No que a figurinista e o ator terem tido um caso muda a realidade do assédio?

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Por Lola Aronovich.

No final de abril, a coluna de fofocas do jornal O Dia noticiou uma “reviravolta” no caso. Segundo o colunista Leo Dias, a figurinista Su Tonani não quis processar o ator José Mayer porque eles haviam tido um caso extraconjugal no passado. Su nega ter sido amante dele.

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Primeiro, não entendi como o colunista chegou a esta conclusão. Não no sentido de ter havido um caso no passado entre os dois, mas que esta seria a razão por Su não querer processá-lo. Pode haver mil e um motivos para ela não seguir adiante com a denúncia. Ela pode achar que o pedido de desculpas dele encerra a questão. Pode achar que, ao ser afastado da próxima novela da Globo, Mayer já foi punido o suficiente. Su pode não querer se expor ainda mais.

Vi reaças e mascus comemorando essa “reviravolta”, usando-a para dizer que feministas são mentirosas, que toda acusação de assédio e estupro é falsa, essas asneiras que eles falam sempre.

Ué? No que o caso deles mudaria alguma coisa? Porque eles já tinham transado no passado – segundo o colunista, não segundo Su – isso daria ao ator acesso incondicional e irrestrito à figurinista por tempo vitalício? Isso daria a ele o direito de tocar na sua genitália sem consentimento? Ou de chamá-la de vaca na frente de toda uma equipe? Mesmo se eles ainda fossem amantes quando aconteceu o assédio, mesmo se eles fossem casados, pô, isso daria direito a um marido agir dessa forma?

Recomendo a análise da minha amiga Valéria Fernandes sobre essa reviravolta. E lembro que não há dúvida que houve assédio. O próprio José Mayer reconheceu e pediu desculpas. Então realmente fico sem entender a comemoração reaça. Lembro também que o protesto das atrizes no início do mês foi fantástico. Elas não individualizaram a questão, não saíram necessariamente em defesa da figurinista (ou contra o galã). O recado delas foi claro: chega de assédio. Além de pregar a sororidade com o “mexeu com uma, mexeu com todas”.
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Foi lindo, e esse tipo de atitude pode ter sido um divisor de águas contra o assédio sexual na classe artística. E como elas são famosas, essa mensagem influencia um monte de gente. Que droga pesada é o machismo, que faz pessoas discordarem de uma mensagem tão importante!
UPDATE em 5/5: Em outro texto – leia o depoimento de Su Tonani – para o Agora é que São Elas (blog feminista hospedado na Folha), Su escreveu um bonito texto, “Me deixem deixar de ser vítima: me deixem voltar a ser eu”. Nele, Su diz que não foi amante do ator, não fez acordo, não foi demitida.  Diz ela: “A minha história é a história de uma mulher jovem que não aceitou o assédio de um homem com mais poder que ela. Neste caso, o ator rico e famoso. O Brasil não está acostumado a lidar com este tipo de história. Eu sei. Mas não barateiem a minha história. Até porque ela é de muitas de nós.”
E ela explica por que decidiu não processar o ator: “Sinto que a minha história teve começo, meio e fim. Terminou na terça à noite, 04 de abril de 2017, com um pedido de desculpa da Rede Globo e uma carta de confissão do José Mayer, ambos lidos no Jornal Nacional. Senti que tive a justiça que desejava. Pouco creio que a punição criminal para o meu caso tenha alcance maior que já tivemos. Mais potência. Seja mais transformadora.”
Como eu disse, há vários motivos para uma mulher não seguir adiante com a denúncia. Isso não significa que ela estava mentindo. Parem de duvidar da vítima. E parem de tentar encontrar justificativas para encaixar uma vítima numa narrativa aceitável. Assédio é algo muito comum e deve ser combatido.
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