A chapa do reitor escolhido por Bolsonaro para a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Marcelo Recktenvald, não chegou ao segundo turno em consulta eleitoral feita na comunidade acadêmica e foi inscrita, então, diretamente no colégio eleitoral (Conselho da Universidade), onde recebeu quatro votos, ficando em terceiro lugar. Mesmo assim, a exemplo de outras seis nomeações em universidades federais, Bolsonaro decidiu desconsiderar a opinião de professores, alunos e funcionários e nomeou, no último dia 30 de agosto, o professor, que apresenta em seu currículo uma graduação em Teologia realizada em uma instituição envolvida em uma série de irregularidades na diplomação de alunos. Em sua página no Twitter, Recktenvald se define como “cristão conservador, defensor da família, pastor Batista e professor da UFFS.
O novo reitor carrega no currículo (Plataforma Lattes) uma graduação que pode colocar em suspeita o que chama sua “trajetória de vida”. Além de sua graduação realizada na Universidade de Passo Fundo (UPF), o mestrado feito na Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb) e o doutorado concluído na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), todos no campo da Administração, Recktenvald informa ter se formado em Teologia pela Faculdade Kurios (FAK), curso realizado entre 2007 e 2009. Ocorre que esta faculdade foi condenada, em 2018, na Justiça Federal, pelo oferecimento irregular de cursos de graduação e pós-graduação.
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A condenação da Kurios foi em conjunto com a Faculdade de Educação Teológica do Maranhão (Fetma), de Paço do Lumiar (MA), e a Faculdade de Teologia Hokemãh (Fateh), de Vitória do Mearim (MA), em decorrência de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) no Maranhão. Concretamente, o MPF/MA apontou que a Kurios e a Hokemãh validaram cursos realizados pela Fetma burlando os requisitos para o aproveitamento de estudos de cursos livres de Teologia em cursos superiores. Na prática, os cursos ofertados foram ilicitamente “validados” pela Kurios e Hokemãh, credenciadas no Ministério da Educação (MEC). Para a Justiça Federal ficou caracterizada a prática de “chancela de certificados ou terceirização do ensino superior”, o que a legislação veda.
História nebulosa
De fato, a faculdade que o novo reitor da UFFS registra na Plataforma Lattes tem uma história no mínimo nebulosa. Em 2018,
alterou seu nome para Faculdade Excelência (Faex). Atualmente, se apresenta como FEX, segundo apurou o Extra Classe, muito provavelmente devido à existência desde 1999 da Faculdade de Extrema, em Minas Gerais, que usa a mesma sigla.
Apesar disso, a atual Faculdade Excelência continua a apresentar em sua página no Facebook, único canal de comunicação identificado na internet, a denominação Faex, o que mostra uma comunicação desalinhada com a marca que o Extra Classe conseguiu ter acesso.
A não existência de um site institucional e a divulgação não revisada em uma rede social muito possivelmente devem ser reflexos das confusões nas quais a a antiga Kurios tem se metido nos últimos anos.
Após a condenação por sua atuação no Maranhão, a faculdade foi denunciada no início desse ano por prática idêntica no interior do Ceará, desta vez chancelando cursos de Serviço Social.
Segundo o Diário do Nordeste, “em Brejo Santo, no Sul do Ceará, um golpe mexeu com o sonho de dezenas de alunos”. O Conselho Regional de Serviço Social (Cress) denunciou que desde 2016, após quatro anos de estudos, jovens viram seus sonhos frustrados por realizar o curso em uma instituição e receber uma declaração da Kurios, que não lhe dá acesso à profissão, uma vez que a instituição, apesar de ser reconhecida pelo MEC, não pode “ofertar curso semipresencial”.
Bens Bloqueados
Em maio deste ano, a faculdade que deu as bases teológicas para o novo reitor da UFFS em seu ministério de Pastor Batista sofreu outro revés, desta vez no estado de Alagoas. Ela integra o grupo de cinco instituições que o juiz Thiago Augusto Lopes de Morais, da Comarca de São Sebastião, decretou a indisponibilidade de bens e ativos financeiros por serem acusadas de praticar fraudes contra estudantes. Mais uma vez a polêmica foi a mesma das ocasiões anteriores: a oferta de cursos de graduação sem a competente autorização do MEC. De acordo com a decisão judicial, houve a atuação “em verdadeiro conluio” com o objetivo de “ludibriar coletivamente uma miríade de estudantes, oferecendo serviço que não estão licenciadas a prestar”, destacou o juiz ao especificar ainda a vedação da graduação presencial fora do município no qual estão localizadas as sedes das instituições.
A Faculdade Excelência, antiga Kurios, apresenta endereço em Maranguape, Ceará. Atualmente, é o nome fantasia do Instituto Cristão de Desenvolvimento Humano, em funcionamento desde outubro de 2010, em Fortaleza. Em 2013, quando um grupo de 200 alunos de História entrou com processo contra a Kurios por ter encerrado sem explicações suas atividades em Várzea Alegre, Ceará, os recibos emitidos informavam que a sua mantenedora era a Comunidade Evangélica Kurios, cujo CNPJ apresenta hoje que a instituição funciona desde dezembro de 2000 com a atividade principal focada no ensino médio.
Procurado pelo Extra Classe, Recktenvald pediu que qualquer pergunta fosse enviada por escrito à sua assessoria. O Extra Classe enviou as perguntas para a assessoria de imprensa da UFFS e para o próprio reitor nomeado, em duas situações, e até o momento não recebeu nenhuma resposta.