MST inaugura loja com produtos orgânicos de assentamentos em São Paulo

Por Rute Pina.

Na Alameda Eduardo Prado, região central de São Paulo, uma loja com ares de quitanda reúne em suas prateleiras quase todos os alimentos básicos: farinha de trigo, arroz, feijão, soja, ovos. É possível encontrar também cachaças, sucos, cervejas, mel, ervas e outros produtos de pronto consumo. Em comum, todos os produtos se sustentam em pelo menos um dos três pilares: são oriundos de assentamentos, cultivados por pequenos agricultores ou produzidos de empresas parceiras, que visam à produção orgânica e agroecológica. E o diferencial para outras lojas de produtos naturais é que a iniciativa é do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Teto (MST).

O Armazém do Campo será inaugurado neste sábado (30) e suprirá a demanda de um espaço de comercialização destes produtos, percepção do Movimento intensificada na I Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada no Parque da Água Branca no ano passado e que trouxe mais de 200 toneladas de alimentos provenientes de assentamentos de todo o país.

“Nossos produtos deixaram um rastro positivo. As pessoas experimentaram, gostaram e quiseram comprar novamente. Mas não havia esse espaço de fato, era tudo muito pulverizado”, contou Rodrigo Telles, filho de assentados no estado do Paraná e irá gerenciar a loja.

O espaço deve centralizar a distribuição da produção orgânica do movimento social, demanda dos produtores dos assentamentos de todos os estados. A princípio, a loja também deve receber hortigranjeiros de Atibaia, Jariru e Grande São Paulo, três dias da semana, mas a ideia é ampliar essa participação para todos os dias da semana.

Telles explica que o Movimento decidiu participar do aquecido mercado dos produtos ôrgânicos — que mesmo com a crise econômica tem crescido ao menos 30% – afim de eliminar os “atravessadores” e gerar mais trabalho e renda aos camponeses. No Brasil, o faturamento oficial de produtos orgânicos chegou a R$ 2,5 bilhões em 2015.

Hoje, o MST não tem dados quantitativos sistematizados sobre sua produção. Mesmo tendo, por exemplo, a maior produtora da América Latina de arroz orgânico, a Coopat no Rio Grande do Sul, boa parte do que é produzido em assentamentos ainda é consumido localmente e feito de forma artesenal, sem normatização. A legislação exige que os produtos alimentícios sejam registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do Ministério da Sáude – processo que deve igualmente ser seguido por uma pequena cooperativa ou grandes empresas do agronegócio.

Por isso, o desafio do Movimento é organizar estes processos, além de esquematizar a logística de transporte  dos produtos para que eles cheguem aos grandes centros urbanos.

Diálogo

O armazém, acreditam os dirigentes, incentivará os pequenos produtores a registrarem seus produtos. Uma burocracia necessária, mas que segundo Débora Nunes, da coordenação nacional do MST, pode ser entrave para o consumo de alimentos saudáveis pela população. “Hoje o que existe de regularização precisa ser entendido pela população, a legislação não pode ser um fator excludente para o acesso dos produtos da reforma agrária, nem deve encarecer para o consumidor. A gente quer fazer esse diálogo”, disse.

Esta interface constante com a sociedade é mais uma das tarefas do armazém. “Mais que sonho” ou aproveitamento de nicho de mercado, para Delwek Matheus, também da coordenação nacional do MST, o armazém representa o compromisso do Movimento com a sociedade brasileira, ao disponibilizar os alimentos produzidos pela Reforma Agrária.

Ele pontua que existe carência de programas que garantam a logística, comercialização e assistência técnica aos produtores e que viabilize a comercialização direta da pequena agroindústria. “Perdemos muita produção por isso nos assentamentos. O Movimento arca com estas mesas, com o aluguel, porque temos comercializar.  Na verdade, deveria haver mais mercados públicos”, critica.

Além das realizações das feiras, o MST comercializa seus produtos através de programas do governo como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), das chamada públicas dos municípios pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e tem experimentado a venda de cesta de alimentos via meios eletrônicos em São Paulo.

Para Débora, o armazém do campo é resultado do processo de luta dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil e pontua uma nova relação destes espaços com o histórico de luta pela terra no Brasil e sua relação com a cidade. “Este armazém é a síntese deste processo. A forma como lidamos com os recursos naturais, com a poluição e etc., não pode ser entendida apenas como uma tarefa dos camponeses. Isto diz respeito a quem está nas cidades também”, disse a dirigente. Além disso, ela afirma que destigmitiza a imagem que a população tem do movimento.

Café

Além da loja, o espaço abrigará um café em parceria com o Café Colombiano. O empresário Rubem Manrique acredita que a “proposta ousada” do Movimento dissipa a distância entre o campo e o consumidor, que terá produtos sem mediação de químicos e outro tóxicos que prejudicam a saúde.

“Em nosso restaurante, já trabalhamos com a ideia de minimizar os produtos industrializados. Então o fato de trabalharmos com produtos naturais e orgânicos da reforma agrária, direto com o produtor, com os assentamentos e trabalho das famílias, fortalece essa proposta social, política, mas também na área alimentar”, disse.

A loja abrirá de segundas às sextas, das 8h às 19h, e aos sábados, das 9h até às 18h.

Foto: Reprodução/Brasil de Fato

Fonte: Brasil de Fato

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