Na ONU, Cimi rebate afirmação do Brasil de que demarcações de terras indígenas estão avançando

 

Durante o ATL 2018, indígenas marcharam em Brasília em defesa de seus direitos originários. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi    

Os direitos dos povos indígenas no Brasil – e os ataques do governo Temer contra esses direitos – foram trazidos à discussão durante a 38ª sessão regular do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que acontece em Genebra, na Suíça. Na terça (2), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciou as graves consequências do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU) para os povos indígenas e contestou os dados apresentados pela representação do Brasil no Conselho, segundo a qual as demarcações têm avançado e os direitos indígenas são respeitados no país.

A manifestação do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) foi feita no dia 22 de junho, em resposta à declaração do Cimi e da Franciscans International durante o Diálogo interativo agrupado com o Relator Especial sobre pobreza extrema, Philip Alston, e a Relatora Especial sobre Deslocados Internos, Cecilia Jimenez-Damary.

Na ocasião, as organizações apresentaram questionamentos a respeito do sucateamento da Funai, em função do congelamento do orçamento imposto pela Emenda Constitucional 95, da militarização dos abrigos para povos indígenas que migraram para a Amazônia brasileira e da paralisação das demarcações, ligada ao “Parecer Antidemarcação” da AGU, que tem sido alvo de constantes manifestações dos povos indígenas e é considerado inconstitucional pelo MPF.

A representação do Brasil, fazendo uso de seu direito de resposta, afirmou que “462 terras indígenas demarcadas cobrem 13% do território brasileiro, uma área maior que França, Alemanha, Bélgica, Luxemburgo e Holanda combinados”.

“Estes números ocultam o fato de que há pelo menos 836 terras indígenas não demarcadas no Brasil, 306 das quais estão estagnadas e 530 das quais sem qualquer medida administrativa por parte do Estado”, contestou o Cimi, nesta terça.

A adoção do Parecer 001/2017 da AGU e, consequentemente, da tese do marco temporal, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras sob sua posse em 5 de outubro de 1988, foi apontada como um dos fatores que resultam na paralisação das demarcações de terras indígenas no Brasil.

O Cimi também apontou o Parecer Antidemarcação como uma medida que aumenta as invasões aos territórios já demarcados, a exemplo do que já vem ocorrendo no caso do povo Karipuna, em Rondônia.

Mais uma vez, o Brasil fez uso de seu direito de réplica – expediente que não permite resposta da organização replicada – para citar os mesmos números anteriores e afirmar que “o governo brasileiro está trabalhando e vai continuar seu trabalho, conforme determina a Constituição, nas demarcações de terras indígenas”.

A representante do Brasil ainda citou a publicação da portaria declaratória da Terra Indígena (TI) Jurubaxi-Téa, no Amazonas, pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, como um exemplo de que as demarcações estão progredindo.

Esta, entretanto, é uma das duas únicas portarias declaratórias publicadas durante o governo Temer, junto com a portaria da TI Tapeba, no Ceará, ambas em 2017 – e isso apesar de haver mais de 50 outras terras já identificadas que aguardam a portaria.

Temer também vai chegando ao final de seu mandato como o presidente que menos homologou terras indígenas: a única, já em 2018, foi a TI Baía dos Guató, no Mato Grosso. Enquanto isso, há mais de 60 terras já declaradas, aguardando homologação do presidente.

Combate ao racismo

Um dos temas do painel em que Cimi e Brasil se manifestaram foi o seguimento e a implementação da Declaração de Durban. A declaração firma compromissos para o combate ao racismo, à discriminação racial, à xenofobia e outras formas de intolerância correlatas e é fruto da III Conferência Mundial sobre este tema, realizada no ano de 2001 em Durban, na África do Sul, com a participação de milhares de representantes de 173 países.

“Manter a promessa da Declaração de Durban implica não esquecer os direitos dos povos indígenas”, afirmou o Cimi em sua manifestação oral.

Confira abaixo a declaração completa do Cimi:

Brasília, Genebra
2 de julho de 2018

Conselho de Direitos Humanos
38ª sessão regular do Conselho de Direitos Humanos
18 de Junho de 2018 – 11 de Julho de 2018

Item 9: Racismo, discriminação racial, xenofobia e formas semelhantes de intolerância, seguimento e implementação da Declaração de Durban e do Programa de Ação – Debate Geral

Senhor Presidente,

Manter a promessa da Declaração de Durban implica não esquecer os direitos dos povos indígenas.

Historicamente, o Brasil quase nunca adotou uma abordagem ‘terra nullius’ e, desde o Alvará Régio de 1680, protegeu as terras indígenas e proibiu o deslocamento involuntário destes povos. No período Republicano, já na Constituição de 1934, o artigo 129 assegurou aos povos indígenas a posse de suas terras, proibindo sua alienação. A Constituição atual, no quinto parágrafo do artigo 231, também assegura que “é proibido remover os povos indígenas de suas terras”.

No entanto, através do Parecer 001/2017 da Ministra Grace Maria Fernandes Mendonça, Advogada-Geral da União, o governo opera por meio do Marco Temporal, segundo o qual os povos indígenas só teriam direito às terras sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição. Este argumento equivocado tem inevitavelmente dificultado a demarcação de muitas terras indígenas, incluindo a dos povos Guarani e Kaiowá, que enfrentam extrema vulnerabilidade sociocultural.

Com esta medida, o governo brasileiro legaliza e legitima a posse de terceiros resultante da expulsão dos povos indígenas de suas terras no passado e também incentiva novas ações violentas de esbulho possessório contra esses povos, no presente. É o que já vem ocorrendo no caso do povo Karipuna.

De acordo com o discurso do governo brasileiro, 13% do território do país foi demarcado, contando 462 terras. Mas estes números ocultam o fato de que há pelo menos 836 terras indígenas não demarcadas no Brasil, 306 das quais estagnadas e 530 das quais sem qualquer medida administrativa por parte do Estado.

Nós instamos ao Brasil que reverta este cenário.

Muito obrigado.

Declaração Oral do Conselho Indígena Missionário (Cimi)

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