O circo e o fogo

Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.

Triste é a democracia que tem que passar por circunstâncias que a levam da tragédia ao ridículo de uma hora para outra. Infame a teatralização de normalidade que produzem estas eleições municipais vexatórias para qualquer sistema democrático, pois acontecem em pleno Golpe de Estado, e acabam legitimando ele, como se nada de anormal acontecesse no sistema jurídico e representativo do país.

O oportunismo e o tapa na cara da população é esperável da direita autóctone que só cumpre com a tabela de anseios e ordens das transnacionais e da oligarquia pátria. No entanto, a gozação ofensiva parte também de uma classe dirigente da esquerda, irresponsável, que nos pega por otárias e otários e ri na nossa cara. Tem para todos os gostos nesse carnaval grotesco, onde as máscaras são descartáveis, já que a vergonha se perdeu no bueiro da história.

E nenhum partido tem um mínimo de coerência e decência; todos os partidos da esquerda tupiniquim (esquerda?) esgrimem grosseiras justificativas a esse ato de covardia e complacência com uma democracia representativa moribunda e ferida de morte. As alianças mais repugnantes acontecem. Mas, não só. Porque os partidos que não as fazem se somam à festa com as mesmas táticas, tentando aparelhar seus partidários e votantes para eleger um mísero vereador.

Contra burguês se procura uma saída de massas para um Golpe de Estado, não um acomodamento ao roteiro da falsa democracia. Contra a direita não se fazem alianças com partidos conservadores e apátridas. É hora de pararem de brincar. Estão um século atrasados, a burocracia lhes roeu o que restava de iniciativa para qualquer mudança radical, firme, com a vista posta na Classe Trabalhadora e nos milhões de excluídos. Todos os partidos acabaram, de um modo o outro, aceitando o canto de sereia que Lula impôs no fim do século passado, um carguinho para “administrar o capitalismo”. Frenética agonia dos aparatos, dos conchavos e do pensamento pobre de burocratas e do pensamento de pequena classe média aculturado pelo sistema.

O circo de pequenas figurinhas de gesso falando para um teleprompter ou uma rústica dália, afirmando o nada com o nunca, sem programa, sem fundamento, nos tentando convencer de que estamos enchidos de boas mães e bons pais que com seus atributos vão mudar esta ou aquela cidade, enche a paciência, dá vergonha alheia. Uma representação de baudeville decadente toma conta das rádios e tevês. Os carros fantasiados de números e rostos patéticos. Uma onda cruel de alto falantes arrebentando contra as janelas, ensurdecendo o pensamento e despejando mais e mais miséria intelectual. Juntos, direita e esquerda, poluindo a cidade. Lona surreal que tudo pretende cobrir, que tudo pretende dissimular, mas, afortunadamente falha. O rosto azedo do palhaço denuncia que nas avenidas, nos palcos maiores da urbanidade, nas rodovias e nos latifúndios outra peça está sendo apresentada, e para valer.

Como uma estela de fogo que se ergue em todo o Brasil, a verdade se escreve em lavaredas de rejeição, rebeldia. E gritos entoados por centenas de milhares propalam a verdade: aqui há um Golpe de Estado e não tem eleição municipal medonha que consiga ocultar a valentia de brasileiras e brasileiras que atestam contra esta fraude golpista que assola o país. Fraude escondida pela própria esquerda que participa desta farsa eleitoral. São jovens e velhos, estudantes e analfabetos, trabalhadores e desempregados, profissionais liberais, ex-militantes das esquerdas institucionais, artistas, pensadores; minorias que somadas fazem essa grande maioria de excluídos, exilados econômicos, sociais, morais, ocupando por fim as ruas dos grandes centros e dos pequenos municípios, e também ocupando o latifúndio.

É o fogo da Luta de Classes que se ascendeu de novo, porque não funcionou a dita governabilidade que serviu à mesa essa esquerda que perdeu,  nem funcionará a que pretende servir a que se aproveita da derrota da anterior, botando um o cardápio semelhante com outro embrulho. Porque é detestável igualmente ser sócio do PSDB, do PP, do PMDB, do DEM, como se aliar ao PV ou à Rede golpista. Porque também dá no mesmo não se aliar com ninguém esgrimindo discursos principistas, mas, homologando o jogo das elites ao participar e legitimar uma eleição municipal contaminada, vazia, indigente.

Esse fogo que lota as ruas do Brasil e que surpreende, mais uma vez, nas ruas de Florianópolis, não pode se deixar enganar. Vi noutro dia o ator Gregório Duvivier que, legitimamente está marchando contra o Golpe, falar para uma mídia independente e ostentando no peito a praguinha com o número do seu partido para esta eleição municipal. Aí está o erro, o desvio de querer se montar na grande mobilização social que não tem outro dono que o Povo em sua expressão totalizadora. Não se chega a uma unidade real, social e política aceitando as regras de jogo do sistema que aviltou nossa democracia.

Não se trata de negar os partidos políticos, trata-se de negar a legitimidade destas eleições municipais inoportunas e que distraem o único tema politicamente determinante. Independentemente do circo eleitoral montado, aqui há um Golpe de Estado que não vai mudar um centímetro por essas eleições ilegítimas que estamos pagando com nosso bolso.

E vamos para a rua sem distrações, porque é Primeiramente #Fora Temer e, ‘segundamente’, o retorno da democracia, desta vez direta.

Foto: Márcio Papa, para Desacato.info

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