“Nunca na história deste país” se vivenciou tanta democracia

Por Guilhermina Cunha* e Carla Ayres**.

gui e carlaEm meio a tantas manifestações e de um sinal talvez de lucidez da população, é difícil ter o que falar, na verdade os acontecimentos recentes trazem um sentimento de tristeza e revolta ao se assistir, por exemplo, a aprovação da cura gay, estupefata pelo estatuto do nascituro.

O fato é que esta coisa de manifesto por conta de aumento de passagem de ônibus acabou tomando um rumo paradoxal. Estes manifestos, como vários analistas já assinalaram, são bem contraditórios. Aqui em Florianópolis não há muito que findou-se  saímos de uma greve de motoristas e cobradores por seus próprios salários, e na noite de terça-feira após o tal manifesto, expulsaram uma pessoa de dentro do ônibus, porque não tinha dinheiro para passagem. As pessoas saem às ruas para protestar contra um aumento de tarifas que nem existiu, quando na verdade o foco deveria ser a melhoria dos meios de mobilidade urbana, num município que sequer sabe na prática ao que se refere transporte integrado, pois além da falta de linhas e falta de comunicação constante entre elas, cada empresa de ônibus trabalha para um patrão e não para o bem estar do usuário.

Por trás de reivindicações objetivas (de transporte, de educação, saúde, contra a Copa, etc..), as reivindicações “subjetivas” estão sendo esquecidas e abafadas, e na minha opinião é contra às minorias que o principal problema de nosso país está fundado. A cultura. A Cultura Política desumana.

Creio que o povo de “Floripa” tem muito o que aprender ainda para realmente ir à rua reivindicar por direitos, pelos seus direitos, pelos problemas que lhes tocam diretamente todos os dias. Este povo que ainda desconhece ou não dá o valor necessário às politicas públicas de direitos humanos. Este povo que bate em suas mulheres e não vê necessidade em reivindicar Casa Abrigo para que estas tenham onde ficar quando finalmente conseguem denunciar seus agressores; este povo machista que restringe seus cargos eletivos aos homens, brancos e ricos; este povo preconceituoso que agride e mata homossexuais e, em atos públicos de reivindicação como a Parada da Diversidade, negam a homofobia e visam apenas os lucros do evento. Alguns ainda, pasmem, dizem que a violência nas cadeias e os incêndios em ônibus “é coisa de direitos humanos”, isto dito dentro de um sindicato. Não meus caros, isso antes de mais nada “é coisa” de segurança pública.

Enfim estou muito decepcionada, deprimida, juro que com uma vontade enorme de fugir pro mato ou pra praia. A cada dia que passa sinto mais medo do que está por vir, não me admiraria se amanhã ou depois voltássemos a ser presos por ser mulher ou por ser lésbica.

Tento todo dia justificar as ações governamentais, pois nos dão abertura para falar e para tentar agir, mas ao mesmo tempo nos fecham portas e mais portas. Sei que o que temos hoje é infinitamente maior do que tínhamos há duas ou três décadas atrás; sei que em 80 apanharia por andar de mãos dadas abertamente e, se reclamasse na polícia por isto, provavelmente seria presa por atentado à moral e aos bons costumes. Sei que levar pedrada era normal, assim como surras em casa; sei que antes, só o fato de ser mulher me obrigaria ser submissa, a não andar sozinha, a não negar dança, a não ser solteira…

Sei que os ganhos foram muitos e graças à gestão do PT, principalmente LULA; sei que hoje a prioridade de Dilma é o emparelhamento econômico, ou seja, acabar com os bolsões de miséria. Sou a favor, quem não quer um país sem miséria, sem fome e com um povo conhecedor, com possibilidades de erradicar o analfabetismo e a desnutrição? Sei também que isto é a base para o conhecimento e a força necessária para se ter um país de pessoas pensantes e não um bando de “Maria vai com as outras” que se jogam da rua sem mesmo saber porque, somente porque pode ser uma chance de sair do ostracismo.

Sempre é muito difícil avaliarmos um contexto quando estamos dentro dele. Mas, devemos nos atentar pra uma série de “nós” que este levante de manifestações tem trazido. Oxigenação. Vida democrática. Consciência Política. Legal. Mas, um desses “nós” pode estar no problemático caráter “apartidário” que querem dar às Manifestações. Este discurso do “sou contra a política, sou contra o governo, sou contra o Congresso”, que marca a descrença das instituições democráticas e é um fator muito perigoso.

Afinal, numa democracia, devemos fortalecer as Instituições democráticas (e partidos é uma delas) e não desacredita-las. Este tipo de ação é o primeiro passo para que toda essa energia “despolitizada” degringole para o lado errado. Pois, entre o Patriotismo/Nacionalismo e o fascismo ou ascensão das forças conservadoras, há poucos passos.

Nisso tudo não podemos esquecer que a mídia burguesa tem adorado este ativismo contra “tudo” em prol do “nada”. Ativismo que saiu sim de trás do computador e foi para as ruas, pra quê? Aqui em Florianópolis, não diferente do restante do país, pra tirar fotos sobre a ponte e colocar onde? Postar no Facebook e dizer: “mãe, eu fui!”, ao belo estilo “Rock in Rio” da Rede “Bobo” de ser. Tem sido muito claro inclusive a diferenciação que a mídia tem feito dos grupos de manifestantes: “os bonzinhos” e “os baderneiros”. Os “bonzinhos” cantam o hino e não dizem nada. Os “maus” quebram tudo. E os que reivindicam não aparecem.

Acho muito válido toda esta disposição. Mas, temos que ter energia não só de ir às ruas, mas como de mostrar o diferencial disso. Mostrar objetivos claros, diretos e pontuais que devem nortear este processo. As Manifestações ou serão UNIFICADAS, ou não será mais que um engodo desta democracia censitária e amorfa que está se formando. Aliás, por que não centralizar forças, focar estas disposições de mudanças em grandes rodas de Audiências Públicas para discutir e exigir a Reforma Política no país? Isso possibilitará mudanças estruturais e a eliminação da lógica viciada de nossas instituições como a corrupção, que o Brasil parece só ter descoberto no pós-Mensalão. Estranho.

Para um país que passa pelo maior período democrático de sua história, só o reforço à democracia é uma saída saudável, pois se não for a democracia formada por nossos anseios, o que será?

Pensem, mesmo que não seja o ideal, “nunca na história deste país” se vivenciou tanta democracia!

Foto: Tali Feld Gleiser.

*Diretora de Gestão da Informação do Grupo Acontece Arte e Politica LGBT, Vice-presidenta Lésbica da ABGLT , Conselheira do CNCD-LGBT e COMDIM. Bibliotecária do SINDPREVS/SC.
**Diretora Presidenta do Grupo Acontece Arte e Politica LGBT.

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