O dever primordial de todo brasileiro é lutar contra o golpe

golpePor José Álvaro de Lima Cardoso.*

Noticia-se que membros dos serviços secretos norte-americanos estão “preocupados” com a interferência russa nos resultados das eleições norte-americanas. Tal interferência, através do hackeamento de informações e da disseminação de informações falsas sobre a candidata Hilary Clinton, via redes sociais, teria beneficiado Trump no resultado. Essas declarações do governo estadunidense têm levado a uma cruzada histérica de boa parte da mídia ocidental, incitando o governo dos EUA a um enfrentamento militar com a Rússia. Certamente uma estratégia de alto risco já que uma guerra entre as duas superpotências envolveria o mundo todo e talvez não sobrasse ninguém para contar a história.

Em geopolítica, a hipocrisia e a dissimulação desconhecem limites. Ainda mais em se tratando dos EUA, país que tem larga tradição de intervenção, e organização de golpes e quarteladas em todos os cantos do mundo em defesa de seus interesses econômicos. País que provocou guerras civis, caos e desestabilização em inúmeros países, como Afeganistão, Iraque, Tunísia, Egito e Síria, só para citar casos mais recentes. Um governo que, somente em 2016, lançou 26.171 bombas em sete países, sendo que, deste número, 12.191 foram lançadas na Síria, 12.095 no Iraque, 1.337 no Afeganistão, 496 na Líbia, 34 no Iêmen, 12 na Somália e três no Paquistão (dados do Conselho de Relações Exteriores dos EUA, que podem estar subestimados). Em 2016 os EUA lançaram 3.027 bombas a mais do que no ano anterior.

O pretexto utilizado pelos EUA para bombardear e desestabilizar países é extremamente nobre: o da restauração da democracia. Só tem um problema: nenhum país que sofreu a intervenção dos EUA tornou-se democrático. Pelo contrário, as intervenções norte-americanas invariavelmente deixam um rastro de violência, desorganização da economia, mortes e crescimento da pobreza. Observe-se, por exemplo, o que fizeram na Síria, país no qual incentivaram protestos contra o governo, utilizando grande número de mercenários, bandidos e neonazistas, e cuja guerra civil produziu, até o início de 2016, quase 300 mil mortos e mais de 4,5 milhões de refugiados.

O Brasil se encontra neste momento no epicentro geopolítico dos interesses dos EUA, neste lado do mundo. O golpe de Estado que assalta o Brasil está inserido no contexto da chamada Guerra Híbrida. Tipo de guerra Não Convencional, que usa instrumentos linguísticos e simbólicos, e que tem como objetivo central garantir os interesses dos EUA e destruir projetos que, de uma forma ou outra, não se coadunem com os interesses do Império. Segundo o estudioso do assunto, Pepe Escobar, os países que compõem o BRICS (Brasil Rússia, Índia, China e África do Sul) são os primeiros alvos da Guerra Híbrida, por uma série de razões. Dentre elas a intenção de realizar transações financeiras e comerciais com uma moeda própria e criar um banco de desenvolvimento, que possibilitasse a autonomia financeira em relação ao FMI. A Guerra Híbrida é utilizada pelos Estados Unidos, visando assegurar a perpetuação de sua hegemonia econômica, política e bélica.

Segundo Escobar o conceito de Guerra Não-Convencional surgiu em 2010, a partir do Manual para Guerras Não-Convencionais das Forças Especiais do Exército dos EUA. Diz o Manual: “O objetivo dos esforços dos EUA nesse tipo de guerra é explorar as vulnerabilidades políticas, militares, econômicas e psicológicas de potências hostis, desenvolvendo e apoiando forças de resistência para atingir os objetivos estratégicos dos Estados Unidos. […] Num futuro previsível, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerras irregulares (IW, na sigla em inglês)”.[1]

Os EUA sabem da importância estratégica do Brasil para a geopolítica na América do Sul, algo quase natural em função das magnitudes de sua economia, população e território. Ocorre que aquele país imperialista não admite divergências com sua política internacional, principalmente nessa região. Os governos brasileiros, a partir de 2003, ousaram praticar políticas minimamente soberanas, como a rejeição da Alca, e a organização do BRICS, que ameaça, inclusive a hegemonia do dólar. O Brasil, ademais, comprou aviões da Suécia, ao invés de adquiri-los nas empresas norte-americanas. Comprou helicópteros da Rússia e montou o projeto de submarino nuclear em parceria com a França. Votou em 2010, a Lei de Partilha, contra o desejo das multinacionais do Petróleo, que estavam de olho na riqueza do pré-sal, maior descoberta de petróleo no milênio. Além disso, o Brasil estreitou laços com os parceiros sul-americanos, fortaleceu o Mercosul e continuou o projeto de produção de enriquecimento de urânio, estratégico para o Brasil, e sobre o qual os estadunidenses vinham tentando obter detalhes.

A aproximação do Brasil com a Rússia e a China, através do BRICS, talvez tenha sido a ação mais crítica, do ponto de vista dos interesses do Império. A agressividade dos EUA tem sido especialmente dura contra a Rússia. Contra este país tem sido utilizadas sanções econômicas, apoio a oposições neonazistas (como na Ucrânia), guerra com o preço do petróleo, e muita manipulação da informação, especialidade das estruturas de informação e espionagem norte-americanas. É que este país não baixa a cabeça e joga o xadrez geopolítico com competência e soberania. No caso do golpe no Brasil a estratégia foi um pouco diferente da utilizada contra outros países do BRICS. Com a ajuda dos meios de comunicação de massa, de um parlamento conservador, do dinheiro grosso, e da fragilidade de um governo absolutamente despreparado para enfrentar qualquer tipo de golpe mais sofisticado, incendiou-se a classe média, utilizando a bandeira da luta contra a corrupção. O golpe mais sórdido que o Brasil já sofreu foi consumado.

Pelo Manual da Guerra Híbrida, segundo Pepe Escobar, é estratégico a incitação da classe contra as denúncias de corrupção, e a adesão dos grandes meios de comunicação. Difundiram a ideia de que o Brasil é o país mais corrupto do mundo e que a corrupção é fenômeno surgido a partir de 2003. É amplamente vitoriosa também a narrativa golpista, de que o país está quebrado em função dos gastos com a políticas sociais, especialmente com os mais pobres. Neste momento o dever de todo brasileiro que ama o seu país é denunciar o golpe de Estado em andamento e todos os seus dramáticos malefícios, que se não forem interrompidas, irão comprometer as próximas décadas.

[1] Do artigo de Pepe Escobar, “O Brasil no Epicentro da guerra Híbrida”.

* Economista.

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