O coronavírus e a quarentena que não chega na periferia: O que fazer?

Foto: Gonzagas/Pixabay

Por Deivison Nkosi.

Salve família,

tenho lido muitos relatos coerentes lembrando que em uma sociedade desigual como a nossa a quarentena é privilégio para poucos e que nas quebradas (das periferias ou dos centros) ou mesmo para o povo que vive nas ruas o bagulho é diferente. Nestes lugares os trabalhadores (a maioria preto/as) são jogados à situações degradantes de moradia, saneamento, trabalho e transporte precários e, por isso, não podem se dar ao luxo de seguir as recomendações da Organização Mundial de Saúde.
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Escrevo este post para concordar com essa preocupação, mas também para fazer algumas considerações que podem ser importantes daqui para frente:
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1. É fundamental denunciar essa Necropolítica de classe e raça que impede que tenhamos acesso à iguais condições de cuidado contra esta e outras epidemias (as outras mortes de sempre não tiraram férias enquanto o Novo Corona entra em cena). NO ENTANTO, seguir apenas repetindo que “para a Perifa a quarentena é um luxo inalcançável” é contraproducente e não resolverá o problema que está por vir, aliás, acaba revelando um tipo de negacionismo irracional. Este é o momento de pensar, partindo dessa correta constatação, O QUE FAZER..

Taxa de mortalidade COVID-19 por idade

2. Um grande desafio, neste momento, é convencer o nosso povo (especialmente os/as nossos/as mais velhos/as) de que a situação é séria e requer cuidados difíceis, mas necessários: cancelar aquele bom papo no bar, aquele churrasco, o beijo no rosto ou na boca, e, por que não adotar a saudação wakandiana, rsrs. Isso não significa ignorar que o nosso povo vai ter que continuar pegando o trem e busão lotados, vai seguir se expondo enquanto trabalha de forma precária (pq a maioria é “autônomo” ou operário mal pago). A questão que precisaremos pensar, a partir de agora é: CASO NÃO SEJA POSSÍVEL SE ISOLAR, que redução de danos podemos inventar e utilizar? Quais meios e estratégias devemos desenvolver para nós defender o máximo possível?
– se não posso me isolar em casa, posso, pelo menos, evitar cumprimentar dando as mãos ou beijo no rosto nos locais públicos?
– se tenho que pegar o busão ou o trem, posso usar máscara? Se não tenho máscaras, há outros recursos como lenço (gangsta ou trap stile), máscara k-pop ou qualquer, bandana ou coisa parecida que posso usar ou improvisar?
– se precisei usar transporte público ou pegar em dinheiro ou mercadoria de outra pessoa: da para usar álcool em gel após cada contato com o corrimão do busão ou as mãos das pessoas? se não tiver álcool em gel, da para improvisar lenço umedecido ou mesmo uma garrafinha de água com detergente?
Talvez um dia se discuta o grau de eficiência destas medidas que estou indicando ou os epidemiologistas indiquem outras formais mais efetivas, mas por hora, a pergunta mais sensata deve ser: “quais os meios disponíveis em cada realidade que podemos lançar mão para diminuir o máximo possível a vulnerabilidade ao contágio?”. Esse debate é tão importante quanto a constatação de que a quarentena não chega na favela.
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3. Agora, se o bagulho virar The Walking Dead, (com comércios totalmente fechados, crise de abastecimento, caos social e saques em desespero), talvez, teremos que nos antecipar e ir organizando grupos comunitários (os coletivos de quebrada, partidos, organizações comunitárias serão fundamentais) e redes/comitês/articulações amplas de defesa da saúde para suprir as ausências do Estado nas quebradas: fazendo compras para os mais velhos ou com dificuldade de locomoção; arregimentando doações de itens de higiene para moradores de rua e os mais necessitados; e eventualmente, pensando estratégias de socorro (locomoção para hospitais, e até velórios, se for o caso) e até de segurança das quebradas, pq o medo e a necessidade extrema podem libertar monstros horríveis no que há de melhor em nós… tudo sem esquecer a própria segurança!
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4. Para além de tudo isso, os momentos de crise oferecem ótimas oportunidades para colocar em reflexão, ao mesmo tempo que agimos, que sociedade é essa que nos coloca nessa situação de vulnerabilidade e, sobretudo, que sociedade queremos daqui pra frente e qual é o papel dos bens públicos como o SUS, diante do interesse comum. O capitalismo está entrando em uma das maiores crises já vistas nos últimos anos e A SOLUÇÃO DELES é aumentar a precarização da NOSSA vida através de reformas (na verdade, deformas) que destroem a educação, renda, moradia e, sobretudo, de saúde dos NOSSOS. Como um urubu que sobrevoa a carniça que ainda nem veio à óbito, Paulo Guedes já está propondo aproveitar o momento pra “acelerar as reformas”. “É a nossa destruição que eles querem, física e mentalmente o mais que puderem” (Racionais, Mcs). Por outro lado, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, ao constatar que o capitalismo está cagando para a nossa segurança, aponta o caminho: ameaça fazer greve, reivindicando uma licença remunerada para os trabalhadores. Na França e Itália explodem uma série de greves espontâneas – mesmo sem a participação das burocracias sindicais – reivindicando licenças remuneradas (o grande Capital tem gordura de sobra para isso, mas só o fará se estiver pressionado pelos trabalhadores). O momento exige que transformemos o medo em auto-organização e que utilizemos os meios tradicionais de afastar ou confundir as pessoas (Zap-zap, insta, face, telegran) e mesmo aquela JBL possante a serviço do Pancadão para dar a letra certa e organizar redes de ajuda mútua e partilha de informações.
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Por fim, é mais que o momento de politizar a distribuição desigual de recursos de saúde e saneamento e nos apropriarmos desta luta (independente de qual igreja teórica a nossa militância se baseie). O Sistema Único de Saúde (e também as pesquisas de saúde que podem nos salvar neste momento) vem sendo atacados por este governo messiânico e fundamentalista, mas mesmo antes destes ataques, o SUS já chegava com mais precariedade aos territórios negros, rurais, quilombolas, ribeirinhos e, à população de rua ou dos cortiços dos grandes centros urbanos (o Racismo institucional). Há o risco deste Racismo Institucional se repetir agora, no momento de crise… Ao acompanhar um parente ou amigo necessitado, que precisar do Sistema de Saúde, teremos que nos colocar como militantes da saúde pública e universal (princípios do SUS) e neste momento, se informar sobre com funciona o Sistema e, principalmente, sobre os movimentos de defesa da saúde pode nos ajudar muito.
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Penso que este é o momento das Redes Ativistas de Saúde se apresentarem para a população como mediadores e aglutinadores do que chamamos de Controle Social das políticas de saúde, de forma a ajudar as pessoas comuns e militantes de outras áreas a não lutarem sozinhas. Seguiremos defenderemos o SUS com toda a nossa força, mas sabemos que a Necropolítica tem endereço, especialmente em momentos de crise.

Hora de colocar nossas teorias em prática e, mesmo sob isolamento biológico, romper o isolamento social e político a que fomos confinados e acabamos aceitando nos últimos anos. Hora de forjarmos o novo, assumindo a dianteira dos nossos próprios corres. O “nós por nós” nunca fez tanto sentido!, mas ele deve ser muito mais amplo do que imaginávamos ou definharemos confinados em nossas verdades inertes!

 

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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