O anúncio de venda de “filhote de bandido” é a piada natalina dos cidadãos de bem

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Por Marcos Sacramento.

O jornalista Ancelmo Gois ficou indignado com um anúncio publicado em um grupo do Facebook. A foto mostra um menino negro, tatuado, cabelo descolorido e possivelmente menor de idade.

No anúncio, o autor diz que vende por R$ 1.800,00 um “filhote de bandido completo, tattoo, cabelo amarelo”. Promete o retorno do investimento em duas semanas, desde que não o leve para a igreja.

“Preconceito é crime, veja que horror”, escreveu Gois. Ele acrescentou que um integrante do grupo procurou a polícia para prestar queixa contra a publicação, mas a delegacia se negou a registrar a ocorrência.

A indignação do colunista com a manifestação de intolerância, racismo e discurso de ódio disfarçada de humor é justificável, mas o que mais provoca repulsa é saber que a imagem tem tudo para ser umas das piadas compartilhadas pelas famílias de bem enquanto se empanturram na ceia natalina.

Quando 57% dos brasileiros concordam que “bandido bom é bandido morto”, nada impede que imagens como a denunciada por Gois circulem de mãos em mãos nas comemorações deste Natal.

Provocarão gracejos entremeados a goles de vinho italiano ou de cerveja Skol, nas churrascadas ou nas ceias glúten free. Tudo em meio aos votos de felicidade, trocas de presentes e aquela pieguice de sempre.

Ninguém vai querer saber se o garoto da foto é ou não criminoso. Tampouco as circunstâncias sociais que impelem jovens negros e periféricos a uma vida de delitos. Quem ousar levantar esses questionamentos na confraternização familiar corre o risco de ser chamado de “defensor de vagabundos”.

Se existisse o tal espírito natalino, as famílias reunidas em torno de iguarias se lembrariam do gesto dos parentes do turista italiano Roberto Bardella, morto recentemente por traficantes no Rio de Janeiro.

Em vez de pedir vingança, optaram por arrecadar recursos para um projeto social na comunidade onde Bardella foi assassinado.

Mas Papai Noel não existe para espalhar ações semelhantes e o máximo de solidariedade que o Natal provoca são ondas de assistencialismo quem duram até a hora em que os enfeites voltam para a gaveta.

No ano seguinte retornam. Junto com os panetones, as rabanadas e o especial de fim de ano de Roberto Carlos. Tudo exatamente igual aos anos anteriores, com a diferença de que o discurso de ódio espalhado em grupos do Facebook e do Whatsapp pode vir a aumentar.

Em 2015, 50% dos brasileiros achavam que “bandido bom é bandido morto”, segundo pesquisa do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Neste ano o percentual aumentou em 7%.

Com a escalada dos pensamentos conservadores na sociedade brasileira e a ausência de medidas eficazes para prevenir a criminalidade, é provável que mais e mais brasileiros apoiem a morte como forma de castigo.

Caso isso se confirme, muita gente vai sentir saudades dos tempos em que reclamavam do tio sem noção e sua velha piada do pavê.

Fonte: Diário do Centro do Mundo.

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