Monsieur Macron, vamos lá falar!

O Presidente francês fez alguns comentários recentemente sobre o estado actual de África que despontaram grandes debates.

Durante a cimeira dos G20, quando um jornalista da Costa do Marfim perguntou sobre a possibilidade da implementação de um programa em África como o Plano Marshall (Europa) , o Emmanuel Macron afirmou que os problemas enfrentados actualmente pelo continente africano são completamente diferentes, pois são civilizacionais e mais tarde ainda refere-se ao facto de as mulheres terem 7 a 8 filhos como um factor central para o sub-desenvolvimento do continente.

Bem, primeiramente, a taxa de fecundidade a nível do continente é de 4,45 filhos por mulher segundo dados da ONU de 2009. O único país Africano perto do número referido por Macron é o Níger, em que cada mulher tem em média 7,6 filhos.

Depois, vários foram os estudiosos que confirmaram que não é o sobre-povoamento que causa pobreza, mas sim a pobreza que causa sobre-povoamento. Ou seja, sociedades com níveis de literacia baixos e pouco acesso a serviços de saúde de qualidade estão mais predispostas a fazer muitos filhos. Pelo contrário, se esses “muitos filhos” conseguirem viver num ambiente mais propício ao seu desenvolvimento, provavelmente farão menos filhos.

Para além disso, a ideia em como recai na mulher todo o peso do desenvolvimento de um país inteiro é não só machista, como distrai-nos de questionar o papel de políticas imperialistas e neo-colonislistas em vigor nos países africanos.

Macron, ainda nessa resposta fala no combate à corrupção e em melhor governação.

Nos últimos 50 anos África assistiu a mais de 26 golpes de Estado (ou quase isso) sendo que 16 destes aconteceram em países que tinham sido colónias francesas.

Adicionalmente, até hoje 14 países africanos “francófonos” pagam €440 bilhões anualmente para a França. Estes países devem pagar 85% das suas reservas em moeda estrangeira ao Banco Central Francês.

Ou seja, a política externa da França no que toca aos países africanos mostra que ainda é baseada numa visão colonialista, em que os países “francófonos” são uma extensão do seu território na Europa.

O papel da França no genocídio de Ruanda, no assassinato de Thomas Sankara e mais recentemente na morte de Gaddafi, ainda que por esclarecer, mostra como a França tem agido tendo em conta os seus próprios interesses e não o crescimento e desenvolvimento do continente africano.

Isto evidencia o papel da França no sub-desenvolvimento de África e de África no desenvolvimento da França.

A instalibilidade do continente é em grande parte resultado da interferência ocidental em África.

Tudo o que foi dito por Macron – ou grande parte – é verdade, mas não é o problema, não é a doença. São apenas sintomas: Estados descredibilizados; conflitos armados constantes; fraco controle da natalidade; etc.

Estas verdades são a parte material, a parte visível. Mesmo se esses sintomas não estivessem lá teríamos outros, e precisaríamos de ajuda à mesma.

Foi o Ocidente que instalou estes regimes corruptos para melhor manipularem os povos e servirem os seus interesses e depois vêm aqui falar em corrupção e boa governação. Isto para não mencionar as medidas racistas anti-imigração que implementam na Europa para impedir-nos de fugir à Pobreza e miséria.

É muita hipocrisia – ou ignorância – Macron sentar-se no topo da montanha de dinheiro arrancada aos países africanos, com o seu vinho francês e falar de África como um fardo que ele carrega.

Macron não vê os países africanos como parceiros de negócios, mas sim como bebés ricos que precisam de ajuda a gerir os recursos.

Quando a França começar a falar em reparações pelos danos humanos e materiais que causou com a sua ocupação no continente africano; quando a França parar de deixar africanos morrerem no Mediterrâneo em busca de uma vida melhor; quando a França devolver o dinheiro de África que tem nos seus cofres, bem como arte nos seus museus, aí sim vamos falar em “civilização“.

Contudo, a maior decepção acho que foi mesmo para quem aplaudiu e se jubilou com a sua eleição.

Afinal de contas, Emmanuel Macron criou esta imagem carismática, com os seus olhos claros e sorriso fácil. Quebrando protocolo de vez em quando, para lembrar ao público da sua humanidade e sejamos francos, com o oponentes que ele tinha, seria difícil se não tivéssemos caído no seu jogo de sedução.

Mas a verdade é que ele é apenas tão liberal como outro presidente ocidental branco qualquer. Ele provavelmente só não diz as coisas racistas e xenófobas que o Trump diz para não ferir susceptibilidades, mas ri-se das piadas no seu íntimo e agradece por haver alguém que diga essas coisas em voz alta.

Macron não é diferente dos nossos amigos estrangeiros, brancos, imigrantes (ou talvez diria expatriados)  vindos do Ocidente que adoram África e contam histórias fantásticas de todos os países africanos que visitaram e do trabalho que as ONGs para quem trabalham/ trabalharam faz e até lêem Chimamanda Adichie ou Chinua Achebe porque “literatura africana é fascinante”.

Mas esses nossos amigos vivem nos melhores bairros das nossas cidades; recebem muito acima da média e têm regalias que lhes permitem viver de forma luxuosa, mesmo no meio de tanta Pobreza e sendo a ‘voz dos desfavorecidos’.

Ao jantar com amigos falam das decepções de viver num país em que nada funciona e em que não se pode confiar sequer na polícia, e levam as empregadas fardadas aos restaurantes enquanto discutem os direitos das mulheres.

Macron se encaixaria perfeitamente nessas conversas e provavelmente falaria da crise da caça furtiva e da pena que é ir aos safaris e não ver elefantes. Falaria também do quão gosta da comida local e da hospitalidade onde quer que vá, mas jamais faria a relação entre isso e a cor da sua pele.

Enfim, Emmanuel Macron, aquele amigo europeu branco que contribuiu 1 dólar para uma ONG qualquer, daquelas com fotos de crianças mal nutridas nas assinaturas dos emails para limpar a sua alma da culpa que o seu capitalismo e condescendência lhe trazem.

Fonte: EscreveEliana. 

 

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