Mulheres negras indicam livros para se empoderar

Por Karoline Gomes.

Se hoje nós, mulheres negras, resistimos a estereótipos raciais que limitam nossas vivências e sexualizam nossos corpos para nos fazermos ouvidas e contar nossas próprias histórias, é porque outras, antes de nós, lutaram por esses mesmos sonhos. Isso não significa que estamos paradas no tempo nesta busca por progresso e pelo respeito que é nosso por direito, pelo contrário.

Agora falamos sobre reconhecer-se negra após anos de embranquecimento e negação de identidade e ancestralidade. Ocupamos lugares que nos eram negados e, consequentemente, quebramos estereótipos. Celebramos datas importantes como este Dia Internacional contra a Descriminalização Racial falando sobre inspirações do passado para inspirar as próximas gerações. E é um pouco de tudo isso que a jornalista Tatiane de Assis traz para esta colaboração para a Think Olga.

Em tempos de valorização midiática de elementos da cultura negra,  a ancestralidade africana torna-se, muitas vezes, mais um item a ser adquirido em uma prateleira do supermercado ou de uma loja no shopping. No entanto, reconhecer-se como uma mulher negra é um processo complexo, que envolve desde o estudo do processo de rapto e escravização da população africana até o embate diário com o preconceito racial em suas diferentes roupagens.

A fim de contribuir com esse debate, conversamos com cinco mulheres negras: as atrizes Taís Araújo e Flávia dos Prazeres,  a docente Luciene Dias, a escritora Mel Duarte e a artista Angélica Dass. Elas elegeram livros que as ajudaram em seu processo de empoderamento e comentaram o impacto que os títulos provocaram em suas vidas.

Os depoimentos que você confere abaixo são mais do que um compilado; também podem funcionar como um guia para quem descobre a História, a luta e a força que guarda em sua pele.

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Foto original: Keila Jimenez / Divulgação.

Taís Araújo – Atriz
Livro: Um defeito de cor
Autora: Ana Maria Gonçalves

“Lázaro leu. Eu não consegui esperar ele terminar para pegar o livro emprestado. Comprei outro e fui ler também. Mudou a minha vida. Mudou meu ponto de vista sobre a história dos africanos que foram escravizados no Brasil. Traz uma heroína, a Luíza Main, que é uma mulher que lutou na revolta dos Malês. Ela é uma referência para todas nós. É romanceado, mas é de um poder transformador incalculável. Briguei com ele (o livro) muitas vezes. Fechei, abri, fechei, abri”.

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Foto original: Jornal UFG Online

Luciene  Dias – docente da Universidade Federal de Goiás, doutora em Antropologia Social pela UnB
Livro: Ensinando a Transgredir
Autora: Bell Hooks

“Não é um livro muito recente, mas foi recém-traduzido para o português. Quando isso aconteceu, as pessoas o buscaram muito. Soube pelas redes sociais e tive muita vontade de ter um. Comentei com várias pessoas que queria comprar e um amigo me deu de presente. Li o livro de folêgo. Foi bem rápido. É um título que tem muito a ver comigo, que fala de mulheres negras que transgridem e são desafiadas a fazerem diferente do que aprenderam. Fala muito de educação, mas educação enquanto processo, como prática de liberdade. Ela é freiriana. Inclusive em um dos capítulos do livro, ela simula uma entrevista com o Paulo Freire. Tem a educação como prática de liberdade, como um caminho para romper o patriarcalismo e conduzir a vida de forma transgressora. Mas essa transgressão não tem nada a ver com enfrentamento. É uma coisa mais suave, muito circular, muito feminina. Tem a ver com a ruptura de um processo de dominação para que você consiga alcançar um universo melhor. É um livro muito importante, me ajudou na sala de aula e em casa.”

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Foto original: Reprodução / Instagram

Angélica Dass – artista
Livro: Negros no Estúdio do Fotógrafo
Autora: Sandra Sofia Machado Koutsoukos

“Acho muito interessante quando ela fala da imagem da mulher negra no início da história do Brasil. Principalmente, por mostrar que boa parte das mulheres que tinham a possibilidade de ter um retrato eram amas de leites. Elas eram como propriedade, as famílias as usavam para dizer que eram abastadas.

Isso, para mim, fala muito do lugar de onde a gente vem, dessa representação da mulher negra que persiste. O século passou, mas a impressão é que a gente continua no mesmo lugar. No fundo, acho que olhar para esse passado faz com que a gente entenda o presente.  É uma forma de perceber que é muito importante continuar brigando.”

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Foto original: Reprodução / Instagram

Flávia dos Prazeres – atriz e bailarina
Livro: A Cor Púrpura
Autora: Alice Walker

“Tive a sorte de encontrar o livro na casa de um amigo que estava de mudança. A capa me chamou atenção por ter o perfil de uma mulher negra lendo, concentrada, e, ao fundo, o nascer do Sol. Era uma imagem positiva, a admirei por um bom tempo. Me remetia a falta de representatividade negra. Na verdade, há possibilidade de representação, me via ali. Na época, tinha 19 anos, havia acabado de me reconhecer enquanto mulher negra, tinha começado a usar o meu cabelo crespo, começava a me achar bonita. Era um processo complicado, sempre que era elogiada, diziam tudo menos que era bonita. Ouvia sempre: “Você é negra, mas tem traços finos”, “Ela é exótica”. No começo, recebi muitos insultos nas ruas por usar o cabelo natural. Há uma década atrás, isso não era bem recebido. A leitura me ajudou a ser forte como a personagem. Ela sofreu, mas persistiu. Me empoderei. Seus capítulos eram como que sessões de terapia. Sentia que tirava um peso enorme das minhas costas porque ao sofrer situações de racismo, me sentia culpada e triste. Vi que a solidão que sentia não era só minha. Pude entender e chorar as minhas dores junto com a personagem, o que foi libertador. A solidão da mulher negra nunca foi abordada dentro de casa, da escola, ou com amigos, nunca foi um assunto nos meios onde eu frequentava. Tampouco, tinha condições financeiras para frequentar um psicólogo e entender questões tão íntimas. O livro me ajudou a não perder a fé, o amor pela vida mesmo diante do racismo. Contribuiu para que eu olhasse pra mim, para que eu entendesse que é normal ter insegurança, ter medo de não ser aceita em uma sociedade onde a mulher negra não tem voz. Ao lê-lo, tive certeza que a culpa nunca foi minha. Que eu era linda, sim! Inteligente, sim! E que nada nem ninguém iria me impedir de enxergar isso. Parei de ver tantos defeitos da minha personalidade, comecei a dar mais a minha opinião, a participar e a ocupar mais espaços.”

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Foto original: Reprodução instagram @fotografiajessy / @projeto.fluidos.

Mel Duarte – poeta, slammer e produtora cultural
Livro: Pretextos de mulheres negra
Organização: Carmem Faustino e Elizandra Souza

“Esse livro é uma coletânea de literatura marginal negra feminina com 22 autoras. Fazer parte desse processo, pra mim, foi muito enriquecedor. As meninas fizeram tudo com muito capricho e zelo, o que normalmente não acontece em coletâneas. As fotos das autoras foram tiradas durante um encontro em um parque, onde tivemos chance de conversar, falar um pouco de nós e vivenciar um dia diferente. Antes de fazer parte da publicação, não tinha poemas voltados apenas para a mulher negra, ainda estava num processo de entender o quê e como gostaria de falar sobre mim, sobre nós. Depois de lê-lo e ver tantas biografias incríveis assim como os poemas dessas mulheres, entendi o meu tom e compreendi a necessidade de ter poemas com esse recorte. Esse é daqueles livros que vale a pena presentear meninas que ainda estão passando por esse processo de entendimento da sua ancestralidade, aceitando o próprio corpo e cabelo. Perdi a conta de quantos dei de presente para amigas e familiares e de quantos retornos positivos tive a respeito do mesmo, por mulheres de diferentes idades e realidades. Pra mim, é um título importante porque é um marco da nossa geração e pela beleza que tem. A parte visual – linda – é feita pela artista Renata Felinto.”

Tatiane de Assis é repórter com experiência nas áreas de artes visuais e bem-viver contemporâneo. Já colaborou com a revista Vida Simples e o site do Guia do Estudante. Atualmente, é reporte do site O Beijo, portal de cultura urbana associado ao IG.

Arte: Brittany Williams.

Fonte: ThinkOlga

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