“O coronavírus está diretamente vinculado à saúde do planeta”

Entrevista com Juan Carlos del Olmo

Imagem: Pixabay

Durante 10 anos, Juan Carlos del Olmo realizou documentários sobre a natureza para a televisão, e desde muito jovem participou de organizações de meio ambiente. Hoje, como secretário geral da organização WWF Espanha, adverte-nos: “Temos que assumir de uma vez por todas que a saúde da humanidade depende diretamente da saúde do planeta”.

WWF apresentou um relatório sobre a relação direta entre a destruição da natureza, a mudança climática e o aumento do risco de pandemias como a atual Covid-19. Após a crise de saúde, aguarda-nos a econômica, mas também a oportunidade de agir melhor. “Se permitirmos que a mudança climática continue avançando, perderemos muito mais que empregos, o risco brutal está em não agir, em deixar que as coisas sigam da mesma forma”.

A entrevista é de Ima Sanchís, publicada por La Vanguardia, 07-04-2020. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Esta pandemia está relacionada com a saúde do planeta?

Sim. Mais de 70% das doenças humanas, nos últimos 40 anos, foram transmitidas por animais silvestres. Há casos muito conhecidos como a gripe aviária, o ebola, o HIV e a Covid-19.

Os vírus não respeitam fronteiras.

Em habitats bem conservados e com variedade de espécies, os vírus se distribuem, há espécies que bloqueiam sua dispersão e predadores que eliminam os doentes. A destruição dos ecossistemas, e sobretudo das matas tropicais, facilita a propagação de patógenos.

Como a destruição da biodiversidade influencia nas epidemias?

Quanto maior é a destruição de biodiversidade, mais risco de epidemias, porque altera as cadeias ecológicas e tróficas e reduz o controle natural estabelecido pela própria natureza.

Compreendo.

O coronavírus também está relacionado ao tráfico de espécies, um dos negócios mais lucrativos depois do tráfico de armas, de drogas e o tráfico de seres humanos. Estamos destruindo a natureza a um ritmo sem precedentes e com isso a biosfera, que é a rede essencial e interconectada criada pelos seres vivos.

A mudança climática tem alguma incidência nas pandemias?

Amplia as principais ameaças que afetam a biodiversidade e favorece a expansão de vírus e bactérias. Os insetos, por exemplo, chegam agora a lugares que antes não chegavam. É o caso na Espanha do mosquito tigre que transmite a dengue, uma doença tropical.

É verdade que as geleiras contêm vírus que a mudança climática pode liberar?

Sim, vírus de diferentes tipos que permanecem há séculos retidos. O derretimento de uma geleira na China poderia liberar 33 espécies de vírus, 28 deles desconhecidos para a ciência e com potencial de infecção em humanos. O solo do ártico está se descongelando, muitos vírus e bactérias que estavam presos ali começam a se mover, e ninguém sabe o que irá acontecer.

Como nos alimentamos também é importante?

Há dois motores que estão provocando a destruição do meio ambiente em nível planetário, o modelo energético e o modelo alimentar que precisa de muitíssimos recursos naturais. Dos recursos de água doce, 75% são dedicados à produção agrícola ou pecuária.

O consumo de carne continua crescendo.

Sim, de maneira exponencial, o que provoca entre outras coisas a destruição das matas tropicais para plantar soja para alimentar o gado e produzir carne rápida. A pecuária intensiva é um modelo suicida.

E como fazemos, se temos um mundo organizado em sentido contrário?

A maior parte do orçamento europeu é destinado à política agrária comunitária, mas a um modelo superintensivo. Certamente, caminhamos na direção contrária. Devemos entender de verdade que dependemos da natureza.

Agora ou nunca?

Há consenso entre todos os cientistas da ONU de que temos uma pequena janela de oportunidade de uma década para reverter a mudança climática, a perda de biodiversidade e evitar entrarmos na catástrofe, cheia de futuras pandemias.

Somos a primeira geração consciente de que estamos nesse limite, e se não o revertermos, nossos filhos não poderão. Há uma grande oportunidade, é preciso dar uma guinada nesse modelo de desenvolvimento em que vivemos, baseado em uma relação muito depredadora da natureza.

Por um lado, dizem-nos fora os carros e, por outro, “socorro, a indústria está afundando!”

Vivemos em plena contradição, mas a indústria do automóvel, como toda a indústria, precisa se reconverter, não resta outra coisa, necessitamos de energias limpas.

E a perda de emprego?

A indústria inteligente se transformará com rapidez e será ponta de lança. As que não fizerem isso, desaparecerão. A luta para reconciliar o homem com a natureza oferece grandes oportunidades.

A crise sanitária paralisou a da mudança climática.

Graças à Covid-19, percebemos que não temos capacidade para abordar uma crise global, precisamos de organizações internacionais fortes e com políticas claras, e não governos de curto prazo, que não estão dispostos a tomar as medidas necessárias. Para sair do buraco, primeiro é preciso parar de cavar.

Devemos colocar o sistema de pernas para cima?

O novo Plano Marshall deve apoiar as indústrias que estão nesse rumo. O grande negócio do futuro da humanidade é proteger a natureza. O grande desafio da sociedade mundial é dar uma guinada nesse sistema econômico, e cabe a nossa geração.

Somos o problema e a solução.

A grande esperança é que cada vez há mais pessoas conectadas, trabalhando para proteger o meio ambiente, desde associações de moradores a agricultores, cientistas, empreendedores… E esse é o sistema imunitário que estamos criando entre todos, os anticorpos que a própria natureza está criando.

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