Mulheres protestam após denúncia de violência policial na Feira Feminista

Por Clarice Cardoso.*

Planejada para ser um espaço de encontro entre mulheres e de empoderamento feminino, a Primeira Feira do Livro Feminista e Autônoma de Porto Alegre foi marcada por denúncias de violência policial. Na noite domingo, um grupo de cerca de 30 pessoas relatou ter sido abordado de forma truculenta e agredido pela Brigada Militar, na praça entre as ruas Jerônimo de Ornelas e Santa Terezinha, no bairro Farroupilha. Para demonstrar apoio e denunciar a violência, cerca de 300 mulheres marcharam, na tarde de segunda-feira (2), do local onde afirmam ter ocorrido a agressão até o Centro da cidade.

A programação do evento foi alterada para discutir o assunto, o que resultou em uma reunião e na marcha em protesto. Apoiadas por homens e mulheres, as vítimas da ação policial caminharam pelas ruas Santana, Olavo Bilac, João Pessoa, Salgado Filho, até a Esquina Democrática. Em seguida, a carta que denuncia o ocorrido na noite de domingo (1) foi lida em uníssono pelas participantes, que depois protestaram na Feira do Livro tradicional.

Segundo os relatos de agressão, os participantes da Feira estavam realizando um ensaio artístico, com música, na praça onde aconteceu o evento. Elas foram abordadas inicialmente por dois policiais, que disseram ter ido até o local devido a denúncias de barulho feitas por moradores. “Eles filmaram e intimidaram as mulheres presentes que estavam falando com eles, o que gerou reações de proteção entre as mulheres, como se organizar para ir embora e filmar a situação”, relataram as organizadoras.

O Comandante do 9 Batalhão de Polícia Militar, tenente-coronel Marcus Vinícius Gonçalves Oliveira, afirma que “um grande número de moradores da região” havia ligado para o 190 reclamando da “algazarra, com gritarias, consumo de bebidas e vidros quebrados”. Os dois policiais que chegaram ao local solicitaram que as pessoas baixassem o som ou se deslocassem, mas alguns teriam “investido contra” os brigadianos, conforme Oliveira.

Foto: Cláudia dos Anjos

Os policiais chamaram reforços, então, e mais duas viaturas chegaram ao local. Conforme a versão das organizadoras, “chegaram outras viaturas com mais policiais que foram extremamente agressivos e marcadamente racistas desde o início e tentaram deter uma de nós de maneira violenta, o que desencadeou uma série de agressões físicas por parte da polícia das quais nove mulheres ficaram feridas, sendo que quatro gravemente e precisaram de atendimento médico”.

Já de acordo com a BM, “houve a contenção dos agressores e essas pessoas foram dispersadas”. “Houve a necessidade de fazer uso moderado da força para conter as pessoas e foram localizados dois celulares. Os policiais que atenderam a ocorrência colocaram que, aparentemente, não ocorreram lesões por parte dos manifestantes, nem dos policiais”, disse o tenente-coronel. Ele afirmou, porém, que já leu a nota escrita pelas mulheres e solicitou a apuração interna das denúncias.

Enquanto o comandante afirma que celulares foram apreendidos após terem sido encontrados no chão, as feministas relatam que estes foram “roubados” de mulheres que tentaram filmar ou fotografar o que acontecia. A carta dá conta ainda que policiais teriam sacado armas de fogo, e um deles teria dito “eu vou queimar vocês”. Duas das mulheres estavam grávidas, mas dizem nem por isso terem sido poupadas da truculência. De acordo com o relato, as vítimas foram perseguidas e derrubadas no chão, “apanhavam com cassetetes e chutes, enquanto outras voltavam pra colocar seus corpos como escudos para tentar protegê-las e tirá-las dali”. Elas, então, relatam terem corrido até as proximidades do Hospital de Clínicas, onde as agressões teriam parado.

Mesmo após o ocorrido, as organizadoras decidiram continuar com o evento na segunda-feira (2). A Feira se transformou em um ato contra o machismo e a truculência policial, enquanto mulheres marchavam entoando músicas feministas e contra a ação da Brigada Militar: “Companheira, me ajude, que eu não posso andar só, eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor”, “A nossa luta é todo dia, contra o machismo, racismo, homofobia”, “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar”.

Em diversos momentos, alguma das organizadoras ia ao microfone ligado ao carro de som que acompanhava o protesto para relatar o episódio ou cantar músicas de protesto. Enquanto a caminhada passava, algumas pessoas demonstravam apoio, como uma idosa que abanou e aplaudiu o ato de sua janela, na rua Santana. Chegando na Salgado Filho, também algumas mulheres que esperavam ônibus ou moravam na rua se somaram ao protesto, o que motivou gritos de “Vem pra luta, vem, contra o machismo” por parte das participantes.

O ato, além de denunciar a violência pontual, também se propôs a ser uma forma de manifestação contra o machismo e a opressão sofrida pelas mulheres. “É assim que a gente revida, não nos calando e resistindo juntas(…). Foi escancarado o acréscimo de ódio que a misoginia teve nesse episódio e sentimos que isso precisa ser enfrentado pela nossa sobrevivência, por todas nós que vivemos a guerra desse mundo contra as mulheres”, completam as vítimas na carta.

*http://www.cartacapital.com.br/autores/clarice-cardoso

Fonte: Sul 21

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