Mulheres curdas lutam por outro sistema em Rojava

Nós pedimos a Ruken Isik, atualmente trabalhando em um PhD explorando as lutas das mulheres curdas, para nos ajudar a entender o que Rojava pode nos ensinar sobre construir igualdade de gênero no próximo sistema. No que segue, ela apresenta o contexto histórico das organizações feministas no norte da Síria e traça as inovadoras práticas e políticas desenvolvidas no solo, como uma introdução para duas entrevistas que ela conduziu com as comandantes do YPJ (Unidades de Proteção das Mulheres) Meryem Kobani e Roza Haseke.

As lutas das mulheres curdas em Rojava (norte da Síria/oeste do Curdistão) tornaram-se conhecidas para muitas pessoas durante os brutais ataques do ISIS contra a cidade de Kobane no norte da Síria em 15 de setembro de 2014. Enquanto homens e mulheres curdas estavam tentando defender a cidade de milicianos do ISIS com munição limitada e armas inadequadas, comparadas com as armas sofisticadas nas mãos do ISIS, curdos no mundo todo tomaram as ruas para serem as vozes dos curdos em Rojava e Kobane. Da batalha para defender Kobane em diante, a mídia ocidental e políticos começou a falar das corajosas mulheres curdas que lutam contra o ISIS e o brutal tratamento – incluindo escravidão – das mulheres.

Mas uma questão ainda ressoa em muitos ouvidos: como as mulheres curdas entraram na luta contra o ISIS em tamanho número, e porque as mulheres estão a frente da luta? Qual a história por trás dessa notável ruptura com o a norma, e o que os promotores de uma mudança de sistema e feminismo aprendem com Rojava?

As respostas para estas questões estão na organização curda política, social e militar no Oriente Médio. Mulheres curdas na Síria tem se organizado politicamente e militarmente na ‘Yekitiya Star’ que é uma organização guarda-chuva do Movimento de Mulheres do Curdistão na Síria/Rojava, desde 2005. De acordo com a membra do Yekitiya Star Ruken Ehmed, enquanto todas as formas de organização foram banidas pelo regime sírio, mulheres não podiam se organizar – qualquer organização social deveria ser conduzida dentro do partido Ba’ath. Por exemplo, direitos das mulheres eram organizados sob o “Ittihad Nisa” (Movimento das Mulheres) que pertencia ao partido Ba’ath. Dado este contexto repressivo, pouco antes da revolta na Síria explodir, muitos políticos curdos foram encarcerados nas famosas prisões sírias, incluindo mulheres curdas ativistas.

Quando as forças do regime de Assad deixaram Kobane (Ayn-Al Arab em árabe) em 2012, os curdos tomaram o controle da cidade. Desde então eles tem lutado pela instituição de uma nova forma de auto-governo em Rojava, que tomou uma nova dimensão com o estabelecimento de cantões autônomos em janeiro de 2014.

Mulheres curdas tem estado a frente desta luta, e a transformaram em sua própria. As mulheres que entrevistei insistiram que não lutam apenas porque são curdas, mas também porque são mulheres – para elas, a luta é também contra a dominação masculina dentro da comunidade curda e no Oriente Médio como um todo. A conquista da igualdade de gênero é um dos aspectos mais importantes da atual luta em Rojava, e um exemplo sem precedentes no Oriente Médio.

Para as mulheres curdas em Rojava, é importante buscar maneiras de garantir que as mulheres não são apenas instrumentalizadas pela causa nacional durante a revolução e sejam enviadas de volta para a casa depois – como visto nos retrocessos que as mulheres enfrentaram depois das revoluções no Vietnã, Russia e França. Portanto, mulheres curdas começaram a se organizar nos setores que aprimorariam o status das mulheres na sociedade local. Por exemplo, construir novas instituições educacionais tem sido uma maneira de engajar não só mulheres, mas também homens em mudanças sociais de longo prazo.

Inspiração Intelectual

A organização social de base em Rojava (Curdistão sírio) é inspirada pela filosofia do líder curdo incarcerado Abdullah Öcalan, que vem sendo mantido em confinamento solitário na ilha-prisão turca de Imrali desde sua captura no Quênia em 1998. Na prisão, a filosofia de Öcalan passou por um significativo desenvolvimento, movendo-se de uma ortodoxa teoria de libertação nacional baseada na tradição Marxista-Leninista para um modelo mais ambicioso em uma renovada concepção de liberdade, democracia e comunidade. De acordo com Jihad Hammy e Eleanor Finley:

Uma das principais tarefas desta filosofia é superar dicotomias baseadas na divisão entre sujeito e objeto. Esta divisão é encontrada em binários como preto/branco, Ocidente/Oriente, natureza/sociedade, e assim por diante. Dominação e exploração rapidamente cresceram de tal pensamento quando o sujeito ativo e inteligente (branco, ocidental, sociedade,etc) é separado e criado acima do inferior “objeto”. Para ir além da hierarquia e dominação, uma nova forma de pensar é necessária para reconhecer a unidade e diversidade da vida social. Nesta metodologia, assim como em muitos outros assuntos, Öcalan deriva do trabalho do filósofo político Murray Bookchin, que foi o primeiro autor famoso na esquerda a ancorar políticas revolucionárias em democracia direta confederada.

Institutos de Jinealogia

Esta profunda crítica das origens da dominação tem claras implicações feministas – uma das principais propostas do paradigma de Öcalan é criar uma sociedade com igualdade de gênero. Ele insiste que a transformação da posição das mulheres na sociedade é muito importante para transformar a sociedade como um todo: “O nível de liberdade e igualdade das mulheres determina a liberdade e igualdade de todas as partes da sociedade” e “a democratização da mulher é decisivo para o permanente estabelecimento da democracia e do secularismo.”

Para criar uma nação democrática, Öcalan argumenta:

Primeiramente precisamos saber como vencer dentro da arena ideológica e criar uma mentalidade natural e libertária contra a dominante mentalidade faminta por poder do macho. Nós devemos sempre ter em mente que a tradicional opressão a mulher não é física mas social. É devido a escravidão enraizada. Portanto, a necessidade mais urgente é conquistar as idéias e emoções da opressão dentro da arena ideológica.

Aprovando esta crítica, as mulheres em Rojava não apenas uniram-se as fileiras armadas do YPJ (Unidades de Proteção Feminina), mas abriram Institutos de Jinealogia e centros de mulheres por toda Rojava para educar ideologicamente mulheres para uma nação democrática. O sistema que existia em Rojava sob o regime sírio era um onde as mulheres eram largamente, se não totalmente ausentes da economia, educação, defesa e organização social. A Revolução de Rojava desconstrói o antigo sistema e cria alternativas antes de tudo estabelecendo a presença de mulheres em todos setores nos quais elas estavam ausentes.

Autonomia e igualdade de gênero

Em um recente artigo, acadêmico e escritor Nazan Ustundag (2016) resume as idéias de Öcalan sobre a modernidade e a necessidade de descentralizar o poder:

Para Öcalan, qualquer sociedade precisa preencher as funções de nutrição, reprodução e auto-defesa para sobreviver. No entanto, durante a formação da modernidade capitalista, estado, classes capitalistas, e homens confiscaram os meios de nutrição (produção), reprodução e defesa (violência) da sociedade, dos pobres, das mulheres. Por sua vez, os pobres lutaram contra a modernidade capitalista e estabeleceu uma história de modernidade democrática. Uma revolução precisa usar essa história e levá-la a luz enquanto também desenvolve instituições que constituem estas questões éticas que irão construir uma sociedade política e moral que valoriza a ecologia, liberdade da mulher e democracia. Tal sociedade deve continuamente defender a si mesma contra a emergência de poder centralizado e estado.

Em uma de minhas entrevistas com Fatma Lekdo, a Ministra do Cantão de Afrin, ela disse que o sistema cantonal foi inspirado por – e uma aplicação da – ideologia de Öcalan da autonomia democrática. A constituição da Região Autonoma de Rojava não inclui ou reconhece somente os curdos, mas também armênios, sírios, árabes, turcomenos e yazidis. A idéia da autonomia democrática é diretamente oposta a ideologia do estado-nação, especialmente no Oriente Médio, onde está fortemente ligado a idéias de hegemonia cultural ou étnica. O novo sistema em Rojava é um sistema mais multicultural, multilingual e multireligioso projetado para “permitir a participação legal de indivíduos que serão capazes de mobilizar e organizar nas linhas de etnia, religião, gênero, classe.” É um sistema de auto-governo que rejeita o modelo de administração centralizada. Este é o modelo de autogestão também promovido pelo movimento curdo passando a fronteira para a Turquia.

Mulheres em Rojava acreditam que este sistema pode e de fato possibilita que se organizem e participem em todo processo de decisão. Existem 22 ministérios em cada um dos governos locais de cantões – e um ministério de mulheres é um deles. Cada cantão tem um conselho de ministros, que é organizado por um co-líder homem e uma co-líder mulher, e tem três delegados, escolhidos para representar a diversidade local. Cada cantão tem seu sistema de defesa próprio, e mulheres nesse sistema de defesa tem uma organização militar separada: estas unidades são o YPJ, que é a sigla para Unidades de Proteção Feminina. No sistema cantonal, casamentos com pouca idade são proibidos e uma cota de gênero de 40% é implementada em todas instituições e administrações. Só recentemente, uma das academias em Qamishlo começou a oferecer cursos de estudos para mulheres.

Em 2014, um grupo de mulheres incluindo deputadas curdas e turcas visitou Rojava. Entre o grupo estava também a jirnalista turca Pinar Ogunc, que, impressionada com o que observou em Rojava, escreveu que mulheres agora são fiscais de trânsito, parando motoristas homens e olhando seus documentos – mesmo isso terá um impacto na sociedade. Mulheres juízas também cuidam de casos judiciais relacionados as mulheres.

Também existem abrigos para mulheres em cada cidade em Rojava onde advogadas ajudam mulheres que sofreram violências; seja política, social, ou doméstica. Existem centros chamados Mala Jinan (Casa de mulheres) que começaram a ser criadas em 2011, onde mulheres buscam ajuda quando encontram problemas. Violência contra mulheres é o principal assunto que essas casas lidam. Estas casas também funcionam como centros de mediação ou centro de resolução de disputas – se os problemas não são resolvidos nessas casas, somente então serão levados as cortes.

Em minhas entrevistas com membras veteranas do YPJ Meryem Kobane e Roza Haseke, ambas destacaram a importância de Abdullah Öcalan na Revolução de Rojava e o espaço que abriu para as mulheres dentro da mesma, desde 1979, quando ele visitou a Síria para organizar politicamente.

Estas mulheres combatentes preferem se chamar “unidades de proteção”. E elas dizem, “A revolução não mudou a vida das mulheres em uma noite, mas as deu visibilidade, mulheres agora são visíveis!” Elas dizem que as mulheres combatentes estão entre os primeiros mártires de Rojava; elas lutam para proteger sua terra e seu povo. Ainda, em ordem de ter as mulheres reconhecidas como agentes na sociedade, todo o sistema precisa ser mudado. Elas dizem que é importante reconhecer que as mulheres não são apenas combatentes em Rojava, como é noticiado na mídia ocidental, elas estão em todas as áreas.

Estas mulheres definem auto-proteção de forma ampla, não limitada a participação na auto-defesa militar dos cantões autônomos, mas protegendo-as contra a dominação masculina e opressão étnica, protegendo suas idéias, linguagem, e direitos culturais. Para as mulheres de Rojava, tudo isso precisa ser protegido, e se você não proteger a si mesmo, será oprimido e atacado facilmente. Auto-proteção não deve ser entendida apenas como pegar em armas, mas organizando e lutando por seus direitos sociais, políticos, civis e de protestar.

A mudança que vem acontecendo nas regiões autônomas curdas da Síria não devem ser percebidas apenas como uma mudança de poderes de um governo ou etnia para outra, mas como uma transformação social, uma que proporciona que minorias terem voz, e uma parte nas dinâmicas de poder enquanto uma sociedade mais igualitária é construida. Na região como um todo, existe um retrocesso nos direitos das mulheres – e Rojava é um promissor exemplo de um caminho para a igualdade de gênero que o mundo ocidental deveria apoiar. O ocidente sempre se apresenta como profundamente determinado a levar mudanças democráticas ao Oriente Médio. Porém os curdos, juntos com outros grupos étnicos agora se auto-administram por um futuro melhor, tem sido historicamente e continuam sendo ignorados pela comunidade internacional, que finge não ver os curdos em geral e especialmente as mulheres curdas. Conforme seu trabalho em construir uma sociedade baseada em um sistêmico comprometimento com a igualdade de gênero, as mulheres em Rojava querem estar em diálogo com organizações internacionais de mulheres e compartilhar suas experiências.

Entrevista com Meryem Kobani (YPJ)

Ruken Isik: Quantos anos você tem? Qual sua educação?

Meryem Kobani: Eu tenho 36 anos e sou formada no ensino médio.

Como e por quê você está envolvida em uma guerra? Pode nos contar sobre sua experiência?

Eu entrei na luta em 2011 no início da revolução em Rojava (oeste do Curdistão-norte da Síria). Eu, Meryem Kobane, entrei na luta como mulher para estabelecer um Oriente Médio correto politicamente e moralmente. Eu quis tomar responsabilidade nesta questão. Quando nós, mulheres do oeste do Curdistão, começamos nós tinhamos pequenas equipes e depois formamos um batalhão de mulheres. Primeiro, nós começamos em Cizire, um cantão de Rojava. Eu lutei em Kobane por dois anos e trabalhei como uma das comandantes do YPJ.

O que você fazia antes da guerra?

Eu era uma garota curda comum que cresceu em uma família curda patriota, eu fui criada sabendo o que aconteceu com meu povo e minha identidade curda foi moldada na família. A luta pela liberdade curda sempre foi uma prioridade na minha família. Desde a infância, eu cresci com histórias do povo curdo, mulheres revolucionárias como Sakine Cansiz, Leyla Kasim. A opressão do povo curdo, a colonização do Curdistão e especialmente a opressão das mulheres é algo que conheço desde minha infância. Mulheres não eram permitidas ter espaço, conhecer a si próprias e suas capacidades. Desde muito cedo, eu escuto sobre mulheres revolucionárias como Beritan, Berivan e quis ter um objetivo na vida como tiveram estas mulheres. Eu quis que mulheres tivessem voz e vontade, e construir uma identidade livre para elas.

Então, você está dizendo que estas mulheres revolucionárias tiveram um impacto em moldar seu modo de agir?

Certo. Uma das coisas mais importantes que chamou minha atenção quando criança era como essas mulheres curdas estavam lutando nas montanhas, era tão interessante para mim. Estas mulheres me inspiraram. Quando eu cresci e aprendi mais sobre essas mulheres, sua luta, como essas mulheres estavam se educando, aprendendo a história das mulheres, mulheres livres, isto atraiu minha atenção. Era interessante. Eu pensava como mulheres podem fazer todas estas coisas, como elas podem pensar em tudo isso que eu acabei de dizer. E as perspectivas do líder curdo preso Abdullah Öcalan foram importantes em Rojava com essas perspectivas a filosofia da liberdade foi adiante.

Você é ou foi casada?

Eu não sou casada, meu sonho é uma identidade livre e eu também quero ter conhecimento da história dos curdos.

Qual o significado de guerra para você?

A guerra como um conceito próprio é violência. Na mitologia quando Piramutu e Marduk lutaram, e quando mulheres eram subordinadas naquela época, a guerra começou ali, vem dali. Guerra é uma cultura contra a mulher. A cultura da guerra me lembra a opressão do homem sobre a mulher.

Existem diferentes tipos de luta, luta para se defender, luta para conhecer a si mesmo, luta para oprimir, colonizar outros, luta para construir, luta para estabelecer, em resumo luta/guerra é um conceito que pode inferir muitos significados diferentes. Para mim guerra/luta tem dois significados; um é auto-defesa e segundo é opressão/oprimir. Meus pensamentos sobre guerra/luta são moldados por uma filosofia de auto-defesa. Minha luta é auto-defesa, não atacar. Uma luta armada é algo diferente também.

Você vê a guerra como auto-defesa?

É claro, é auto-defesa para mim. O que realmente chamou minha atenção é como as mulheres podem levar-se a construir uma identidade livre. E não apenas as mulheres que lutam no Curdistão comigo, mas as mulheres ao redor do mundo que lutam por suas liberdades sempre foram interessantes para mim. Existe auto-defesa/proteção na natureza também. Todas criaturas vivas precisam se proteger. Especialmente mulheres que são oprimidas por homens e pela mentalidade patriarcal, ter voz em sua própria vida, para pertencer a si mesmas elas precisam de auto-defesa. Mas como eu disse, existem tantos diferentes significados de luta. Um animal se defende para poder viver.

Quando você era criança, você tinha amigos, vizinhos. Alguma dessas pessoas que você conhece está na guerra?

Dois irmãos meus e eu nos juntamos a luta. Ambos viraram mártires. Depois um primo meu foi martirizado também. Minha família sempre esteve pronta para tomar responsabilidade em qualquer parte do Curdistão (Iraque, Irã, Turquia, Síria). Minha família lutou contra a opressão.

Quando você se vê poderosa?

Quando eu vejo que os inimigos estão atacando severamente, neste momento eu vejo o poder das mulheres. Especialmente, na guerra em Kobane, o ISIS atacou brutalmente, de forma bárbara. Mas tinha essas jovens mulheres lutando corajosamente, heroicamente perto de mim, ombro a ombro nós lutamos contra esses selvagens. Eu tenho certeza, épicos podem ser escritos sobre cada uma dessas mulheres. Eu estava me sentindo tão poderosa quando nós lutamos juntas com essas mulheres contra o ISIS.

Eu quero compartilhar uma memória minha da guerra de Kobane, as ferozes batalhas. Eu fui perguntada por um repórter porque nós parecíamos tão esperançosas. Uma parte de mim é uma mulher no Afeganistão, a outra paquistanesa, alemã, persa, árabe, turca. Eu lhe disse que todas as mulheres do mundo estão comigo quando luto contra esses homens brutais. Em resumo, eu nunca senti que eu Meryem Kobani lutei sozinha nesta guerra. Quão distante nós mulheres estamos umas das outras no mundo, mas podemos sentir umas as outras. Como indivíduo eu cheguei a conclusão que nós mulheres que sofremos nas mãos da opressão masculina, especialmente em um sistema capitalista que também oprime mulheres, as mulheres que lutaram próximas a mim lutaram por essas mulheres também, morreram por elas também.

Existem movimentos de paz, as mulheres estão envolvidas nestes movimentos? O que você pensa sobre a paz?

Bom, de fato a luta é feita pela paz. Quando as pessoas são oprimidas, onde não há paz, nenhum direito ao povo, é o tempo do povo lutar para alcançar a paz. Então, neste sentido, eu vejo minha luta como uma luta pela paz de proteger nossos direitos. Existem organizações internacionais de paz, movimentos que trabalham para unir o mundo e acabar com a opressão mas são fracos. Eu vejo seu trabalho como muito importante, honorável, significante e parabenizo sua existência, mas apenas estabelecer organizações não é o suficiente. Eles precisam fazer um trabalho mais universal para que possam desempenhar um papel maior no mundo. Por exemplo, agora há guerra no Curdistão turco e no Curdistão sírio e outras partes do mundo. Eu desejo que especialmente as mulheres destas organizações, pessoas sábias, pessoas que querem a paz deveriam trabalhar mais para acabar com as injustiças ao redor do mundo.

Você tem algum arrependimento?

Eu nunca tenho nenhum arrependimento de tomar parte nesta luta. Meu único arrependimento é não conseguir chegar em mais mulheres. Eu penso que cada mulher é um tesouro, elas tem tantas capacidades mas precisam se conhecer. Eu sempre digo a mim mesma que eu desejo poder alcançar estas mulheres. Eu nunca me arrependo. Eu sempre quero proteger os direitos das mulheres. Uma mulher pode ser americana, pakistanesa etc, isto não é um problema, nossas tristezas são as mesmas. Mesmo cedo em minha vida eu sempre desejei por um movimento feminino que eu pudesse fazer parte. E meus sonhos se realizaram. E com a guerra de Kobane, as Unidades de Proteção Feminina (YPJ) tornaram-se universais no mundo. Enquanto eu viver nunca vou me arrepender desta revolução e desta luta. E eu quero continuar neste caminho, movimento de liberdade, e me fazer atravessar esse movimento de liberdade. E por último somos gratas pela filosofia de Abdullah Öcalan que tem um importante impacto em Rojava.

Entrevista com Roza Haseke (YPJ)

Rusken Isik: Pode me contar um pouco sobre você, quando você começou a lutar, como você decidiu?

Rosa Haseke: Meu nome é Rosa Haseke, eu tenho 32 anis e fiz o ensino médio.

Quando a guerra começou em Rojava/Síria, nossa identidade não era tão forte. Nós sabíamos que eramos curdas, nossa língua proibida. Nossa língua não era permitida na escola e somente em casa podíamos falar em curdo. Eu cresci em uma sociedade onde a realidade curda era negada, eu cresci com essas contradições. Eu ia para a escola para aprender coisas mas ao mesmo tempo meu povo era negado. Na sociedade em que cresci não tinham apenas curdos, tinham armênios, assírios, cristãos e árabes. Na sociedade as mulheres pareciam ter direitos, mas estes direitos eram controlados por homens. Por exemplo, para poder sair na rua, você tinha que estar com seu pai, seu irmão ou um homem da família com você. Não importava o quanto sua família era progressista, as coisas que você podia fazer sozinha enquanto mulher eram muito limitadas. As injustiças cometidas contra as mulheres não podem ser aceitas, os ataques contra mulheres eram algo que eu vi na sociedade e me fizeram pensar sobre a vida das mulheres, eu percebi as contradições da sociedade muito cedo.

Nos últimos anos houveram guerras na Líbia, Tunísia, Egito. Nós estavamos lendo sobre essas guerras, tentando entender o que acontecia lá. Minha vida era normal, ordinária. Havia acontecido um massacre na cidade curda de Qamishlo no passado, nós vimos a brutalidade. Quando a guerra começou em Rojava nós não éramos poderosas como mulheres, quando a guerra começou nós pensamos, precisamos estar prontas. Nós precisamos lutar, combater. Nós como mulheres precisamos nos tornar fortes e tomar parte nesta guerra. Nós precisamos nos dar uma chance de viver. Primeiro a guerra começou em Til Kocer e se espalhou por outras partes de Rojava. Nós como mulheres começamos a fazer parte desta luta.

Qual o significado da guerra para você? O que a palavra “guerra” representa para você?

Quando nós começamos tinhamos algumas questões na cabeça, como nós vamos usar armas, atirar, matar alguém. Era assustador, porque não fomos ensinadas neste aspecto, não sabíamos nada sobre a guerra. Como mulher eu tinha esse medo mas então havia a realidade, se você não matar você é morta. Esta é a realidade da guerra. Então, nós tivemos que nos fortalecer. Mas a guerra que entramos é para proteger a nós mesmas, minorias são oprimidas, negadas. Mulheres também são oprimidas, elas são criadas para precisar dos homens. Nós, como mulheres precisamos quebrar a mentalidade que controla as mulheres. Nós precisamos nos conhecer, conhecer nossa voz, nossa força, precisamos nos proteger. Mesmo agora, famílias estão trazendo suas filhas até nós, confiando em nós do YPJ. Querem que suas filhas aprendam a se proteger, pois também sabem que se você não se protege acaba extinto. A guerra é algo tão cruel, brutal. Mulheres grávidas foram massacradas, eles matam pessoas sem motivo. A guerra que nos envolvemos é contra o ISIS, o povo brutal, horrível, desumano, nós precisamos extingui-los. Eles matam crianças.

Isto é uma ameaça séria especialmente para as mulheres. Por exemplo, o ISIS acredita que se forem mortos por mulheres eles não irão para o céu. As mulheres se tornaram seu medo número um. Nós os assustamos tanto. Não somos as mulheres (que éramos) de antes, não precisamos da proteção dos homens, nós podemos quebrar o sistema opressivo masculino sobre as mulheres. Nós temos força.

Por quê você acha que mulheres que você conhece, que talvez tenham crescido com você, não estão envolvidas nesta guerra?

A realidade é que todas as pessoas deveriam se proteger. O mesmo é válido para mulheres, elas precisam saber como se proteger. Porém, nem todos pensam o mesmo, agem da mesma forma, se pensassem, seria contra a relidade, é impossível ter um único pensamento. Nós todos somos diferentes e temos diferentes visões sobre a vida. Esta é a minha escolha, eu escolhi esta vida. Eu fico irritada com o papel que é reservado as mulheres em todas as partes da vida na sociedade. E eu quero empoderas as mulheres. As mulheres podem não ter tanta sorte quanto eu  e ver as contradições na sociedade contra as mulheres. Muito cedo, eu vi o relacionamento dos meus pais no casamento, ou o casamento de minhas irmãs mais velhas, quando vi as mulheres nas TVs, todas eram designadas em papéis que me deixavam irritada. Eu dizia a mim mesma que precisava lutar por essas mulheres. Eu preciso empoderá-las e fazer com que elas se conheçam, educar a si mesmas. Mulheres que ainda não descobriram sua força, não se conhecem ainda, não tiveram a mesma sorte que eu de se conhecer. Mulheres que ainda não buscaram seus direitos. Eu quero lutar por estas mulheres. Eu quero compartilhar isso com todas as mulheres, eu vejo isso como um dever. E mulheres enfrentam mais dificuldades na guerra.

Quando você se senta poderosa/empoderada?

Quando eu vejo que mulheres ficaram mais fortes, e cresce sua luta na guerra, quando eu vejo mulheres poderosas ao meu redor, me dá uma grande moral, grande força, crença em si, voz, uma forte determinação. Quando eu vejo mulheres jovens, sem experiência, não muito educadas, ainda assim elas estão prontas para um grande sacrifício por sua terra e seu povo. Nesse momento eu me vejo empoderada, poderosa. Eu as sinto próximas a mim, elas me dão força. E novamente, pessoas mais velhas que não deixaram sua terra, tentam protegê-la até a última bala que utilizarão para acabar com a própria vida para não dar o prazer ao inimigo de matar mais uma pessoa. Tudo isso é força. Novamente mulheres, que deixam suas crianças pequenas do outro lado do arame farpado com seus parentes na fronteira com a Turquia e talvez não tenha nada pra fazer nessa guerra mas vem aqui apenas para lavar nossas roupas, cozinhar para nós, curar os feridos. Todas essas mulheres são heroínas, nós podemos escrever épicos sobre elas.

Quando o inimigo atacou estas pessoas, elas tinham apenas uma forte determinação de lutar – nada mais – e isso parou o inimigo.

O que você pensa dos movimentos de paz?

A existência de movimentos de paz me dá força, é muito importante para nós. Eles lutam para parar a guerra. Porém, eu vejo que seus esforços não são sufucientes. Por exemplo, existem guerras por aí, e como eles respondem a isso? Eu penso que seus esforços não são o suficiente. Mulheres que lutaram no Afeganistão, Líbia, Egito não são diferentes das mulheres de Rojava, nossa dor é a mesma, nossa luta pela paz também é a mesma. Por esta razão, os esforços de paz devem ser iguais a todas as pessoas. Quanto estávamos lutando em Kobane, milhões de pessoas em todo o mundo saíram as ruas por nós, isso significa que estávamos certos, nós lutamos pela paz e e essas pessoas protestaram por nós, nos apoiaram. Porém, os esforços de paz não são suficientes contra essa horrenda guerra.

Pacifista, militante?

Eu tenho responsabilidades, eu não posso viver sem fazer nada. Eu preciso parar esta guerra e nos proteger. Eu gostaria de fazer mais nessa luta. Existe uma guerra na Síria, e nos países vizinhos. Existem tantas coisas a fazer. .

Eu sou uma das companheiras do YPJ, mas nós não necessariamente lutamos e permanecemos em combate. Nós nos educamos, educamos outras mulheres, pessoas e nos envolvemos em trbalhos sociais. Onde as pessoas precisem de nós, trabalharemos. Nós também fazemos trabalhos políticos.

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