de 300 horas realizado na UFRJ; MBA em gestão de negócios, curso de 300 horas realizado no IBMEC; extensão universitária em Owner Presidente Management Executive Programa, carga de 180 horas na Harvard Business School.

Diante do anunciado doutorado e de não haver registro do mesmo em seu CV Lattes, me dirigi aos orientadores de tal titulação citados em todas as matérias jornalísticas do dia da posse. Para tanto, fiz contatos por email com os professores Michael Drummond ([email protected]), Laura Bojke ([email protected]) e com a diretora do programa de pós-graduação Kerry Atkinson ([email protected]). A todos eles fiz as mesmas perguntas que agora estou indicando ao senhor Nelson Teich, uma vez que a resposta dos membros da Universidade de York foi extremamente evasiva: “Thank you for your email to professor Mike Drummond and Kerry Atkinson, which has been forwarded to me to reply. Unfortunately we do not have anybody available to comment on your request and would ask you to please direct any future enquiries to the University of York Press Office at: [email protected]”. Essa mensagem foi enviada por Vanessa King, assistente de direção do Centre for Health Economics da Universidade de York. Ou seja, minha mensagem foi recebida pelos professores mencionados que preferiram não se manifestar e solicitaram que a assistente da direção do programa informasse que estão sem condições de responder aos meus questionamentos e que quaisquer novas questões deveriam ser enviadas ao escritório de assessoria da universidade. Foi o que fiz exatamente há 4 dias, porém ainda sem qualquer resposta até o momento.

Diante desse fato, resolvi tornar público os questionamentos feitos em privado aos membros da Universidade de York. Portanto, é de se esperar que uma pessoa que informa ter um determinado título em sua formação profissional, também tenha condições de responder tais questionamentos relativos ao título que foi informado. Portanto, espera-se que o senhor Nelson Teich responda publicamente as seguintes questões:

  1. Qual o ano de seu ingresso no programa de doutoramento na Universidade de York?

2) Quantos cursos foram realizados neste programa e em quanto tempo (terms) os mesmos foram realizados?

3) Qual o tema de sua tese de doutorado?

4) Qual a data exata da defesa de sua tese de doutorado?

5) Qual o ano de conclusão do referido doutorado?

6) A referida tese, após defendida, tornou-se de domínio público?

7) O senhor poderia disponibilizá-la à academia brasileira?

Essa situação me fez lembrar um fato que ocorreu em 1996-97. Naquela ocasião, estava fazendo meu doutoramento em Economia no Programa de Pós-Graduação em Economia do IE-UNICAMP, momento em que tivemos a presença de uma senhora que fez algumas disciplinas como aluna especial. Anos mais tarde, tal senhora virou Presidente da República e publicou na sua página pessoal que tinha doutorado em Economia pela UNICAMP, o que foi imediatamente desmentido pela referida instituição.

Como estamos convivendo com um governo que cotidianamente se retroalimenta de fake news, espero que o senhor Nelson Teich tenha a grandeza de explicar adequadamente à sociedade as questões anteriormente suscitadas sobre sua formação profissional informada no dia de sua posse como Ministro de Estado da Saúde.

[1] Nunca é tarde para relembrar que ao longo de 14 meses de Governo Bolsonaro (janeiro de 2019 a fevereiro de 2020) a taxa de desemprego sempre ficou ao redor de 12%, o que correspondia a mais de 12 milhões de pessoas desempregadas, sem contar os mais de 28 milhões de subcontratados e os quase 40 milhões de trabalhadores informais. Em momento algum se viu o presidente preocupado com esses trabalhadores, tanto que as políticas econômicas desse período geraram ainda mais desemprego e as políticas sociais mais exclusão de segmentos sociais vulneráveis. Vide percentuais expressivos de cortes de beneficiários do Bolsa Família em nome do “combate à corrupção”. Lamentamos que somente agora o presidente do país descobriu que existe desempregados.

[2] Mesmo não tendo sido nomeado ministro da saúde, atuou no referido ministério até janeiro de 2020 na qualidade de assessor de Denizar Viana, secretário de ciência, tecnologia e insumos estratégicos do ministério da saúde.

[3] Chama atenção que a palavra SUS praticamente não faz parte de seu vocabulário e, menos ainda, de sua trajetória profissional.

[4] Como também tive oportunidade de fazer parte de minha formação profissional no Reino Unido, conheci grandes universidades inglesas, especialmente Oxford, Cambrigde, Bristol, Sussex, Leeds, London, etc., todas elas com centenas de anos de experiência. Fiquei intrigado quando, na mesma sessão de posse, divulgou-se que o novo ministrou se doutorou em uma das melhores universidades do Reino Unido. Com todo respeito a bela cidade de York e sua universidade, mas vejo um certo exagero em tais enaltecimentos.

[5] Cabe registrar que a última atualização do CV Lattes realizada pelo autor ocorreu em 28.08.2014

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