Quem foi Carlos Menem? Ex-presidente da Argentina falecido hoje.

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Este domingo, aos 90 anos de idade, faleceu o ex-presidente e atual senador da Frente de Todos, Carlos Saúl Menem. Não conseguiu superar o grave estado de saúde pelo qual estava hospitalizado em Los Arcos desde 15 de dezembro e faleceu nas últimas horas.

Três vezes governador de La Rioja, dez anos e dois mandatos presidenciais entre 1989 e 1999, senador nacional reeleito desde 2005, Carlos Menem foi um protagonista dos tempos modernos na política argentina. Pouco depois de ganhar a sua segunda presidência, apesar da significativa oposição às suas políticas e figura, tornou-se famoso pela vergonhosa frase “Eu não votei nele”. E a verdade é que, sendo o autor de muitas das políticas das quais os candidatos do momento preferem separar-se, numa atitude cínica, muitos dos “progressistas”, depois de o denegrirem corretamente, partilharam a votação com ele quando era presidente, e quando o seu poder político já estava diminuído, ele foi útil para obter mais um voto.

Advogado de profissão, teve a “virtude”, ou melhor dizendo, a coragem de adaptar o seu discurso aos tempos. Era um simpatizante da Tendência, como foi chamada a ala esquerda peronista dos anos 70. Com enormes barbas com as quais tentou imitar o líder de La Rioja Facundo Quiroga, abraçava o “tio” Câmpora depois de ganhar o primeiro mandato para governador na sua província. No entanto, logo quando Perón fez a incursão dos governadores com contatos deste setor, como Bidegain de Buenos Aires, Obregón Cano de Córdoba, Martínez Baca de Mendoza, Antenor Gauna de Formosa, Ragone de Salta ou Cepernic de Santa Cruz, Menem apagou todas as referências esquerdistas do seu discurso e se acomodou aos novos parlamentos que o General necessitava.

Preso juntamente com outros líderes do Partido Justicialista (partido de Perón) no início do Processo de Reorganização Nacional (ditadura civil-militar argentina, de 1976 à 1983), passou uma grande parte da sua detenção sob o regime de domicílio forçado que o obrigou a não deixar a sua cidade de residência. As crônicas da época apontam os seus contatos com o almirante genocida da Junta Militar Emilio Massera, que tentou, sem sucesso, criar um grupo político para concorrer num futuro processo eleitoral.

No regresso à democracia em 1983, ganhou mais duas vezes o cargo de governador de La Rioja e dessa base política começou a competir com o falecido, nessa altura governador de Buenos Aires, Antonio Cafiero, avô do atual chefe de gabinete, na “renovação” peronista interna para a candidatura presidencial. Num país em crise, assolado pela hiperinflação do governo de Alfonsín e atravessado por enormes lutas e greves gerais, contra todos os prognósticos, Menem venceu Cafiero nas eleições internas. António tinha mais força dentro do partido e era o governador da província mais importante do país, mas o seu discurso estava associado a uma continuidade institucional das políticas que tinham conduzido ao desastre em que o país se encontrava. Tendo derrotado o candidato da UCR, Eduardo Angeloz, na corrida presidencial, Menem assume a presidência antes dos prazos legais pois o mandato de Alfonsin estava encurralado pela mobilização popular, que sob a forma de uma onda de saques massivos com o seu epicentro em Rosário e nos bairros populares da Grande Buenos Aires, havia deixado o governo no ar.

Suas duas presidências

Depois de mentiras eleitorais sobre a possibilidade de um “salariazo” e uma “revolução produtiva”, a implantação das suas políticas no governo abandonou qualquer vestígio de discurso anti-imperialista ou progressista. Como ele próprio afirmaria algum tempo depois, se ele tivesse dito qual era o seu verdadeiro programa, não teria sido eleito.

Esses foram os anos do “peronismo liberal”, da aliança com a UCD de Alsogaray e María Julia, lembrados como o “Menemato”. A época do super ministro Domingo Cavallo, das “relações carnais” com o imperialismo, das privatizações das empresas públicas, ou do conhecido leilão das “jóias da avó” para cumprir os compromissos de pagamento da dívida externa, de outros momentos do “dinheiro doce”, como ficou conhecido o dólar barato produto da conversão 1 peso 1 dólar, e depois o fechamento de fábricas e numerosas empresas que não conseguiam competir com a abertura de uma importação indiscriminada. A época do recorde de desemprego e subemprego.

A lista é longa, muito longa. Entre muitos outros fatos, podemos mencionar os perdões aos antigos comandantes condenados pelos julgamentos da Junta Militar e outros tantos genocidas; a sanção da repudiada Lei Federal de Educação; a corrupção na venda ilegal de armas nos conflitos bélicos do Equador e da Bósnia e Croácia, pelos que foi encarcerado; a explosão do arsenal do Rio Tercero e o seu trágico número de mortos, para esconder a falta de armas; a entrada na guerra imperialista, em apoio aos ianques, com o envio de navios para a Guerra do Golfo; o ataque terrorista à AMIA, impune até hoje e no qual existem sérias suspeitas da participação do seu aparelho governamental no evento e da subsequente impunidade; a recepção com bombas e címbalos do presidente americano Bush Sr. para assegurar a rendição da nossa soberania. Um longo etc…

O seu governo, apoiado, como a maioria dos governos de turno, pela burocracia sindical, sem o apoio da qual nunca teria sido capaz de levar adiante o seu gigantesco plano de privatização, foi abalado pelas rebeliões populares do Satiagueñazo em dezembro de 1993 e depois pelos dois Cutralcazos em 1996 e 1997. O último destes detonou uma série de “azos” provinciais, em que as cidades desempregadas, como Mosconi em Salta, ou mais tarde a série de bloqueios de estradas da revolta de Jujuy, foram a ponta de lança de um fenômeno que mais tarde se generalizaria na Grande Buenos Aires e nos bairros populares das grandes cidades.

Menem, para o espectro progressista, foi o exemplo do que não fazer, mas a grande maioria deles, como os inscritos no radicalismo de Raul Alfonsin, ou a então constituinte daquele período de Santa Cruz, Cristina Kirchner, endossaram após alguma concessão política a sua reeleição, apoiando o apelo à essa constituinte funcional ao Menemismo como foi a que se reuniu em Santa Fé em 1994.

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No final do seu segundo mandato, tentou uma nova “reeleição”, mas sem sorte… Já não conseguia parar a mudança que a crise exigia. A Alianza de La Rúa e Chacho Álvarez ganharam as eleições presidenciais de 1999 contra o candidato do PJ, Eduardo Duhalde. Anunciaram que iriam inverter as principais políticas do governo anterior, e uma vez no governo continuaram com todas ou quase todas, inclusive citando Mingo Cavallo, o super-ministro de Menem que tinha entregado Argentina para o imperialismo.

Vale também a pena recordar que a nossa corrente, que confrontou desde o início as suas políticas econômicas de submissão aos desejos do imperialismo, os seus perdões aos comandantes, teve nas suas mãos a realização do seu primeiro golpe político. Em 1990, sob os auspícios do jornalista Bernardo Neustadt, jornalista estrela do liberalismo naqueles anos, Menem, com o apoio de toda a ala direita, convocou os seus apoiadores para a Praça de Maio, no que ficou conhecido como a “Praça do Sim”. A nossa corrente, que nessa altura fazia parte do “antigo” MAS juntamente com a frente eleitoral Izquierda Unida, convocou para semanas mais tarde, no dia 1 de Maio, a “Praça do Não”. Uma concentração mais numeroso do que a do novo presidente, com mais de 80.000 pessoas.

A história recente

A crise eclodiu dia 19 e 20 de Dezembro de 2001. De la Rúa foi expulso, foram expulsos 5 presidentes. Foi aberto um novo processo eleitoral no qual, com o peronismo dividido em três candidatos, Menem venceu com 24%. Mas teve de renunciar porque não tinha poder.

Então assumiu Néstor Kirchner, que tinha obtido 22% dos votos… Mas Menem… ele estava sempre lá! Ninguém o queria, porque ele tinha entregue o país, porque o tinha privatizado, porque era corrupto… mas ele sempre estava! E quando precisam dele, levam-no na cédula.

Menem não é a negação dos ideais de Perón. É o mesmo peronismo. O peronismo que teve os Montoneros e a pátria socialista no seu discurso… e López Rega, Isabelita, La Triple A, Rodrigo, e Antonio Cafiero, no governo.

O peronismo que inventou um kirchnerismo, que teve de surfar nas águas agitadas de um país revolucionou após 19 e 20 de Dezembro de 2001. Isso falou de direitos humanos, soberania, industrialização, justiça social… e continuou com planos neoliberais, privatização, a bicicleta financeira, pagamento ao FMI, o modelo de exportação extrativista, e Milani ou Berni quando precisavam de repressores. Nos anos em que o país recebeu a maior quantidade de moeda estrangeira da sua história, manteve a tradicional estrutura econômica dependente baseada na produção de matérias-primas para exportação, e apesar de ter sido fortemente criticado pelo direito político tradicional, salvou e reconstituiu o regime político que tinha sido duramente atingido pelo Argentinazo.

Mais do que nunca, o famoso ditado do General continuou a ser aplicado: “bote a sinaleira para a esquerda e vire à direita”. O kirchnerismo é uma experiência que nasceu tentando desligar-se da estrutura do antigo PJ, mas que fez e ainda faz pactos com ele para governar o país, endossando as suas piores calamidades, das quais é um participante e protagonista. E finalmente regressou com tudo àquela velha estrutura do PJ. É por isso que a Frente de Todos, é com todos, com Carlos Saúl também.

É por isso que hoje, poucas horas após a sua morte, o Presidente Alberto Fernández, um antigo oficial menemista, reivindica “os valores democráticos” de Menem e decreta três dias de luto.

Menem não foi a negação do peronismo, ou melhor, do pejotismo, para separar os militantes honestos que acreditavam que a Argentina podia ser mudada. Menem fazia parte do seu coração… Os novos ventos que sopram e soprarão na Argentina irão afastar todas as estruturas políticas que continuam a endossar tais mentiras, dependência do imperialismo, exploração e miséria. Irá certamente superar as políticas de Menem, mas também todos aqueles que o criticaram, para mais tarde aplicar as suas mesmas receitas neoliberais.

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