Moço, seja humano antes de ser homem

Por Ana Paula Abel.
Eu já tinha uma vaga noção de como o machismo também oprimia em uma certa parcela a humanidade dos homens. O machismo é um sistema de violência que implícita ou explicitamente limita o comportamento, os papéis e a estética dos dois gêneros. Estamos nós mulheres correndo atrás de padrões de belezas inalcançáveis e de feminilidade, enquanto os homens tentam corresponder outras expectativas de gênero: ter sucesso financeiro, ter virilidade, ser duro como uma pedra, ser o macho alfa que nunca se abalar com nada.
Mas li um texto no Facebook que me deixou bem tocada, onde todo esse sistema de expectativas está bem exemplificado, leiam:
 

Eu tinha 9 anos quando os meninos da minha classe de aula entraram todos juntos no banheiro com uma régua. Um deles saiu vermelho, de cabeça baixa e os olhos cheios de lagrimas. Nunca mais o encontrei. Ele nunca mais foi a escola. Depois, chegou aos meus ouvidos, que aquele dia os meninos tinham ido medir o tamanho de seus pênis. O dele era o menor.

Alguns anos mais tarde as paqueras começaram a acontecer e eu ouvia do meu irmão “não saia com ele, ele é escroto.” “aquele é um horror” “fulano nem pensar”. Eu atribuía esta falas do meu irmão ao ciúmes, mas depois eu entendi que ele conhecia aqueles rapazes entre rapazes e eu conhecia aqueles rapazes entre mulheres. Lembro de uma situação em que o mesmo rapaz que sorria com um papo doce para mim entrou no banheiro e disse “já ganhei aquela buceta”. Esta era a frase que meu irmão ouviu. O que quer dizer isto ? Que ele era falso quando falava comigo? Não sei. Mas tenho certeza que ele se comportava como tantos outros. Macho entre machos.

Falando sobre machos entre machos lembro de um dia que um amigo chegou na casa de outro amigo triste porque a “mina dele” tinha saído com outro cara. O outro amigo tentando “consolar” soltou uma frase assim “Pô, mas você não sabia que mulher gostosa é que nem melancia ninguém come sozinho” e o outro completa – Você vai ficar mal por causa de mulher? o que não falta é – faz o gesto de um triangulo com a mão – no mundo. 


Escrevo estes 3 episódios para exemplificar o quão “pesada”é a socialização de homens com homens. Provavelmente o menino da escola lembra daquele episódio até os dias de hoje. O cara do banheiro continua chamando as mulheres de buceta. E talvez o menino que chorava pela mulher nunca mais tenha conseguido expressar seus sentimentos.


97% das violências sofridas pelos homens são de homens para homens. ( policia, jogo de futebol, assalto, etc…)

Escrevo isto pois existe uma parte (a maior) da luta anti-machista que cabe a nós mulheres, mas têm outra parte que cabe a vocês homens.

Quebre o pacto entre homens:

  • Quando algum colega seu reduzir alguma mulher ao termo buceta olhe para o lado e diga o quão ridículo é isto.
  • Quando algum homem quiser chorar do seu lado não ridicularize.
  • Não fale para seu filho : homem que é homem não chora
  • Quando seu colega de infância ou atual te disser que é gay não se afaste.
  • Nunca, mas nunca faça piada sobre gays. E ainda, não de risada delas.
  • Aprendam a humanizar-se entre vocês, e todos ganharão com isto.
Passei por uma fase no meu feminismo em que realmente senti ódio de todos os homens, e por causa disso, acabei por criar discussões odiosas demais e com pouca lógica, sempre jogando na cara de homens brancos, cis e héteros que eles são maus, não sabem se colocar no lugar dos outros etc etc.
Mas lendo o texto parei pra pensar: os homens machistas não nascem machistas, mas ao decorrer da sua vida são educados a serem, e isso é uma questão de tradição: ensinar o garoto a nunca chorar, a tratar mulheres como objetos, a serem violentos porque isso é coisa de macho. E por conta disso, muitos homens acabam envenenando a si mesmos com sentimentos ruins, acabam matando sua sensibilidade pelo medo extremo – que é ensinado desde criança – de se tornarem ou parecerem homossexuais.
Estou lendo o livro Homem – O sexo frágil? do Flávio Gikovate – que é excelente, nele o autor analisa muito bem o homem como ser psicológico, e acompanhando o livro entendi o quão pesada é a carga de ser homem nessa sociedade. Está certo que machismo não é uma violência tão explícita e direta quando é direcionada aos homens, mas os efeitos a longo prazo são terríveis.
O garoto que resumiu a menina ao termo buceta talvez faça isso na frente dos amigos pra corresponder a expectativa do que é ser homem que a sociedade tem, eu duvido que todo o romance do garoto seja fingimento, apenas acontece que ele não quer mostrar para os colegas homens que tem “sentimentos de garota”, ele quer esconder que é humano e que com isso, é sensível e tem fraquezas.
Antes de julgarmos os homens como seres frios que amam objetificar, reflita o fato de que na maioria das vezes, eles o fazem artificialmente. Homens e mulheres são humanos e possuem o mesmo padrão de sentimentos: amor, dor, tristeza, alegrias… Homens e mulheres possuem desejos, expectativas e querem as mesmas coisas: afeto, dar risadas, se abrir emocionalmente etc.
Por tanto, homens, vocês precisam acabar com esse pacto entre machos, que tenta a todo custo os tornarem seres primitivos e sem emoções, sem sensibilidade. Chorar não te faz ser gay, e ser gay não te faz inferior. Quebre esses paradigmas, critique seus colegas quando eles reforçam esses conceitos machistas, seja mais humano antes de ser o homem que seu pai quer que você seja.

Para mais reflexões, recomendo a leitura do texto Masculinidade tóxica: comportamentos que matam os homens, do meu bloguinho preferido no mundo Papo de Homem <3

p.s. Minha intenção com esse texto não é vitimizar os homens, o machismo continua sendo culpa dos homens que o praticam, que amam seu lugar privilegiado, mas só queria mostrar que machismo é passado de pai pra filho e também é tóxico para os homens, sei que não é mortal para eles, como é para nós, mas não vale à pena reproduzir um discurso de ódio, é preciso entender a situação de todos, é óbvio que não estou também justificando estupradores e coisas do gênero, estou somente me referindo a questão das expectativas de comportamento para cada sexo. Flávio Gikovate aborda bastante essa questão. Entendo o ódio e repúdio que algumas sentem, eu mesma sinto, choro de raiva, mas também reflito sobre os caras que acabam presos na própria prisão de privilégios machistas, que não conseguem perceber que tudo é uma construção social, e por isso, continuam agindo de forma ignorante.

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