Na era da hipocrisia: um novo mundo, um novo capitalismo

Por Najar Tubino.
Essa é uma viagem sobre as conversas, debates, fóruns que ocorreram no início do ano trágico de 5126, o último ano do calendário maia. Quando dois outros calendários de povos antigos – chineses e judeus – apontam para uma coincidência histórica, o número 3. O ano do dragão 4710, na soma dos números indica 12. O ano de 5772, dos judeus, a soma é 21. Os dois resultam em 3, o número da superfície, como definiu Pitágoras de Samos ( cerca de 580/78-497/6 AC), o homem que traduziu o funcionamento do planeta em números. Será o ano em que o capitalismo vai tremer nas bases?

Aliás, só não começou, porque o Banco Central Europeu deu um presente de Natal aos 523 bancos do velho continente, a 1% de juros ao ano, com três de prazo para pagamento. A dose foi reforçada no apagar das luzes de fevereiro com mais 530 bilhões de euros, nas mesmas condições. Uma medida com objetivo de evitar uma quebradeira maior que a do Lehman Brothers, em 2008.

Portanto, essa é a viagem na era de impostura, da falsidade, das falsas devoções, a era da hipocrisia, a nossa própria era capitalista.

O “Super Mário”, como os articulistas do mercado financeiro apelidaram o italiano Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, nos anos 2002-2005 ocupou uma diretoria do Goldman Sachs. Foi ele o responsável pela muralha de dinheiro, que impediu a falência do sistema bancário europeu. O Goldman, por sua vez, está em recessão teve que cortar o salário do chefe, LLoyd Blankfein pela metade – U$S 7 milhões.

Enquanto isso, no mundo emergente, o Brasil começa a preparação da Rio +20, conferência da ONU, pretende reunir 50 mil pessoas e 150 chefes de estado, na visão dos diplomatas que coordenam a organização. O orçamento do evento foi aprovado pelo Congresso Nacional no final de 2011: são R$ 430 milhões, sendo R$ 230 milhões para segurança, 190 milhões para logística, 30 milhões para aluguel de espaços, como o Riocentro. onde se concentrarão as discussões. Na cidade do Rock, as estandes das empresas sustentáveis – bancos, mineradoras, petrolíferas, montadoras, varejistas. No aterro do Flamengo, o “Território do Futuro”, onde os representantes da sociedade civil encaminharão suas propostas.

Passaram 40 anos, o futuro virou presente

“Uma Terra Só”, foi o lema da primeira conferência da ONU, em Estocolmo, na Suécia, em 1972. Resumia a preocupação com o futuro do planeta e as alternativas para resolver a situação. No mesmo ano, um grupo de empresários, cientistas e técnicos, lançavam os “Limites do Crescimento”, pelo Clube de Roma, anunciando o desastre se os métodos de crescimento econômico não mudassem em 100 anos. Como todo documento europeu, tinha uma preocupação com o crescimento da população, diga-se, dos pobres, e da possibilidade de não haver matéria-prima suficiente para todos.

“Nosso Futuro Comum”, foi um outro documento da ONU, liderado por uma dirigente da Dinamarca, na Comissão Bruntland. Em 1997, na Rio +5, quando as entidades da sociedade civil colocaram um “mentirômetro” na porta do hotel no Rio, onde o evento acontecia, o lema tratava do “futuro que queremos”. Um novo mundo de paz, crescimento justo, fim da miséria, uso de energia limpa, uma economia de baixo carbono.

Em 2011, a ONU anunciou que dos 24 serviços ambientais que recebemos gratuitamente do planeta, 60% estão degradados. O Programa do Meio Ambiente da ONU (PNUMA), anunciou que precisamos de U$S 1,3 trilhão, para promover a economia de baixo carbono em 10 setores chaves, como indústria, transporte, energia e agricultura.

Amnésia à beira mar

Aproveitei a onda de calor de Porto Alegre, conhecida atualmente por Forno Alegre, a maior seca em 60 anos, mais a onda de frio na Europa do leste, e repassei os documentos aprovados e anunciados com suas metas estabelecidas, nos últimos anos. Principalmente, na Eco-92, considerada a maior conferência do gênero, e reuniu 120 chefes de estado, 4 mil ONGs e 15 mil pessoas, no mesmo Rio de Janeiro. Os burocratas que organizam anualmente esses eventos têm uma preferência clara por cidades à beira mar, como Cáncun, onde realizaram a conferência climática de 2010, ou Durban, na África do Sul, no ano passado. Evento que enterrou o Protocolo de Kyoto, desde o anúncio da negativa de participação da Rússia, Canadá e Japão, na próxima etapa.

Kyoto foi aprovado no Japão com a presença de 170 chefes de estado, em 1997. Só entrou em vigor em 2005, quando a Rússia resolveu aderir, dando assim a percentagem final – mais de 50% das emissões de gases estufa -, necessária à implantação. Porém, a amnésia é um dos ingredientes nos eventos dessa natureza.

Agenda 21: 800 páginas, 40 capítulos

Eu não li as 800 páginas de documentos aprovados na Eco 92, na chamada Agenda 21, com quatro seções e 40 capítulos. ´Li um resumo de 160 páginas do professor José Carlos Barbieri, da Escola de Administração, da Fundação Getúlio Vargas. O documento foi chamado de “Guia da Humanidade”. E realmente era. A primeira seção abordava as dimensões sociais do desenvolvimento sustentável, a cooperação internacional, padrão de consumo, população, saúde. Tem sete capítulos. A seção II tem 14 capítulos, envolve as dimensões ambientais, a atmosfera, os oceanos, os ecossistemas frágeis, a biodiversidade. A seção III engloba os grupos sociais envolvidos, mulheres, jovens, índios, trabalhadores, empresários, ONGs. E a seção IV refere-se aos meios para implantar os programas e as atividades recomendadas nas seções anteriores, incluindo recursos financeiros, transferência de tecnologia, educação.

Diz o professor Barbieri:

– Cada capítulo apresenta, via de regra, uma introdução ao problema e as áreas de programas de ação com objetivos, atividades e meios de implementação, com as estimativas de recursos financeiros necessários”.

Os países ricos, que ainda são os mesmos, se comprometeram a doar 0,7% do PIB, na época o volume da economia mundial estava em torno de U$S 16 trilhões, o que dava uma verba de U$S 112 bilhões ao ano. Mas as estimativas da Agenda 21 apontavam que seriam necessários em torno de U$S607 bilhões por ano, durante o período 1993-2000, na implantação da atividades recomendadas, em vários de seus capítulos.

Reinventar a civilização industrial – em 1997

Mais uma citação do professor Barbieri:
– Muito do que foi tratado na Agenda 21 e em outros documentos aprovados na CNUMAD ( a conferência de desenvolvimento sustentável) não saiu do papel. Muitos chefes de governo apoiaram propostas e acordos internacionais contrários as suas convicções e compromissos partidários, face às pressões exercidas pela exposição dos temas na mídia internacional e a vigilância ruidosa de muitas ONGs, mas pouco fizeram para ratificá-los e implantá-los em seus países”.

Maurice Strong, ex-dirigente do Banco Mundial, foi o presidente do Conselho da Terra, em 1997:

– Precisamos reinventar a civilização industrial, anunciava ao público, que produziu riscos para a sobrevivência da espécie humana… a mais bem sucedida, mas sem controle. Nosso futuro está em nossas mãos, podemos gerar uma era de boas notícias para a família humana”.

Mikail Gorbachev, um líder ainda respeitado dizia: ” a civilização chegou ao seu fim, exauriu suas possibilidades. Temos que chegar a um consenso sobre novos valores”.

Ainda em 1992, 140 ganhadores do Prêmio Nobel, lançaram um documento onde afirmavam:

– Com as tecnologias atuais em 30, 40 anos acontecerão mudanças irreversíveis na biosfera. Até 2015, no ritmo atual, podem desaparecer entre 1 e 11% das espécies nas florestas tropicais, com taxas de desmatamento acima de 15 milhões de hectares ano, ou 150 mil km2″.

Na Amazônia se desmatou mais de 20 mil km2 por ano, nesta época. As espécies sumiram, e grande parte das florestas também. Vieram os anos do neoliberalismo, da globalização do sistema financeiro, das privatizações do mundo em desenvolvimento, a era Bush, duas invasões de países, com mais de U$S 2 trilhões em gastos na guerra ao terror. A economia gera U$S 45 trilhões de riquezas, 1 bilhão de pessoas passam fome, dois bilhões não tem água, dois terços dos americanos estão acima do peso.

Indústria de embalagem fatura u$s 739 bilhões

Mais de um bilhão de carros, com cinco novas montadoras se instalando no Brasil, o quarto mercado mundial de veículos. Os EUA comemoram o renascimento das montadoras nativas (GM e Chrysler, sob comando da Fiat). Em 2012, a meta é vender 13,9 milhões de carros, quando vendiam 17 milhões em 2007. Não vão alcançar a China, com seus 18 milhões. Qual será a meta da indústria mundial de veículos: 2 bilhões de carros. Quem sabe 3 bilhões? Como será São Paulo com 12 milhões de carros, o dobro da frota atual?

Vejamos as estratégias definidas pela Agenda 21:

– Estimular o uso mais eficiente de energia e recursos, reduzir os resíduos ao mínimo, estimulando a reciclagem, redução do desperdício na embalagem de produtos e a introdução de novos produtos ambientalmente saudáveis. Estabelecer políticas de preços que incorporem os custos ambientais. Reforço aos valores que apoiam o consumo responsável, através da educação, de programas de esclarecimento público, publicidade de produtos ambientalmente saudáveis”.

A indústria de embalagens no planeta vai faturar U$S 739 bilhões até 2014, 60% com embalagens para consumo, uma parte, em embalagens de papel, onde o consumo cresce mais, junto com papel higiênico. A Stora Enso, com 85 fábricas no mundo, no Brasil participa da Veracel, na Bahia, está transferindo sua sede mundial, na área de negócio de Biomateriais, para um escritório no Itaim Bibi, capital paulista.

No volume de U$S 447 bilhões de dólares gastos em publicidade no mundo, talvez, uma mínima percentagem seja destinada aos produtos “saudáveis”.

Um novo chamariz

Hipocrisia ainda é um termo muito polido e educado como retrato das condições atuais do planeta. Por exemplo: o PNUMA, com sede em Nairóbi, no Quênia, responsável pelos programas de meio ambiente da ONU, tem um orçamento em torno de U$S 100 milhões, e 80 países, dos 193 da entidade, participam. As verbas são doadas por contribuições do Japão e do Reino Unido. Não tem o poder da Organização Mundial de Saúde para definir leis e regulamentações sobre qualquer assunto ligado a sua área. Então, qual a nova ideia para atrair os chefes de estado ao Rio de Janeiro: a criação da agência internacional do meio ambiente. Ideia que nem o Brasil, o anfitrião, concorda. Mas dá, vamos dizer, um novo chamariz ao evento.

O tema da Rio+20 é “desenvolvimento sustentável no contexto da erradicação da pobreza”. O debate, entre os diplomatas brasileiros, e europeus, principalmente, é sobre a orientação das discussões. Mais para o lado ambiental, como querem os europeus, ou para a “economia verde”, como defendem os brasileiros. Muitos debates estão acontecendo pelo país.

Entidade como a Confederação Nacional da Indústria, a Confederação Nacional da Agricultura, o Instituto Ethos, onde participam grandes empresas, a Associação Brasileira de Agronegócio. Esta última realizou um debate no Mackwsoud Plaza, em São Paulo com o título “Despertar para a Rio +20”, onde o ex-ministro da Agricultura, além de agricultor e dirigente da Fiesp, Roberto Rodrigues, opinou que “tem muito medo dessas reuniões gigantes se transformarem em uma imensa masturbação intelectual”. O presidente da Abag, Luiz Carlos Carvalho disse que o tema do encontro não é o meio ambiente, mas a sustentabilidade.

Crédito para reserva legal com eucalipto

Já a presidente da Associação Nacional da Indústria de Papel e Celulose, Elizabeth Carvalhães, defendeu a recuperação das áreas degradadas e a concessão de crédito para os produtores, além de um código florestal moderno. Reserva legal para eles é plantio de eucalipto, é a monocultura industrial, que insistem em chamar de floresta. Tem mais: ainda pretendem colocar as “florestas” como sumidouro de carbono, porque sugam 1 bilhão de toneladas de CO2. Se fosse descrever o esquema industrial com seus aditivos químicos, o principal deles o cloro, usado no branqueamento da celulose e do papel, com seus derivados como a dioxina, ia faltar espaço.

O Instituto Ethos definiu nove diretrizes e três metas para a Rio+20: economia verde, redução das desigualdades e combate à corrupção. As diretrizes são todas cópias da Agenda 21. Aliás, esta é a questão, Talvez fosse muito mais sustentável distribuir aos participantes uma cópia das 800 páginas, já definidas e não implantadas, 20 anos atrás.

Programados para quebrar

Mas a vida segue. E a economia também. O capitalismo reinante ainda é o da obsolescência programada, conforme o caderno especial do jornal Valor Econômico, publicado no final de janeiro. Obsoleto, que está em desuso, saiu da moda, ou como deve ser aplicado o termo atualmente- programado para quebrar. É assim que funciona a indústria do século XXI. O período para troca de geladeira e lavadora de roupas era de 10 anos. Agora é de 5,6 anos.

Em 2009, foram lançados 163 modelos de televisores de tela plana. Em 2011, foram 256. A oferta dos tipos de celulares: de 116 para 175. De computadores de mesa – de 476 para 835. Em 2005, a LG tinha quatro modelos de fornos de micro-ondas, hoje, são 120. A outra coreana, a Samsung tinha 10 passou para 200. A explicação da indústria é a seguinte: a taxa da obsolescência encurta à medida que a inovação tecnológica acelerou e o processo de produção ficou mais barato.

O cálculo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) é que o lixo cresce a um ritmo maior do que a população, 6,9% em 2010. No Brasil a produção de lixo alcança 60 milhões de toneladas ano, sendo 60% destinado a aterros sanitários e 40% aos lixões.

50 bilhões de aparelhos conectados

A quebra programada de produtos foi uma estratégia da indústria lançada após a segunda guerra mundial. Faltavam consumidores, então, o negócio era fazer os mesmos, comprarem novamente, novos produtos. Vamos dar uma reforçada com os números dos produtos eletrônicos adorados pelos modernos consumidores das metrópoles, das cidades pequenas, vilarejos. Em 2012, serão vendidos 103 milhões de tablets, a última maravilha da era digital. As vendas de pcs, computadores de mesa, deverá crescer 4,5%, para cerca de 370 milhões de unidades. E a Intel lançou na feira de Las Vegas, a maior de eletrônicos, o ultrabook (registrou o nome), para concorrer com smartphone e tablet – é um laptop mais fino, mais rápido, mais sensual, mais…

Serão vendidos, segundo a empresa de pesquisa Gartner INC., 657 milhões de smartphones em 2012. Já existem 800 milhões ativos. Computadores são 1,5 bilhão e logo chegaremos aos 2 bilhões. Segundo a multinacional de equipamento Ericsson, existem 7 bilhões de dispositivos conectados no mundo, isso inclui, telefones, computadores, eletrodomésticos, carros lâmpadas, sapato, vou sugerir – vaso sanitário -. Em 2020, serão 50 bilhões.

– A seu modo, informa a empresa, cada um desses itens precisará de componentes que permitam a eles se conectarem a redes, exibir informações ou até mesmo processar alguns dados”.

Blackberry virou crackberry

A Intel domina 80% de chips para computadores no mundo, e teve receita de U$S 43 bilhões, em 2010. O aparelho da Rim, empresa canadense, conhecido por Blackberry ganhou um apelido no mercado de executivos, logo ele, que era o brinquedinho favorito dos executivos abonados: “crackberry”. Recentemente a Volkswagen, que pretende ultrapassar a Toyota na produção de carros no mercado global, produzindo mais de 8 milhões de unidades, lançou um comunicado, depois de acordo com os sindicatos, onde os funcionários só podem receber telefonemas de trabalho ou email, 30 minutos antes e após o expediente. O presidente executivo da Volks, Martin Winterkorn parabenizou os trabalhadores ao completarem 38 turnos extras e por terem produzido 50 mil veículos adicionais, no final de 2011.

Emergentes aquecidos representam 67% do crescimento da economia mundial, segundo o Goldman Sachs, e somarão 59% de todo o PIB global em 2030. Seus cidadãos botaram o pé na estrada, entupiram aeroportos e baixaram em Nova York com toda a força; a cidade recebeu 50 milhões de turistas, 655 mil brasileiros, que só estão atrás de ingleses e franceses, em gastos.

Os brasileiros vão às compras no exterior, gastaram U$S 21 bilhões, enquanto os estrangeiros não gastaram 7 bilhões nas belezas tupiniquins. Contando o juro das prestações e dos cartões de crédito gastos internamente, a montanha cresce muito. Segundo o professor Yoshiaki Nakano, da Escola de Economia de SP, da Fundação Getúlio Vargas, os brasileiros pagam por ano R$130 bilhões em juros. O cara compra um veículo, paga dois, uma máquina de lavar, também, uma televisão de tela plana, também.

Uma falha tão grave no mercado

É por isso, que dois economistas de mercado, fãs de carteirinha, como assinalou Eduardo Giannetti da Fonseca, professor do Insper, e André Lara Resende, um dos criadores do Real, abriram o verbo. Primeiro Giannetti, em entrevista ao Valor:

– Eu, que sou fã da economia de preços e de mercado, hoje, percebo que ela padece de uma cegueira absurda, que é o modelo como usamos os recursos ambientais. O sistema de preços é completamente omisso em relação ao custo ambiental de nossas escolhas de produção e consumo. Não sinaliza a gravidade de que estamos fazendo com, o espaço biológico de que nossa vida depende”.

Outro trecho:
– O sistema de preços vai ter de mudar. Ele padece de uma falha tão ou mais grave no longo prazo do que o planejamento central. Nunca imaginei que diria isso na vida. É muito sério e está em tudo. Nunca se imaginou que o sistema de preços e a economia competitiva de mercado, capaz de gerar riqueza, tivesse uma falha tão grave”.

Giannetti cita um exemplo sobre o aparelho de ar-condicionado nos Estados Unidos. Em 1960, 80% dos condomínios não tinham ar condicionado, o equipamento era caro e o custo de energia elevado. Hoje, 84% dos condomínios têm o aparelho. Entre 1993-2005 a eficiência energética do ar-condicionado aumentou 20%, enquanto o consumo médio por aparelho aumentou 35%. Ficou tão barato que os donos deixam o aparelho ligado.

– A China, entre 1997 e 2007, triplicou o número de aparelhos. Vai crescer 10 vezes o uso de ar-condicionado entre 2005-2030. Com o compressor cada vez mais barato e a eficiência maior, o consumo de energia vai aumentar. Essa conta não fecha. Tecnologia não é a resposta”.

Economia mundial será obrigada a parar de crescer

No final de 2011 a China fechou uma outra conta: 690 milhões de cidadãos do país estão morando em cidades, contra 656 milhões continuam no campo. Em 1979, 81% dos chineses moravam na zona rural. No mundo, dos 7 bilhões, 51% moram na zona urbana.

André Lara Resende escreveu um longo artigo para o Valor – Os novos limites do possível – , onde trata do mesmo tema, um pouco mais profundamente. Citando o ex-ativista do Greenpeace, agora professor de sustentabilidade da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Paul Gilding, lançou recentemente um livro sobre o destino do modelo econômico atual.

Lara Resende destacou a tese do professor inglês:
– A economia mundial será obrigada a parar de crescer. Como não houve uma transição antecipada, como não nos preparamos para uma economia estacionária, seremos obrigados a enfrentar uma parada brusca, profundamente traumática. O momento da tomada de consciência do fim do crescimento e da necessidade de uma profunda reorganização da economia não está longe. Questão de, no máximo, mais uma década. Diante da falha do sistema de preços e da incapacidade de tomarmos medidas preventivas, chegamos ao limite sistêmico. As múltiplas dimensões desse limite estão todas interligadas. Ao romper-se uma delas o processo se acelera e aumenta a probabilidade de que outros também venham a ser rompidos”.

Para completar o raciocínio, segue Lara Resende:
– Atingimos o limite físico do planeta. Para evitar uma catástrofe de grandes proporções seremos obrigados a tomar medidas de emergência, extremamente duras, com o estabelecimento de cotas. Seremos obrigados a reconhecer o que, apesar das evidências, nos recusamos a ver: não há como viabilizar 7 bilhões de pessoas, com o padrão de consumo e as aspirações do mundo contemporâneo, nos limites físicos da Terra. O crescimento baseado na expansão do consumo de bens materiais está no seu capítulo final. A eventual parada súbita da economia chinesa seria a pá de cal na esperança de uma saída harmoniosa, para o impasse em que a economia mundial se encontra”.

Resumindo: o crescimento pode não ser mais a opção de saída para a crise. Lara Resende ainda alerta que não está se discutindo nem uma abordagem nova sobre o tema: “o mecanismo psicológico de autoengano, da negação dos fatos, segue inabalável”.

Livrar o capitalismo do lado sombrio

Não se pode chamar nem Gannetti nem Resende, já trabalhou como banqueiro, de ecologistas ou ambientalistas. É por estas e outras, que o debate sobre o rumo do capitalismo entrou em vários fóruns. Em Davos, a elite econômica chegou pessimista, mas se animou com os 489 bilhões de euros do BCE, “uma inundação de liquidez”, como comentaram.

O executivo chefe da empresa de consumo Unilevar, concorrente da P&G, com faturamento de 46 bilhões de euros, Paul Polman, disse que o capitalismo e o livre mercado devem ser mais sensíveis a questões sociais: “é inaceitável que 200 milhões de pessoas estejam desempregadas”. A Revista Time e a BBC, de Londres, animaram acirrados debates sobre a fórmula de “corrigir o capitalismo”.

David Rubenstein, um dos fundadores do Carlyle Goup, um dos maiores administradores de fundos do planeta, que embolsou 400 milhões de dólares em salários e bônus, junto com dois de seus sócios no final do ano passado, estava preocupado:

– O capitalismo é o melhor sistema para o mundo, é preciso melhorar as leis e regulamentações para que o sistema seja justo. Temos que investir em inovação e educação.”.

Angel Gurria, secretário geral da OCDE, organização que reúne os países ricos, disse que “precisamos livrar o capitalismo do seu lado mais sombrio”. Qual deles? Na Europa o índice de desemprego da Espanha é de 22,9%, sendo que as pessoas com até 25 anos 48,7% estão desempregadas. Na Grécia o índice é de 19,2%, na Irlanda de 14,5%. Enfim, a média europeia é de 10,4%.

Novo capitalismo: conectado e transgênico

José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, declarou: “não podemos aceitar que 25% dos jovens da Europa estejam desempregados”.
Mas o melhor da festa em Davos, o requintado retiro dos abastados nos Alpes suíços, estava destinado aos representantes norte-americanos. A deputada democrata Nita Lowey, de N. York foi incisiva:
– Os Estados Unidos estão determinados a manter sua força militar e ser o poder predominante no século XXI”. E o republicano (senador) Bob Corker completou:

– Os americanos não estão psicologicamente preparados para ter um papel secundário nos assuntos globais”.

Como o dono da bola num jogo de futebol, americanos e europeus estão dizendo o seguinte – a bola é minha, só eu ganho. Sem concorrência. Senão, acaba o jogo. No caso do maior aparato militar do planeta, isso pode ter um significado tenebroso.

Chegamos ao novo capitalismo. Depois da quebradeira ou das explosões dos ricos. Como funcionará o novo sistema? Conectado, logicamente. E também transgênico, conforme a previsão da indústria química, que também é a dona das empresas de sementes. Elas plantam 160 milhões de hectares, 30 milhões no Brasil, que é o país que mais investe em transgênicos do mundo em desenvolvimento, onde os índices não param de crescer. A indústria já tem quase 40% do mercado de sementes, que gira U$S 37 bilhões – o dado de 2011 é 13 bilhões. Ela vende uma semente transgênica e um veneno definido, só a planta é imune.

Mark, do facebook: a minha ação vale 10

Vai ser conectado porque são as empresas que mais crescem. O lucro da Apple foi de U$S 25 bilhões, no ano passado. A Google tem U$S 40 bilhões em caixa. O Facebook, do jovem Mark Zuckerberg vai lançar ações na bolsa e pretende captar U$S 5 bilhões. A empresa faturou 3,7 bilhões de dólares, mas a especulação diz que vale U$S 100 bilhões. O Goldman Sachs, na dúvida, investiu U$S 1 bilhão antes de começar a corrida. O mesmo fez o príncipe Alwaleed Bin Talal, saudita, sobrinho do rei Abdulah, investiu U$S 300 milhões no Twitter. Zuckerberg, como novo capitalista, frugal, de jeans, camiseta e tênis, continua com práticas antigas, usada pelo usineiro Rubens Ometto, quando registrou a Cosan Limited, nas Ilhas Bermudas: as ações dele valiam 10 vezes mais do que as vendidas em bolsa. Dessa forma, com 10% do capital ele tinha o controle da empresa. Não é que o rapaz fez a mesma coisa. E ainda vai ser o presidente executivo e do conselho de administração, medida que não passaria nas regras do novo mercado da Bovespa. A diferença com Ometto é o tamanho do salário – o usineiro ganha R$ 13 milhões como presidente do conselho da Raízes (Cosan mais Schell), e Zuckerberg apenas U$S 1,49 milhão por ano.

Se os preços forem internalizados, ou seja, cobrados os custos reais, envolvendo poluição, destruição de ecossistemas, tratamento dos empregados ou colaboradores, como queiram, a Apple vai fechar as portas. Numa pesquisa interna recente, constatou que 62% dos fornecedores tem algum tipo de prática ilegal, principalmente no quesito relações com trabalhadores.

Na era digital, escravos montam aparelhos

Não é por menos. Quase 50% do mercado de produtos eletrônicos terceirizados, inclui, iphone, ipad, Xbox360, da Microsoft, e outros tipos de consoles de jogos são fabricados pela Foxconn, de Taiwan. A empresa é controlada por Terry Gou, de 61 anos, recém casado pela segunda vez, com uma bailarina 20 anos mais moça. Em agosto do ano passado, Gou deu uma festa no maior complexo industrial da corporação em Shenzen, na China. Se misturou a multidão de trabalhadores que dançavam “break”, dança de rua americana. Depois anunciou que no futuro suas fábricas terão um milhão de robôs nas linhas de montagem.

A Foxconn tem um milhão de empregados, alguns se suicidaram em 2011 (l4 ou l8, conforme a fonte). Ele mandou instalar redes de arame para cercar os edifícios-dormitórios, onde até 300 mil pessoas vivem.

Um trabalhador da Foxconn, que faturou U$S 80 bilhões em 2011, trabalha 12 horas por dia de segunda à sábado, e ganha pouco mais de 200 dólares por mês – antes dos suicídios eram 1.190. Sem a mão de obra escrava da China o capitalismo acaba no outro dia.

O maior ideólogo e articulista do Financial Times, porta-voz do mercado financeiro, também entrou na defesa do capitalismo. Escreve um longo artigo indicando as sete lições para corrigir o capitalismo, que ele considera a ideia mais brilhante da humanidade: em síntese, corrigir as práticas irregulares, fazer os ricos pagarem os impostos, distribuir a tributação não para os perdedores, faz questão de registrar, mas para os filhos dos perdedores – o problema já é genético. E termina com um apelo: “esforcemo-nos para torná-lo melhor”. Quem sabe com um pouquinho maior de esforço, não acabamos logo de enterrá-lo. Esqueci de acrescentar a data, completa dos maias : 21 de 12 de 2012, na soma 11. Número da ruptura ou o início de novos tempos.

Najar Tubino é jornalista.

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