Não tentai Deus com a Covid. Por Viegas Fernandes da Costa

Por Viegas Fernandes da Costa.

É noite de domingo e muitas famílias estão sentadas no sofá, assistindo ao Fantástico, e outras tantas desesperadas, encarando o prenúncio de uma nova semana sem perspectivas de emprego e renda. Há também aquelas chorando seus mortos e aquelas esperando por um milagre junto ao amor que agoniza no leito do hospital. Consta que neste momento, às vinte e uma horas e trinta e um minutos do dia onze de abril, coveiros trabalham sem descanso. Brasil, ano dois da peste. Já somos mais de trezentos e cinquenta e três mil mortos oficiais de Covid-19 e ninguém mais dá conta de atualizar as biografias dos inumeráveis. Pela primeira vez na história deste país, desde quando compramos nossa independência, morre-se mais do que se nasce.

Quando, lá em março de dois mil e vinte, éramos alertados da gravidade da pandemia, muitos de nós ainda estávamos céticos. Nutríamos a esperança de logo vencer a pandemia, de voltarmos as nossas rotinas. Houve até quem planejou férias, comprou passagens aéreas. Átila Iamarino, Natália Pasternak e tantos outros e outras alertavam, falavam em centenas de milhares de mortos. Muitos de nós: será? Segunda onda… tsunami! E de repente aqueles mesmos que gritavam “gripezinha!” agora vemos ajoelhados junto às paredes dos hospitais, com as mãos levantadas, gritando para Deus suas orações como se a razão de tudo fosse um Deus de ouvidos moucos. Oras pois, está escrito em Mateus 4:7 “não tentarás o Senhor, teu Deus”. Se Deus há, este não está surdo e por certo concedeu os meios para se evitar a tragédia: distanciamento, máscara, vacina, álcool, sabonete, lockdown, tempo para as autoridades providenciarem leitos, respiradores e sedativos. Mas eles continuam tentando; eles, os infiéis: negacionistas que não acreditam no vírus até o momento em que terão suas traqueias invadidas por um tubo. E por isso rezam aos gritos para um Deus cuja capacidade de ouvir põem à prova.

Nós vimos Papa Francisco no dia vinte e sete de março do primeiro ano da peste concedendo a indulgência plenária na benção “Urbi et Orbi” diante de uma Praça de São Pedro vazia: anoitecia e caía uma chuva fina no Vaticano e o número de mortos na Itália ainda não alcançara o milhar por dia. Mesmo para quem não comunga do catolicismo romano, a imagem soou como presságio e por alguns momentos o tempo ficou suspenso. No Brasil, sentíamos medo, drones sobrevoavam as ruas esvaziadas das metrópoles e acreditávamos que tudo seria uma questão de alguns dias: “vai passar” disse o apresentador do telejornal das vinte horas.

Hoje o Brasil somos uma ameaça sanitária global e já há países que rejeitam, inclusive, nossa correspondência. Temem que nossas cartas escondam bombas biológicas. Logo, seremos meio milhão de mortos oficialmente pela Covid-19, e muitos mais cadáveres em decorrência do colapso do sistema de saúde. Meio milhão!

Preciso confessar que quando começamos a contar nossos mortos, materializava estes números comparando-os aos habitantes das cidades que conheciam. A população das pequenas cidades dizimada. Jamais, entretanto, acreditei que chegaríamos à população de Blumenau, cidade na qual nasci, com seus trezentos e sessenta e um mil habitantes. Blumenau, com suas universidades, igrejas, shoppings, restaurantes, clubes, fábricas. Nesta semana mataremos Blumenau! E em pouco mais de um mês, repito, chegaremos ao meio milhão! Meio milhão!

E ainda há quem, em nome de Deus, tenta pô-lo à prova indo as ruas exigir que as portas dos templos se abram para os experimentos biológicos. Eu, que não sou propriamente cristão e sempre acreditei que o cristianismo reprovava o suicídio, vejo hoje cristãos – poucos, é verdade – marchando pelo direito de matarem e se suicidarem com a Covid-19. Porque é disso que se trata: os mercadores dos templos espalhando vírus, misturando cepas e propagando a morte. É como mutilar da Bíblia Mateus 4:7, Deuteronômio 6:16, Êxodo 17:7, e tantos outros trechos dos Atos aos Salmos.

É como cuspir sobre o milagre da vida!

 

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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