Museus prestigiam as artistas negras que a história esqueceu

por Priscilla Frank.

No primeiro dia do Mês da História Negra, as boas pessoas do Google abençoaram a internet com um desenho em homenagem a Edmonia Lewis, a primeira mulher de origem afroamericana e indígena americana a ser mundialmente reconhecida como escultora de belas-artes.

Lois Mailou Jones, “Ode to Kinshasa,” 1972, mixed media on canvas, 48 x 36 in. / Foto: National Museum Of Women In The Arts, gift of the artist; C. Lois Jones Mailou

Lewis, que cresceu enquanto a escravidão ainda era legal nos Estados Unidos, ficou conhecida por suas esculturas de mármore de abolicionistas influentes e figuras mitológicas. Em parte porque ela criou todas suas esculturas à mão, hoje restam poucos originais ou reproduções intactos. Ela morreu em 1907, relativamente desconhecida, e até hoje é menos conhecida que muitos de seus contemporâneos homens e brancos.

Esta homenagem merecida a Edmonia Lewis nos levou a pensar nas outras artistas negras cujas contribuições para a história da arte foram igualmente passadas por cima ou subvalorizadas. Pedimos a ajuda de museus de todo o país, indagando quais artistas passadas e presentes merecem nossa atenção. Veja abaixo nove dessas artistas.

Pat Ward Williams (nascida em ???1948)

Pat Ward Williams é fotógrafa contemporânea, residente em Los Angeles, cujo trabalho explora a vida pessoal e política dos afro-americanos. Ela buscou inicialmente romper com o modo em que a vida dos negros normalmente era captada pelas câmeras. “Sempre aparecíamos como sendo dignos de pena, como vítimas”, ela disse ao “LA Times”. “Eu sabia que era uma pessoa feliz. Havia aspectos da comunidade negra que não eram mostrados.”

Procurando romper com a tendência passada da fotografia de deter-se sobre a superfície, Williams incorpora outros materiais e metodologias em seu processo, produzindo colagens de materiais diversos que repunem passado e presente, história e imaginação.

Seu trabalho mais famoso, mostrado acima, traz uma foto de um negro amarrado a uma árvore, tirada de uma edição de 1937 da revista “Life”. “Quem fez esta foto?”, escreve Williams nas margens da foto. “Como esta foto pode existir?”

Jamillah James, curadora do Instituto de Arte Contemporânea, em Los Angeles, escreveu ao Huffington Post: “As meditações complexas e prescientes de Pat Ward Williams sobre raça, história e representação, como seu trabalho de referência ‘Accused/Blowtorch/Padlock’ (1986), possuem urgência e relevância especiais no clima cultural atual. Seu trabalho que combina fotografia, materiais encontrados (objets trouvés) e texto, engaja o espectador em um cabo de guerra perceptivo entre o que ele vê, suas próprias associações e o peso da história.”

Cortesia do Institute of Contemporary Art, Los Angeles.

Loïs Mailou Jones (1905–1998)

Loïs Mailou Jones foi uma pintora de Boston cuja carreira farta durou 70 anos e abrangeu a América do Norte, Europa e África. Seu estilo eclético se modificou ao longo do tempo, tirando inspiração de máscaras africanas, paisagens impressionistas francesas e desenhos haitianos coloridos. Participante ativa do movimento do Renascimento do Harlem, ela usou elementos visuais vibrantes para intensificar a urgência de seus trabalhos politicamente carregados, que tratam das alegrias e dificuldades da vida negra.

“Minha exploração é silenciosa”, disse a artista, “uma busca por novos significados em cores, texturas e desenhos. Embora eu às vezes retrate cenas de pessoas pobres e sofridas, pintar é uma alegria enorme.”

Ao longo da vida, Jones sofreu discriminação como artista negra. Quando começou a expor seus trabalhos, pedia a amigos brancos que os levassem a exposições, procurando ocultar sua identidade negra. Ela o fazia por uma razão: segundo o “New York Times”, Jones teve um prêmio rescindido quando a entidade que o concedeu soube que ela era negra.

Depois de lecionar numa escola de arte afro-americana na Carolina do Norte, onde vigorava a segregação racial, Jones acabou conquistando um cargo na Universidade Harvard, em Washington, onde lecionou por 47 anos. Continuou a pintar e expor seus trabalhos mesmo depois de se aposentar, até sua morte aos 93 anos. Embora não seja um nome amplamente conhecido, sua arte continua viva em instituições prestigiosas como o National Museum of American Art, o Metropolitan Museum of Art e o Museum of Fine Art, de Boston.

Cortesia do Smithsonian American Art Museum e do National Museum of Women in the Arts.

Alma Thomas (1891–1978)

Alma Thomas nasceu em Columbus, Georgia, e se mudou para Washington com sua família quando criança, para fugir da violência racial no Sul dos EUA. Interessada em arte desde a infância, ela foi a primeira aluna a formar-se na Universidade Harvard com diploma em belas-artes. Em Harvard ela estudou com Loïs Mailou Jones, mas adotou uma estética própria.

Seu estilo inclui elementos do expressionismo abstrato e da escola de cores de Washington, inspirando-se no esplendor da natureza para criar telas não figurativas, dotadas de vitalidade suave. Sua grande fonte de inspiração era seu jardim, e ela acompanhava com fascínio a mudança gradual do cenário à sua volta.

“Peguei umas aquarelas e alguns lápis de cera e comecei a brincar com eles”, ela comentou. “Manchas de cores que foram se espalhando muito livremente – foi assim que tudo começou. Todas as manhãs desde então, o vento me oferece novas cores vistas através das vidraças.”

Jones lecionou no ensino médio durante a maior parte da vida, criando arte em seu tempo livre. Teve sua primeira mostra aos 74 anos de idade, tornando-se mais tarde a primeira artista mulher a ter uma exposição solo no The Whitney.

Cortesia do Smithsonian American Art Museum.

Laura Wheeler Waring (1877–1948)

Filha de um pastor e uma professora, Laura Wheeler Waring cresceu em Hartford, Connecticut e se interessava por arte quando criança. Em 1914 ela viajou à Europa, onde estudou a obra dos grandes mestres da pintura no Louvre e, especificamente, o trabalho de Claude Monet. Retornando aos EUA devido às pressões da Primeira Guerra Mundial, ela lecionou e dirigiu os departamentos de arte e música da Escola Cheyney de Formação de Professores.

Embora criasse paisagens e naturezas-mortas, Wheeling é conhecida sobretudo por sueus retratos, tendo pintado americanos negros com dignidade e força. Sua série mais conhecida é “Retratos de Cidadãos Americanos Destacados de Origem Negra”, de 1944, que incluiu retratos de W.E.B. Du Bois, Marian Anderson e James Weldon Johnson.

Durante o Renascimento do Harlem, Waring também contribuiu com a revista “The Crisis”, da NAACP (Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor), colaborando com ativistas para promover o debate de questões políticas candentes. Um ano após sua morte, a Howard University Gallery of Art promoveu uma mostra de sua obra.

Cortesia do Brooklyn Museum e do Smithsonian American Art Museum.

Barbara Chase-Riboud (nascida em 1939)

Nascida na Filadélfia, Barbara Chase-Riboud começou a ter aulas de arte ainda criança. Quando era estudante na Escola Tyler de Arte da Universidade Temple, ela vendeu uma xilogravura do Museum of Modern Art de Nova York. Ao formar-se na universidade de Yale com um mestrado em belas-artes, Chase-Riboud já tinha uma escultura exposta no Carnegie Mellon Institute.

Ela é conhecida por suas esculturas de grandes dimensões feitas de metal fundido e cobertas por meadas de seda e lã, como crias estranhas de uma armadura e uma saia de bailarina. Fortes, fluidas e femininas e ao mesmo tempo mecânicas e naturais, as obras belíssimas tornaram-se símbolos de força feminina, além de manifestações visuais de transformação e integração.

“Adoro a seda. É um dos materiais mais fortes do mundo, tão duradouro quanto o bronze”, comentou a artista. “Não é questão de um material fraco versus um material forte. A transformação que ocorre nas estelas não acontece entre dois elementos desiguais, mas entre duas coisas iguais que interagem e transformam uma à outra.”

A artista, que hoje vive em Paris e Roma, é também poeta e romancista premiada, conhecida por seu romance histórico Sally Hemings (1979), sobre o relacionamento não consensual entre o ex-presidente dos EUA Thomas Jefferson e sua escrava Sally Hemings.

Cortesia do The Studio Museum, no Harlem.

Nancy Elizabeth Prophet (1890–1960)

Nancy Elizabeth Prophet foi criada em Rhode Island, filha de mãe afro-americana e pai indígena de origem Narragansett-Pequod. Ela estudou pintura e desenho, especialmente retratos, na prestigiosa Escola de Design de Rhode Island; para pagar a escola, trabalhou como empregada doméstica. Formou-se no período do Renascimento de Harlem.

Em 1922 Prophet se mudou para Paris, em parte por estar frustrada com o racismo deslavado do mundo das artes americanas. Chegou a Paris exaurida e sem dinheiro, mas se revigorou criativamente com a mudança de ares e começou a criar retratos esculturais com materiais como madeira, mármore, bronze, gesso e argila. O historiador de arte escreveu sobre seus trabalhos, em comentários citados na obra Notable Black American Women: “O orgulho que esta escultora sente em sua raça se resolve em uma intimação de conflito nobre marcando os traços de cada busto esculpido”.

Apesar de suas esculturas serem expostas em salões da alta sociedade, Prophet continuou sem posses, fato que acabou obrigando-a a voltar aos Estados Unidos. Ali ela continuou a enviar suas esculturas a galerias e concursos, ao mesmo tempo em que lecionava arte na Universidade de Atlanta e no Spelman College. Consta que levava um galo vivo à sala de aula para ensinar seus alunos a desenhar.

Prophet acabou voltando a viver em Rode Islanda –novamente, em parte, para fugir da segregação racial–, e a partir desse momento sua vida artística se desacelerou muito. Poucas de suas esculturas têm paradeiro conhecido hoje. Uma delas faz parte do acervo permanente do The Whitney, em New York City.

Cortesia do Brooklyn Museum.

Maren Hassinger (nascida em 1947)

Nascida e criada em Los Angeles, Maren Hassinger começou a dançar aos 5 anos de idade. Pretendia continuar a estudar dança no Bennington College, mas acabou optando pela escultura. Ela se formou na UCLA em 1973 com mestrado em arte com fibras.

Em seu trabalho, Hassinger reúne elementos da cultura, performance, vídeo e dança para investigar a relação entre os mundos natural e industrial. Os materiais que emprega mais comumente incluem arame, corda, lixo, folhas, caixas de papelão e jornais velhos, frequentemente dispostos de modo a incentivar o movimento, como se as próprias esculturas estivessem dançando.

Seu trabalho explora questões pessoais, políticas e ambientais numa linguagem abstrata que permite ao espectador tirar suas próprias conclusões. “Todos os trabalhos com caixas dizem respeito à nossa necessidade extrema de consumir e para onde isso nos leva”, ela disse certa vez à revista de arte “BOMB”. “Cadê o sentimentalismo nisso tudo? Acho que meu trabalho não tem tanto a ver com ecologia, mas focaliza elementos ou até problemas que todos compartilhamos e que nos afetam a todos.”

Desde 1997 Hassinger é diretora da Rinehart School of Sculpture do Maryland Institute College of Art, em Baltimore.

Cortesia do Hammer Museum.

Nellie Mae Rowe (1900–1982)

Nellie Mae Rowe nasceu na zona rural da Georgia, uma de nova filhas. Seu pai, antigo escravo, era ferreiro e produzia cestas; sua mãe costurava roupas e colchas. Rowe se casou aos 16 anos e, após a morte de seu marido, casou-se novamente aos 36, com um viúvo. Quando este faleceu, Rowe tinha 48 anos e iniciou vida nova como mulher independente e artista.

Ela falou de seu interesse nascente pela arte como uma oportunidade de reviver sua infância. Ela começou a enfeitar a fachada de sua casa, à qual apelidou de “casa de bonecas”, com animais empalhados, bonecas em tamanho natural, sebes com formatos de animais e esculturas feitas de chiclete.

Ao lado de suas instalações, Rowe criava desenhos coloridos com materiais humildes como giz de cera, cartolina e canetas hidrográficas. Suas imagens geralmente mostravam humanos e animais engolidos por desenhos coloridos abstratos, com frequência fazendo alusão a lutas pessoais de sua própria vida. Quando recebeu o diagnóstico de câncer, em 1981, Rowe canalizou suas emoções para seu trabalho, enfrentando as mudanças em seu corpo e suas atitudes em relação à morte por meio de imagens simbólicas fortes.

“Me sinto ótima por ser artista”, Rowe disse certa vez, em frase que ficaria famosa. “Eu nunca soube que viraria artista. Isso é simplesmente surpreendente para mim.”

Cortesia do American Folk Art Museum.

Senga Nengudi (nascida em 1943)

Senga Nengudi nasceu em Chicago, Illinois, e mudou-se para Los Angeles, Califórnia, pouco depois. Estudou arte e dança na California State University, onde recebeu seu bacharelado em artes e seu mestrado em belas-artes. Entre um diploma e outro, passou um ano estudando em Tóquio, onde se inspirou na tradição minimalista japonesa e nos grupos de arte cênica Guttai.

Nos anos 1960 e 1970, Nengudi foi uma força fundamental no cenário da arte negra radical e vanguardista de Nova York e Los Angeles, se bem que nunca tenha chegado a ser notada realmente pelo grande público. Juntamente com David Hammons e Maren Hassinger, ela formou o Studio Z, um coletivo de artistas que compartilhavam o interesse por materiais abandonados e espaços esquecidos. O coletivo frequentemente usava fantasias e carregava instrumentos para improvisar apresentações em locais improváveis, como as passagens subterrâneas debaixo de viadutos ou em escolas abandonadas.

Seu trabalho mais icônico de performance escultural, “R.S.V.P.”, usava meias-calças como material principal. Explorando a relação desse objeto corriqueiro com a pele, a constrição, a elasticidade e a feminilidade, Negudi esticou e deformou as meias-calças para que lembrassem diagramas abstratos e partes corporais flácidas. Ela frequentemente chamava Maren Hassinger, sua colaboradora, para ativar as esculturas, dançando com elas, privilegiando a improvisão como modo de ritual.

“Quando deslanchamos o trabalho, a improvisação era a ferramenta de sobrevivência: agir no momento, encontrar uma maneira de fazer algo que não havia sido feito antes, viver”, disse Nengudi ao Hyperallergic. “E a tradição passa pelo jazz. O jazz é a manifestação perfeita da improvisação constante. Precisa estar presente sempre. É a adaptação constante a um ambiente hostil. É preciso decifrar alguma coisa do jeito certo.”

Cortesia do Hammer Museum.

Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.

Fonte: CEERT

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