Na Islândia, o Partido Pirata levanta âncora

Por Tory Oliveira.

Uma nova bandeira política tremula sobre a Islândia. No Althingi, o Parlamento islandês, a flâmula de caveira com ossos cruzados que costumava causar temor agora é ressignificada diante da escalada de apoio recebido pelo Partido Pirata, defensor, entre outras causas, de reformas nas leis de direitos autorais, da manutenção da liberdade e da privacidade na rede e de uma renda mínima dada pelo governo a todos os cidadãos.

Fundado em 2012 por um grupo de ativistas, hackers e poetas, o Partido Pirata emergiu da condição de ser um pequeno grupo político radical para o topo das pesquisas de intenção de voto para as próximas eleições nacionais, marcadas para maio de 2017.

Na última sondagem, realizada pela Gallup, os Piratas, atualmente o menor partido do Althing, alcançaram 35% das intenções de voto. Desde abril de 2015, o novo partido têm conseguido lideranças sucessivas nas pesquisas, sempre pontuando acima dos 30%. Já os partidos que formam a coalização que governa atualmente o país somam 12% (Partido Progressista) e 24,4% (Partido Independente) das intenções de voto.

Caso essa intenção se concretize em votos, o Partido Pirata se transformaria em uma força política ainda mais relevante no país, reconhecido como detentor de uma das mais antigas assembleias legislativas do mundo, criada em 930 d.C.

Trata-se, por enquanto, de um promessa. Há 14 meses do pleito, a correnteza ainda pode mudar – para melhor ou para pior – para o novo partido. E eles sabem disso.

“Uma pesquisa de intenção de votos é apenas isso, uma pesquisa de opinião – e a opinião das pessoas pode ser mudada facilmente”, afirma, em entrevista ao site de CartaCapital,Ásta Helgadóttir, 25 anos, estudante de História e mais a nova representante do Partido Pirata no Parlamento da Islândia.

“Podemos terminar com 1% ou com 51%. Não tenho como prever o que acontecerá. O que tenho visto é um fluxo estável de novos e ativos membros no último ano. Então, acredito que temos um apoio fundamental da sociedade, mas é impossível dizer quanto apoio teremos daqui a um ano”, explica ela, que assumiu o cargo após a saída de Jón Þór Ólafsson.

Nascido na Suécia, o Partido Pirata é uma organização interacional que despontou com a defesa de pautas caras aos ativistas da rede, como a liberdade de informação e a reforma de leis de copyright. Foi na Islândia, porém, que os Piratas conseguiram ganhar suas primeiras eleições nacionais.

Parte do sucesso atual do Partido Pirata também pode ser creditado ao colapso do sistema financeiro que atingiu o arquipélago na esteira da crise econômica mundial de 2008. Com uma população de 320 mil habitantes, a Islândia viu seus três principais bancos abrirem falência.

Em dois anos, o PIB diminuiu 11% e o país, que antes gozava de pleno emprego, sentiu o contingente de desempregados crescer nove vezes entre 2008 e 2010. Em 2009, o pacote de austeridade imposto pelo FMI em troca de ajuda financeira foi fortemente rejeitado pela população, que obrigou o então governo a renunciar. Nas eleições antecipadas, em 2013, partidos identificados com a esquerda ganharam a maioria absoluta no Parlamento. Atualmente, a taxa de desemprego no país gira em torno de 5%.

A opção pela via institucional do Partido Pirata é justificada por Ásta. “É preciso jogar o jogo e lutar a batalha. O sistema só pode ser mudado de dentro para fora – há muitas leis que apenas podem ser modificadas por meio do sistema legislativo e essa é a maneira democrática de fazer essa mudança”, afirma. “Se não participarmos do sistema, outras pessoas o farão e o farão do jeito delas, não do seu. É por isso que é melhor participarmos do sistema em vez de ignorá-lo, especialmente se o sistema não funciona”.

Entre os feitos já conseguidos pelo Partido Pirata na Islândia está o banimento de uma lei de 1940 que considerava a blasfêmia um crime. A campanha pela mudança aconteceu após os ataques terroristas ao periódico satírico Charlie Hebdo. “A liberdade de expressão é um dos pilares fundamentais da democracia. É fundamental ter uma sociedade licre, na qual o povo possa expressar-se livremente, sem medo de punição, seja pelas autoridades ou por outras pessoas”, justificou o Partido na época da revogação.

Do ponto de vista ideológico, os Piratas navegam em águas que são uma amálgama do espectro político tradicional, ainda que ideias da esquerda liberal predominem na visão de mundo propagada por sua política central. “Ao mesmo tempo”, comenta Ásta, “há muitos liberais de direita e libertários que se identificam com a plataforma do partido. E está tudo bem com isso”.

Dois documentos procuram sistematizar (e tornar público) os princípios dos Piratas. O primeiro é o “Core Policy” (“Política Central”, em tradução livre), reunindo as principais diretrizes que deverão ser seguidas pelo partido. Essa copilação serviu de base para a criação da Plataforma Pirata – amplo manifesto em construção permanente, por meio da participação do público, que expõe as opiniões dos piratas sobre temas que vão da política sobre as drogas (encarada como um problema de saúde pública, não como caso de polícia) às políticas de bem-estar social (transformar em lei a transferência mínima de renda a todos os cidadãos), passando por decisões sobre a União Europeia e a economia.

Com três representantes eleitos para o Parlamento em 2013, o Partido Pirata centra a sua atuação política em torno de princípios como a promoção do pensamento crítico, a defesa dos direitos civis, o direito à privacidade, promoção da liberdade de informação e de expressão e, por fim, a defesa da democracia direta e do direito à autodeterminação. No Brasil, onde apenas 10% dos assentos do Congresso são ocupados por mulheres, outra característica do Partido Pirata salta aos olhos: dos três representantes eleitos, duas são mulheres.

Ásta despertou para a política aos 21 anos, após viajar para o Irã. “Percebi o privilégio de viver em uma sociedade democrática com direito à liberdade de expressão”, lembra. Em 2013, filiou-se ao Partido Pirata, atraída pela defesa de temas como a liberdade de informação. “E aqui estou, membro do Parlamento aos 25 anos de idade”, conta.

No entanto, em um mundo descrito pela própria fundadora do Partido Pirata islandês, Birgitta Jónsdóttir, como “uma mistura de 1984 com Admirável Mundo Novo”, em que a vigilância torna-se cada vez mais uma norma, como hackear o sistema?

Jogando o jogo, responde Ásta. “Isso não vai desaparecer como um sonho ruim, você não vai acordar e tudo estará bem. Agora, trata-se de uma questão de realmente tomar uma posição sobre para onde queremos que o mundo caminhe: se optarmos pelo medo, certamente terminaremos em um mundo parecido com 1984. Se optarmos pela formação, igualdade e redistribuição de poder, acredito que, em algum momento no futuro, poderemos ter um mundo no qual eu me sentiria à vontade para deixar para os meus filhos e netos”.

Fonte: Carta Capital

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