MPF divulga declaração de direitos dos povos do Cerrado brasileiro

imageO Ministério Público Federal, a prefeitura de Mineiros (GO), a Rede Cerrado, a Articulação Pacari e as comunidades quilombolas do Cedro e do Buracão divulgam a Carta de Mineiros – Declaração sobre os Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado Brasileiros. O documento é resultado de audiência pública realizada dias 11 e 12 de setembro, na comunidade quilombola do Cedro, no município de Mineiros, em Goiás – em 11 de setembro, foi comemorado o Dia Nacional do Cerrado. Veja o que foi discutido.

Confira abaixo a íntegra da carta:

CARTA DE MINEIROS

COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO CEDRO E BURACÃO

DECLARAÇÃO SOBRE OS DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO CERRADO BRASILEIRO

Os povos e comunidades tradicionais do Cerrado brasileiro, reunidos com representantes de outros povos e comunidades tradicionais brasileiros, em razão da audiência pública sobre “Conhecimentos Tradicionais Associados ao Patrimônio Genético do Cerrado”, promovida em conjunto com a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, na presença de diversas autoridades públicas e acadêmicas;

CONSIDERANDO os princípios e direitos garantidos na Constituição da República Federativa do Brasil, na Convenção nº 169/89 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, na Convenção da Diversidade Biológica, no Protocolo de Nagoya, na Carta da Terra, na Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, na Medida Provisória nº 2.186-16/2001 e em diversos tratados internacionais de direitos humanos;

CONSIDERANDO as diversas e reiteradas violações aos direitos humanos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais de povos e comunidades tradicionais quando do acesso, inclusive indireto, pelo Estado brasileiro e por empresas brasileiras e estrangeiras, a conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético do Cerrado e de outros biomas brasileiros;

CONSIDERANDO a constatação de violações a direitos dos povos e comunidades quando da regulamentação de remédios caseiros;

CONSIDERANDO a possível edição de nova norma legal a respeito do acesso a conhecimentos tradicionais;

CONSIDERANDO a necessidade de se garantir maior participação dos povos e comunidades tradicionais na elaboração, implementação e monitoramento de atos administrativos, leis e regulamentações normativas que afetem seus direitos;

CONSIDERANDO que o direito ao consentimento livre, prévio e informado não é efetivamente respeitado no Brasil;

CONSIDERANDO a necessidade de se garantir maior participação dos povos e comunidades tradicionais nas discussões e decisões do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), a fim de evitar lesões a direitos dos povos e comunidades tradicionais;

CONSIDERANDO que a decretação de sigilo em procedimentos do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, em favor de empresas, vem prejudicando direitos dos povos e comunidades tradicionais;

DECIDEM APROVAR A SEGUINTE DECLARAÇÃO:

Os povos e comunidades tradicionais devem ser plenamente respeitados pelas autoridades públicas e pelas pessoas e empresas privadas, assim como devem ser respeitados seus conhecimentos tradicionais;

O respeito aos povos e comunidades tradicionais e a seus conhecimentos demanda o reconhecimento do valor intrínseco inestimável destes conhecimentos tradicionais;

Deve-se reconhecer aos chamados conhecimentos tradicionais o mesmo grau de relevância e valor que os chamados conhecimentos científicos;

Também como forma de respeito aos povos e comunidades tradicionais, devem ser repudiadas todas as tentativas de impedir que os povos e comunidades tradicionais explorem seus próprios conhecimentos;

A fim de garantir a salvaguarda dos conhecimentos tradicionais dos povos e comunidades do Cerrado brasileiro, devem ser adotadas medidas protetivas de seu meio ambiente, de sua biodiversidade e de seus recursos hídricos;

Entre as medidas de proteção do meio ambiente do Cerrado, devem ser adotadas medidas de proteção contra a contaminação do solo e da água por agrotóxicos e produtos químicos, contra as práticas de queimadas ilegais e contra a expansão insustentável do agronegócio, especialmente das monoculturas no Cerrado;

A prática da medicina tradicional deve ser garantida como uma ação de uso sustentável e conservação da biodiversidade;

Nenhuma lei e nenhum ato administrativo podem ser editados no Brasil de forma a prejudicar os direitos dos povos e comunidades tradicionais garantidos na Constituição da República Federativa do Brasil, na Convenção nº 169/89 da Organização Internacional do Trabalho, na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, na Convenção da Diversidade Biológica, no Protocolo de Nagoya, na Carta da Terra, na Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, na Medida Provisória nº 2.186-16/2001 e noutros tratados e declarações internacionais de direitos humanos;

As normas constitucionais e internacionais mencionadas acima, em especial a Convenção nº 169/89 da Organização Internacional do Trabalho, devem ser aplicadas inclusive para a proteção de comunidades tradicionais, tais como, por exemplo, aquelas definidas no Decreto nº 6.040/2007;

É dever do Poder Público promover a implementação de políticas públicas de promoção dos conhecimentos tradicionais, mediante adequação das exigências sanitárias às realidades socioeconômicas, culturais e ambientais das comunidades tradicionais e dos agricultores familiares;

É dever do Poder Público promover o registro do ofício de raizeiros(as), benzedeiros(as) e parteiras(os) como patrimônio imaterial, em especial perante o IPHAN;

É dever do Poder Público a garantia dos direitos sobre os territórios dos povos e comunidades tradicionais, mediante a regularização fundiária dos territórios de tais povos e comunidades do Cerrado, de acordo com a realidade e os interesses das próprias comunidades;

É dever do Poder Público a garantia de livre acesso aos babaçuais, para as quebradeiras de coco de babaçu;

O Poder Público deve garantir o acesso dos povos e comunidades tradicionais às áreas de reserva legal no entorno de seus territórios, a fim de desenvolver atividades de uso tradicional e sustentável;

É dever do Poder Público a garantia de livre acesso dos pescadores artesanais a seus territórios tradicionais de pesca;

O Poder Público deve reconhecer a cidadania dos povos ciganos e deve garantir-lhes o acesso aos territórios;

Como garantia de que os direitos dos povos e comunidades tradicionais brasileiros sejam nacionalmente garantidos, deve o Poder Público promover o fortalecimento da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), que deve ter assento e voto no CGEN;

A fim de se legitimar enquanto órgão colegiado que deve proteger e garantir os direitos dos povos e comunidades tradicionais, deve o Estado brasileiro estudar formas de modificação da composição do CGEN, a fim de garantir maior representatividade dos povos e comunidades tradicionais;

Os povos e comunidades tradicionais devem ser ouvidos em todos os procedimentos em curso perante o CGEN que possam afetar, direta ou indiretamente, seus direitos e interesses legítimos;

Todas as decisões do CGEN a respeito de decretação de sigilo devem ser revisadas, a fim de que não restem prejudicados os direitos e interesses legítimos dos povos e comunidades tradicionais;

O sigilo decretado nos procedimentos do CGEN não é oponível aos povos e comunidades tradicionais;

Os povos e comunidades tradicionais do Brasil devem ser ouvidos, e suas posições efetivamente consideradas e debatidas, em todos os processos legislativos, administrativos e judiciais que digam respeito a seus interesses, em obediência ao direito humano à participação previsto no art. 18 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e no art. 6º, 1, “a”, da Convenção nº 169/89 da OIT;

O Estado brasileiro, assim como todas as empresas brasileiras ou estrangeiras, têm o dever de reconhecer e resguardar os direitos das comunidades nos casos de acesso aos conhecimentos tradicionais que se encontram difundidos entre vários grupos, inclusive com a repartição dos benefícios econômicos. Da mesma forma, deve-se reconhecer a existência do acesso aos conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético quando ele se dá de forma indireta ou de forma derivada, por meio de pesquisas acadêmicas ou tecnológicas que ocorreram sem anuência e participação das comunidades tradicionais, ou sem anuência suficiente e sem o consentimento livre, prévio e informado;

Deve-se presumir como realizado o acesso a conhecimentos tradicionais em todo acesso a patrimônio genético, salvo prova inequívoca em contrário;

O Poder Público deve debater a com a sociedade civil a possibilidade de criação de fundo socioambiental específico destinado a apoiar os povos e comunidades tradicionais do Brasil, fundo este que deve ser gerido de acordo com a vontade dos povos e comunidades tradicionais e, entre outras fontes de receita, deve contar com pagamentos feitos por empresas em razão do acesso a conhecimentos tradicionais já disseminados, ou amplamente difusos;

Deve o Poder Público promover a capacitação técnica dos povos e comunidades tradicionais para a proteção de seus territórios e a defesa de seus conhecimentos tradicionais;

Deve o Poder Público garantir e incentivar o acesso e a recuperação do germoplasma de variedades tradicionais, assim como sua proteção contra contaminações genéticas.

Mineiros-GO, 12 de setembro de 2013.

Secretaria de Comunicação Social

Procuradoria Geral da República

Fonte: EcoDebate.

Foto: Ascom, PR/GO (MPF)

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