Nota em Favor das Liberdades Democráticas em Goiás e Contra a Prisão Política de 31 Ativistas

Segunda-feira, em Goiânia, estudantes, servidores da educação, artistas e intelectuais adeptos de diferentes concepções político-sociais, definidos por pluralidade e horizontalidade em suas relações recíprocas, ocuparam as dependências da Secretaria Estadual de Educação e Cultura do Estado de Goiás. O protesto somou-se a inúmeras outras ações que têm ocorrido em oposição à gestão privada do ensino médio estadual, o que se efetivará por meio de organizações sociais. Desde o notório malogro pedagógico e gerencial das charter schools nos EUA, seguindo-se pelo descompasso entre osrecursos que o Governo pretende dedicar às escolas que serão privatizadas em relação às efetivamente públicas, chegando-se às incontáveis inconstitucionalidades e ilegalidades que diversos juristas identificam no modeloque se pretende estabelecer, há inúmeras razões e fundamentos para os eventos de protesto em curso.

Este texto, contudo, cinge-se a uma outra questão, ainda mais simples e séria. Não é necessário objetar o modelo de gestão escolar proposto pelo governo goiano e, tampouco, aquiescer aos métodos e repertórios de luta social eleitos pelos ativistas para se rechaçar, com toda a veemência necessária, a criminalização de opositores políticos e o sistemático vilipêndio aos direitos civis nesta unidade federativa. Em Goiás, desde 2013, medidas penais têm sido indevidamente infligidas contra artistas, jornalistas, intelectuais, estudantes e toda uma gama de pessoas cuja atuação atém-se ao simples exercício da crítica e da contestação.
Ontem, um novo e gravíssimo capítulo nesse roteiro teve lugar. No contexto de desocupação coercitiva da Secretaria de Educação, as forças de segurança atuaram de modo incompatível com o seu papel em um regime democrático, ao procederem ao seguinte:
1) Um professor da UFG, Rafael Saddi, que não participava do movimento de ocupação, ingressou nas dependências da Secretaria de Educação com o exclusivo objetivo de acompanhar a negociação entre Estado e ativistas, com vistas a uma mediação. O docente foi preso, algemado e, enfim, acusado de crimes como dano qualificado e corrupção de menores. Neste momento, ele se encontra detido na carceragem de uma delegacia de polícia.
2) Um estudante de comunicação da UFG, Lucas de Oliveira, reconhecido nacionalmente por suas produções audiovisuais no canal “Desneuralizador”, estava apenas filmando, como sempre faz, os episódios ocorridos na última noite, quando foi preso e, igualmente, acusado de dano e corrupção de menores.
3) Durante as ações de retirada coercitiva das/os ativistas, as forças de segurança do estado de Goiás impediram a presença de advogadas/os, recusando-se a cumprirem a lei (art. 7o da Lei 8.906) e a autorizarem o livre ingresso dos defensores das/os manifestantes. A arbitrariedade em questão não se interrompeu sequer com a chegada ao local do presidente da Comissão de Defesa de Prerrogativas da OAB-GO.
4) As/os ativistas, 13 menores e 18 maiores, foram conduzidos/as para a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas, cuja sede fora isolada com um portentoso cerco policial. A Delegacia em questão, que não funciona no período noturno, esteve em atividade por toda a madrugada, com exclusivo objetivo de receber as/os manifestantes. Sim, em Goiás a divergência política manifestada como ação coletiva é caracterizada como crime organizado. Nos últimos anos, a delegacia em questão, cuja eficiência é mínima no combate a condutas como sonegação fiscal ou corrupção, prendeu e indiciou estudantes, jornalistas, intelectuais e artistas. Gravuras, livros e desenhos já chegaram a ser apresentados como provas da “criminalidade organizada” em Goiás. Não é necessário profundo conhecimento de história para se concluir que, quando o dissenso político é classificado pelo Estado como crime organizado, a democracia há muito já evanesceu.
5) A atécnica e antijurídica imputação do crime de “corrupção de menores” às/aos ativistas reveste-se de um grave significado político: a solidariedade ou apoio às iniciativas autônomas das/os jovens secundaristas em defesa da escola pública poderá ser, em Goiás, criminalizada. Trata-se de uma rudimentar aplicação da divisa “dividir para governar”.
O Núcleo de Pesquisas sobre Ativismo em Perspectiva Comparada da UFG – PROLUTA – repudia o desrespeito aos direitos civis e à divergência democrática que tem ocorrido em Goiás. Insistimos que, inobstante o acordo ou divergência em relação às demandas e táticas de luta dos ativistas, uma premissa deve ser urgentemente restabelecida: a oposição política não é uma questão de direito penal. Os nossos estudos sobre protesto social e ativismo dedicam-se à comparação entre diversas épocas e países. No amplo conjunto de casos considerados em nossas pesquisas científicas, encontramos uma regularidade: de Gadaffi a Mubarak, de De La Rua a Pinochet, o uso da força e da coerção criminal contra opositores é, sempre, inversamente proporcional à legitimidade e ao respeito dedicado pelo povo aos seus governantes.
Goiânia, 16 de fevereiro de 2016.
Fonte: Pró-Luta

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