Nova Constituição cubana será aprovada por meio de referendo, após debate popular

Por Ivette Hernández Riesco.*

Uma comissão integrada por 33 deputados e presidida pelo primeiro secretário do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba (PCC) trabalha desde junho na confecção do anteprojeto da Constituição.

O grupo é formado, entre outros, pelo presidente do país, Miguel Díaz-Canel, e pelo segundo secretário do Comitê Central do PCC, José Ramón Machado Ventura.

Embora neste momento não exista muitos detalhes do conteúdo da reforma, espera-se que entre as mudanças seja incluído o apelo do ex-presidente Raúl Castro (2008-2018) para limitar o desempenho dos principais cargos do Estado e do Governo a um máximo de dois períodos consecutivos de cinco anos, e a redefinição das idades máximas para ocupar essas responsabilidades.

No atual cenário de mudanças, também é essencial reconhecer as novas formas de propriedade e incorporar ao texto constitucional conteúdos de tratados e protocolos internacionais subscritos por Cuba em matéria de direitos dos cidadãos, sob o preceito de igualdade entre as pessoas, sem discriminação de nenhum tipo.

Uma primeira proposta de modificação da Constituição foi apresentada em junho pelo deputado José Luis Toledo, que propôs separar em pessoas diferentes os cargos de presidente das assembleias locais do Poder Popular e a direção de seus órgãos de administração.

A iniciativa exposta pelo presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos do Parlamento é fruto do experimento realizado nas províncias de Artemisa e Mayabeque, com a finalidade de aumentar a eficiência na gestão dos governos territoriais.

Uma vez analisado pelo Parlamento, o anteprojeto será submetido a ampla consulta popular e, posteriormente, a um referendo.

No início de julho, o 7º Plenário do Comitê Central do PCC debateu durante dois dias uma proposta de texto, passo prévio à sua análise nas comissões permanentes da Assembleia Nacional do Poder Popular, convocada de 18 a 21 do mesmo mês.

A história

Cuba conta com uma vasta história constitucional que surgiu apenas seis meses depois de iniciadas as lutas armadas pela independência, em 1868.

Em 10 de abril de 1869, os combatentes cubanos confeccionaram e aprovaram a Constituição de Guaimaro, primeiro texto de seu tipo no país, redigido na Assembleia que teve lugar nessa localidade da província de Camagüey.

Com o propósito de conseguir a organização e a unidade do movimento revolucionário e desenvolver um documento reitor único, fixou os órgãos de governo e reconheceu a importância da luta libertária como via para alcançar a independência da ilha, submetida então ao poder colonial espanhol.

Além disso, em seus preceitos proclamou a liberdade e a igualdade dos homens ao abolir a escravidão.

Na opinião de analistas, sua aplicação marcou uma referência para o futuro, apesar do cenário complexo que emergiu da intervenção do mando civil no mando militar e a elementos como o regionalismo, a falta de unidade e indisciplinas que frustraram a primeira contenda pela liberdade de Cuba.

Nesse sentido, referem que suas projeções democráticas, libertárias e anti escravagistas proporcionaram uma adequada base programática à revolução, embora a estrutura e o funcionamento político resultassem excessivamente complexos para aplicar-se com efetividade em meio da guerra.

A segunda Lei Fundamental da ilha foi adotada em 1878 após o Pacto de Zanjón e o Protesto de Baraguá, fruto do ideário do prócer independentista Antonio Maceo e a aspiração de continuar a luta até alcançar a independência definitiva.

A menor das constituições mambises, conformada por apenas cinco artigos, determinou um governo provisório composto por quatro indivíduos, nos quais se reuniram as funções legislativas e executivas, o que deixou de lado a concepção de três poderes assumida pela Constituição anterior.

Apenas sete meses depois de retomada a luta foi aprovada a Constituição de Jimaguayú, texto que superou as contradições entre o mando civil e o militar após a experiência da Guerra dos Dez Anos (1868-1878).

Conformada por 24 artigos, estabeleceu um Conselho de Governo com prerrogativas administrativas e legislativas integrado por um presidente, um vice-presidente e quatro secretários de Estado; e outorgou plena autonomia ao mando militar.

Em seu último artigo foi especificado que se em dois anos a guerra contra a metrópole não estava ganha, devia ser convocada outra Assembleia Constituinte.

O anterior se cumpriu em 10 de outubro de 1897, em La Yaya, também em Camagüey, com a participação de 24 delegados em representação dos seus corpos do Exército insurgente.

A nova Constituição, que adotou o nome dessa zona, estabeleceu os requisitos para ser considerado cidadão cubano, assim como o dever cívico de servir à Pátria, ao implantar o serviço militar como dever obrigatório dos cidadãos.

Além disso, definiu os requisitos para ocupar a presidência da República e regulou os direitos civis individuais.

Não obstante, especialistas assinalam que La Yaya constituiu um retrocesso com relação à precedente Carta pelo ressurgimento das contradições.

Um novo contexto imperava quatro anos depois com a intervenção militar dos Estados Unidos na guerra de independência, que frustrou a vitória dos mambises sobre o colonialismo espanhol.

O chamado para eleger delegados para uma Convenção Constituinte foi feita mediante uma Ordem Militar, já sob a ocupação estadunidense.

Em 12 de junho de 1901, apesar de vigorosas discussões entre alguns constituintes defensores da soberania de Cuba, aprovou-se a incorporação de um apêndice à Constituição, conhecido como Emenda Platt, que reafirmou a condição neocolonial da ilha e concedeu prerrogativas aos Estados Unidos sobre o território nacional.

Não obstante, sentou as bases de um Estado definido em seu primeiro artigo como independente e soberano, e adotou a república como forma de governo.

Anos mais tarde, o então presidente Gerardo Machado promoveu uma reforma à referida Constituição com o objetivo de prorrogar seu mandato e embora tenha enfrentado uma forte oposição popular, em março de 1927 a Câmara de Representantes concluiu a discussão do projeto que foi aprovado três meses depois.

Em 10 de outubro de 1940 uma vez mais a localidade camagüeyana de Guaimaro foi sede da assinatura da Lei Fundamental da nação, considerada a mais avançada da América nessa época, dado o alcance social de seus preceitos.

O espírito progressista marcou a Constituição de 1940 que entre outros aportes reconheceu o direito dos operários à greve, declarou o trabalho como um direito inalienável do homem e proscreveu a discriminação por motivo de sexo ou cor da pele.

Também estabeleceu a proteção especial à família e a igualdade da mulher, pronunciou-se pela educação geral e gratuita, e pela saúde pública ao alcance de todos.

No entanto, uma grande parte das disposições complementares, necessárias para concretizar o estipulado jamais obteve a aprovação da Câmara de Representantes nem do Senado.

Com o triunfo da Revolução cubana em 1959 foi necessário conceber uma nova Carta Magna, proclamada em 24 de fevereiro de 1976 e reformada em 1978 e 1992.

Vigente até a atualidade, a legislação declara que Cuba é um Estado socialista de trabalhadores, independente e soberano, organizado com todos e para o bem de todos, como República unitária e democrática, para o desfrute da liberdade política, da justiça social, do bem-estar individual e coletivo e da solidariedade humana.

Justamente nessa linha se manterá a nova Constituição que, segundo declarou o presidente Miguel Díaz-Canel, preservará os princípios humanistas e de justiça social imperantes na maior das Antilhas, adotada pelo povo em 2002, em reforma anterior.

* Jornalista da Redação Nacional da Prensa Latina, de Havana, especial para Diálogos do Sul

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