‘Ninguém nasce bandido’: PL institui política de assistência para filhos de apenados no RS

Por Débora Fogliatto.

Partindo da perspectiva de que os filhos de homens e mulheres em privação de liberdade estão em situação de extrema vulnerabilidade, a deputada Miriam Marroni (PT) criou o projeto de lei que estabelece a Política Estadual de Direitos Humanos e Assistência a Filhos de Pais Privados de Liberdade ou submetidos à medida sócio-educativa. A proposta (PL 400/2011) foi aprovada na Assembleia Legislativa nesta terça-feira (1), por unanimidade, após emendas protocoladas por deputados que inicialmente eram contrários ao projeto. Agora, o texto depende da sanção do governador José Ivo Sartori (PMDB) para tornar-se lei.

O projeto institui a realização de ações que possibilitem o acolhimento de crianças cujos pais estejam encarcerados, através de serviços públicos já existentes da área da segurança, saúde, acompanhamento psicológico e educação. Inicialmente, será feito um cadastro, identificando quantos filhos os apenados têm e quem são, o qual deverá ser mantido sob sigilo dos órgãos envolvidos no projeto. “Por enquanto, não há um cadastro, não se sabe quantas crianças são, onde estão e o que estão fazendo”, aponta Miriam.

Por isso, a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) seria a porta de entrada para a nova política, assim que o pai ou mãe entrar no presídio. “Quando alguém é preso, preenche uma ficha, e a partir do projeto ela também irá tratar da questão dos filhos, de forma detalhada”, explicou a deputada. Em seguida, a Susepe passa as informações para a Secretaria de Direitos Humanos, que encaminha para os municípios, os quais acolhem essas crianças a partir de busca ativa em serviços como o Conselho Tutelar, Rede de Atendimento Psicossocial e turno integral nas escolas. “A escola é o centro de tudo”, avalia Miriam.

Autora do PL, Miriam destaca a situação de vulnerabilidade vivida por essas crianças | Foto: Marcelo Bertani/ ALRS
Autora do PL, Miriam destaca a situação de vulnerabilidade vivida por essas crianças | Foto: Marcelo Bertani/ ALRS

O Ministério Público, a partir da Procuradoria da Infância e Juventude, realizou no ano passado o levantamento dessas crianças entre as detentas da Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Das cerca de 230 mulheres presas no local, os promotores constataram que 121 têm um ou mais filhos com idades entre zero e 17 anos. “Nós constatamos que essa é uma população extremamente vulnerável. Muitas estão na guarda de fato de alguém, mas não têm situação jurídica regularizada”, relatou a promotora Maria Regina de Azambuja. O fato de as mães estarem detidas faz com que a pessoa que fica responsável pelas crianças tenha receio em regularizar a situação de guarda, o que dificulta o acesso das crianças aos seus direitos.

As promotoras constataram ainda que a maioria das mulheres detentas que são mães tem menos de 40 anos e não completou o Ensino Fundamental. Apenas 12% completaram o Ensino Médio, e somente uma tinha Ensino Superior. “Essa população nunca foi objeto de nenhuma demanda, são crianças que são muito vulneráveis e, principalmente, marginalizadas pela situação dos próprios pais. Quando a mãe é presa, muitas delas são encaminhadas para alguém da família, às vezes até pessoas muito jovens, que já tem outros filhos e assumem essa responsabilidade informal. Então são situações que justificam esse projeto de lei”, garante Maria Regina.

O cadastro realizado pelo MP é a primeira etapa do que está previsto no projeto, e deve ser seguido pela efetivação das políticas de acolhimento e direitos humanos. A proposta também objetiva que haja a capacitação desses equipamentos para acolher de forma especializada as crianças nesta situação. “Compreendemos que a criança está abandonada e pode se tornar um bandido se não for atraída para outras atividades. A criança tem que ser seduzida, não obrigada. Isso a incluiria numa vida mais saudável”, esclarece Miriam.

O próximo passo é realmente “fazer isso funcionar”, conforme definiu Maria Regina, destacando que esses direitos já estão previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Mesmo assim, sabemos que um número muito grande está à margem. Constatamos que 95% das crianças não recebe auxílio psicológico, sendo que estão nessa situação de extrema vulnerabilidade”, apontou, referindo-se aos filhos e filhas das detentas do Madre.

A deputada, que protocolou o PL em 2011, avalia este como o projeto mais importante de seu mandato, mesmo que tenha havido modificações no texto, com substitutivos e emendas, desde que ele foi escrito pela primeira vez. “A essência dele permaneceu, que é o cuidado com essas crianças. Verificamos que essa população é considerada de risco, porque exemplo deles é o crime, é a contravenção. Os filhos assistem diariamente comportamentos nesse sentido, então incorporam isso”, justifica.

Miriam aponta que, embora os riscos de cometer um crime sejam maiores para crianças com pais ou mães apenados, o projeto busca evitar que esse seja seu destino. “Ninguém nasce bandido. Por isso, o projeto beneficia tanto essas crianças quanto a sociedade, porque lida com segurança e com oportunidades. Há muito preconceito sobre isso, de dizer que é um privilégio, um apoio para filhos de bandidos, mas [o projeto] é exatamente de prevenção à criminalidade”, resume a deputada.

Fonte: Sul21

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