Nota pública sobre as recentes ofensas ao Estado Democrático de Direito

17 março de 2016.

O Escritório Silva, Locks Filho, Palanowski & Goulart – Advogados Associados, diante do sério momento de crise política e institucional que vive o País, e visando sempre salvaguardar os interesses da classe trabalhadora, que constitui um dos objetivos fundamentais da organização, vem a público dizer o seguinte:

É nosso entendimento que o combate sistemático, profundo e generalizado à corrupção deve constituir objetivo fundamental, a ser perseguido por qualquer Estado preocupado com o uso eficiente dos recursos públicos, posto que estes recursos devem sempre estar voltados à satisfação do interesse público, e não de interesses privados. Em decorrência, saudamos todas as iniciativas que tenham por efetiva finalidade coibir as práticas de ataque ao patrimônio público, seja de parte de agentes públicos ou privados.

Foi com estes objetivos, aliás, que a Constituição de 1988 veio dispor sobre a estruturação do Ministério Público, sobre os poderes investigativos atribuídos à Polícia Federal, sobre diversos mecanismos de controle interno, e sobre tantas outras formas de intervenção estatal voltada à lisura das suas relações com o setor privado.

O combate à corrupção, contudo, não prescinde do respeito à ordem jurídica, em especial os direitos fundamentais esculpidos na Carta de 1988, os quais constituem conquistas decorrentes das lutas sociais empreendidas pela classe trabalhadora em todo o mundo e em particular no Brasil, sobretudo durante o processo de redemocratização do País, e que formam o amálgama indispensável à formação, ampliação  e manutenção do Estado democrático de direito.

Estes direitos fundamentais definem e limitam a atuação estatal, seja ela dos integrantes do Poder Executivo, Legislativo ou mesmo Judiciário, aos quais não é dado agir sob motivação privada, descolada do interesse público.

O que temos visto com os últimos atos praticados pelo Juiz que comanda a chamada “Operação Lava-jato”, entretanto, é a ofensa sistemática, deliberada e articulada aos mais elementares princípios balizadores do processo penal e a inúmeros direitos constitucionais de relevo, demonstrando o inaceitável e absurdo desprezo de Sua Excelência por estes direitos, o que coloca seus atos à beira do arbítrio, senão revestidos deste.

Esta atuação jurisdicional desastrada, por outro lado, ao tempo em que despreza direitos individuais fundamentais (debilitando o Estado de direito), se articula aberta e vergonhosamente com alguns meios de comunicação, repassando-lhe informações privilegiadas e sigilosas, tudo sob o olhar complacente de órgãos do Estado responsáveis por coibir tais práticas, evidenciando a finalidade escusa de manipular a opinião pública, angariando simpatias para com as inconstitucionalidades praticadas e antipatias para com pessoas investigadas, e substituindo o espaço político de discussão sobre a crise, pelo espaço jurídico-policial, focado no pretenso “combate aos corruptos”, jogando no cólo do Juiz “popular” a decisão sobre os rumos do País.

Se fazem isto até mesmo com a ilegal escuta telefônica instalada na Presidência da República, é possível pensar o que serão capazes de fazer com um cidadão comum!

Tudo muito semelhante ao processo que levou à derrocada da República de Weimar (Alemanha), em 1933 (que resultou na ascensão do nazi-fascismo), e que anos depois se repetiu com o golpe de 1964, no Brasil, que mergulhou o Pais em décadas de ditadura militar!

Na busca destes objetivos, tanto o Juiz em questão quanto a mencionada emissora não têm poupado esforços em incentivar a divisão cada vez mais profunda da sociedade brasileira, iniciada já nas ultimas eleições presidenciais, no que são apoiados pelo pensamento conservador formado por uma elite empresarial e agrária que jamais aceitou perder um milímetro sequer de seus privilégios, e a qual se juntam, agora, setores conservadores da classe média e entidades religiosas, empunhando bandeiras que não conseguem disfarçar sua discordância com os avanços (ainda que tímidos) que o País vem experimentando na busca de igualdade entre homens e mulheres, no combate ao racismo, na proteção às comunidades indígenas, e na proteção aos direitos relacionados à orientação sexual.

O que está em jogo não é só a manutenção ou derrubada de um Governo – o que por si só já constituiria um grave absurdo jurídico –, mas interesses muito mais profundos, como aqueles relacionados à geopolítica, onde países que no pós-guerra alcançaram posição de supremacia no cenário mundial, estão preocupados em não permitir que países sub-desenvolvidos ou em desenvolvimento como a India, a Rússia, a África do Sul e o Brasil (aos quais se junta a China, formando o BRICS), se constituam e consolidem como verdadeira alternativa política ao status quo mundial; ou aqueles outros interesses, que com os primeiros se confundem, em torno de grandes questões econômicas mundiais, como o interesse em torno do acesso aos combustíveis fósseis (como o pré-sal) e à água, a intenção de criar um livre comércio transnacional, livre das legislações trabalhistas nacionais, dentre tantos outros.

No fundo de tudo, a nosso sentir, está a cada vez mais atual luta de classes, que ressurge clara em todo o mundo sempre que o capitalismo se vê abalado (ainda que de forma pífia, como aqui ocorre) pela adoção de políticas sociais e de distribuição de renda, as quais, mesmo sendo incapazes de alterar o poder dominante, constituem um pequeno entrave à ampliação da exploração da classe trabalhadora e ao aumento das margens de lucro dos empresários, situação que no caso brasileiro pode ser materializado na figura do pato amarelo, sempre presente nas manifestações realizadas na Avenida Paulista, “conduzindo” incautos defensores da “moralidade” e do “progresso”.

Lutamos muito para alcançar o atual estágio da ainda frágil e insuficiente democracia brasileira, razão pela qual não podemos hesitar em defendê-la de todas as formas legais colocadas ao nosso alcance, dentre as quais a livre manifestação de pensamento, que já começa a sofrer sérias restrições ao seu exercício, sintoma claro das fases anteriores à instauração do fascismo.

É neste cenário que o Escritório SLPG vem a público dizer do seu repúdio às atuais e graves ofensas perpetradas contra a Constituição Federal, desde já afirmando que estará ao lado das entidades sindicais e populares na defesa do Estado democrático de direito, pela consolidação das instituições democráticas e de formas cada vez mais diretas de representação da vontade popular, e pela ampliação e consolidação dos direitos da classe trabalhadora.

Florianópolis, 17 de março de 2016.

Fonte: Silva, Locks Filho, Palanowski & Goulart Advogados Associados, membro do Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos – CNASP

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