Nos 20 anos da Segunda Intifada, a Palestina segue resistindo

Os palestinos celebram o 20º aniversário de um levante de tal impacto que ficou cravado na história da resistência à ocupação e colonização sionista como a Segunda Intifada. Ao menos desde a ocupação britânica da região, no início do século 20, revoltas atrás de revoltas narram a história da insubmissão na Palestina. Hoje, este aniversário parece anunciar um ponto de viragem cujo desfecho está em disputa.

Por Moara Crivelente.*

A Segunda Intifada, levante que eclodiu em setembro de 2000, é um marco da resistência à ocupação militar e à colonização da Palestina por Israel, na mudança tática por colmatar a abissal assimetria de poder entre palestinos e israelenses. O combate armado havia sido suspenso nos fim dos anos 1980 a favor das negociações com Israel, período que levou à instituição da opressão pela ocupação militar israelense e à constatação de que a liderança sionista não quer a convivência pacífica, mas a eliminação dos palestinos, seja como for.

Uma brevíssima recapitulação: diversas outras revoltas tiveram importância na identidade nacional e a resistência palestina desde a ocupação britânica, seguidas de tentativas fracassadas da potência de reprimir ou apaziguar os árabes insubmissos à implantação do projeto sionista em sua terra. Comissões de investigação sobre o ânimo da população nativa na década de 1930 constataram que o projeto era rechaçado, porque entendido como colonização. Mesmo assim, foi imposta aos palestinos a repartição da sua terra em dois Estados, de forma não só injusta como desigual. O plano foi logo adotado pela nascente Organização das Nações Unidas (ONU), ainda atuando num quadro herdado da Liga das Nações —que concedera ao Reino Unido o carimbo de legitimidade da sua ocupação, o “Mandato da Palestina”. Foi fato consumado, mas passadas sete décadas, a questão segue pendente, mesmo após três décadas desde que Organização para a Libertação da Palestina (OLP) aceitou o plano, suspendendo a luta armada.

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Leila Khaled, da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), participou da luta armada no fim dos anos 1960, inclusive operações contra a companhia aérea israelense El-Al

Em 1987, a Primeira Intifada confrontou o mundo com a brutalidade da ocupação militar israelense. Um dos motivos da sua eclosão foi a colisão de um caminhão israelense com o transporte de trabalhadores, matando quatro palestinos. Em franca disparidade de força, os palestinos rebelaram-se num levante popular que tomou a mídia internacional devido à ousadia daqueles que enfrentavam tanques com pedras e ao espanto com a violência da repressão, que matou mais de mil palestinos. O então ministro da Defesa Yitzhak Rabin instituíra a tática de “quebrar ossos” como forma de desmobilização e dissuasão.

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Thirty years after first intifada, Palestinians look to past for fresh  lessons | Middle East Eye

Respaldando o levante, parte importante da liderança palestina ainda estava no exílio: com a guerra civil libanesa (1975-1990) e a invasão israelense do Líbano, em 1982, a OLP, liderada por Yasser Arafat, traslada-se para a Tunísia, onde a sede permaneceu de 1983 a 1993. Foi então que, também pela pressão gerada com a revolta palestina, a Declaração de Princípios oficializaria o reconhecimento de Israel pela OLP e da OLP —não do Estado da Palestina— por Israel e inauguraria o chamado Processo de Paz de Oslo. No papel, os acordos interinos reconfiguraram o controle dos territórios palestinos ocupados e prometiam que, no fim da mesma década, um acordo final seria alcançado. Tal objetivo nunca foi cumprido, nem Israel cumpriu seus compromissos, usando o período para, já num governo de Benjamin Netanyahu, consolidar a ocupação e expandir a colonização.

Neste caldo é que a Segunda Intifada é gestada e dura quase cinco anos. Foi um estopim a visita de 28 de setembro de 2000 do ex-chanceler do primeiro governo Netanyahu e candidato a premiê Ariel Sharon, rodeado pelas forças israelenses, ao Haram a-Sharif, santuário de especial relevância religiosa e também política, em Jerusalém —é onde está a importante Mesquita Al-Aqsa e onde acredita-se ter estado o Templo judaico.

Não por ímpetos religiosos, como se repetiu à exaustão, eclode a Intifada de Al-Aqsa. A resistência voltou aos noticiários devido aos confrontos diretos e aos atentados a bomba, retratados por filmes como Paradise Now (2005) e Inch’Allah (2012), cujo cenário é a agonia de uma população oprimida. É preciso notar, porém, que embora justas, essas representações também suscitam a interpretação de que a luta armada resulta do desespero —logo, tática pouco refletida— e não de uma forma legítima de resistência, especialmente diante da forma multidimensional de dominação israelense. Também estão ignoradas diversas outras formas de luta. Foi em 2005, por exemplo, que dezenas de organizações palestinas consolidaram o movimento por Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), nascido da mobilização por táticas eficazes para engajar o mundo na luta contra a colonização israelense.

Mulher palestina marcha em 2018

Segundo dados do Shin Bet, “serviço de segurança” de Israel, e da organização israelense B’Tselem, citadas por Gideon Levy no sábado (26), no diário Haaretz, de 28 de setembro de 2000 a 8 de fevereiro de 2005, 1.038 israelenses e 3.189 palestinos foram mortos, enquanto 4.100 lares palestinos foram demolidos e cerca de 6.000 pessoas foram presas. Note-se que nem mesmo campos de refugiados escaparam da destruição. Foi também neste período que o próprio Sharon implementou um dos seus projetos de controle e opressão dos palestinos, iniciando em 2002 a construção do muro segregador que tem entre 8 e 12 metros de altura, com cerca de 800 quilômetros cercando e capturando trechos do território palestino. Em 2005, Israel também decide retirar os colonos da Faixa de Gaza, transferindo-os à Cisjordânia e logo enclausurando o estreito território costeiro, onde hoje vivem cerca de dois milhões de palestinos em condições insustentáveis, ainda vitimados por sucessivas e devastadoras ofensivas militares.

Levy recuperou suas matérias inicias sobre a Segunda Intifada e escreveu: “Israel lançou sua supressão do levante atirando nas cabeças de crianças no Monte do Templo: Ala Badran, 12 anos, perdeu um olho; Mohammed Joda, 13, estava morrendo na UTI do Hospital Makassed, Jerusalém Leste; Majdi Maslamani, 15, já estava morto e enterrado no cemitério do bairro Beit Hanina, em Jerusalém. Cerca de 10 dias após o começo da intifada, 14 crianças palestinas já tinham sido mortas”, o que mal foi relatado na mídia israelense, afirma.

Recorde-se que, com os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, a narrativa sobre um “terrorismo” bárbaro foi requentada. Israel já se apressara a empregá-la para justificar a brutalidade na repressão da Intifada, tentando apagar da memória dos que se chocaram imagens como a capturada pelo jornalista franco-israelense Charles Enderlin, do assassinato de Mohammed al-Dura, em plena luz do dia e no meio da rua, em 30 de setembro de 2000, na Faixa de Gaza. Mohamed, de 12 anos, escondia-se com o pai da carga das forças de ocupação israelenses. Mais um combustível para a ira palestina que a liderança israelense retrata como sanguinária. A imagem de Mohamed, porém, permanece.

 

Diversos outros momentos de massiva revolta popular ocasionaram o apelo por uma Terceira Intifada: 2015, 2017, 2020, sempre marcados pelo escárnio com que a liderança sionista não só mantém o regime de ocupação militar e colonização da Palestina, como o enraíza, buscando sepultar a chamada “solução de dois estados”. Este é o projeto de Netanyahu, que conta com o patrocínio dos Estados Unidos —seja mais explícito, na boca de um Donald Trump, ou quase velado, mas consistente, na política de um Barack Obama. Desde que finalmente logrou constituir um governo, Netanyahu ameaça a Palestina com a anexação de grandes porções do território ocupado. Respaldado pelo plano de Trump, seu “ultimato do século”, o premiê israelense relega aos palestinos uma oferta inadmissível. Quer debitar à OLP e ao presidente Mahmoud Abbas o fim do Processo de Oslo, que Israel já há tempos encerrou, unilateralmente.

Com a recente oficialização das relações já mantidas na clandestinidade entre Israel e os Emirados Árabes Unidos e Bahrein, à espera dos próximos aliados árabes a se alinharem por fechar negócio com Netanyahu, os palestinos recalibram sua estratégia. Investem na consolidação da unidade nacional há tempos urgente e na maior mobilização da sociedade internacional, da ONU e demais responsáveis, para deter a colonização israelense. A oportunidade deve suscitar o compromisso dessas instituições e países com a justa causa pela libertação da Palestina, enquanto o movimento internacional de solidariedade redobra o empenho nesta encruzilhada.

*Moara Crivelente é cientista política e diretora do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz)

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