Minicurso do Olavoh – Marxismo, Freud e Pastel (parte 2)


Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.

Olavoh dormia um sono profundo. Toda correria do dia anterior foi forte em seu corpo, que achou nos lençóis limpos e colocados exclusivamente pra ele uma solução necessária pra sequência nos trabalhos. Ao longo do dia, teria tempo pra preparar o material da segunda parte do minicurso. Por isso não se preocupou com despertador. Só esqueceu de avisar que não gostaria de ser importunado. Batidas na porta:

– Bom dia, senhor. Desculpe o incomodo. Tentamos ligar em seu quarto, mas deve haver algum problema na linha. Seja qual for vamos solucionar. – um constrangido funcionário do hotel.

– Porra! Eu tava dormindo. Que que foi? Nunca vi isso na minha vida! Ser importunado quase de madrugada em hotel. Nunca! – indignado.

– O senhor queira perdoar! Estabelecemos um horário para eventuais contatos com os hóspedes. Sempre a partir das 10h. Achamos que não teria problema visto que são 13h… – 13h? – assustado.

– 13h! Vim entregar ao senhor a caixa com os comentários da última palestra. Pensamos que o senhor, quem sabe, quisesse ter as impressões dos presentes o quanto antes.

– Não tenha dúvida! Me entregue!

– Aqui.

– Obrigado e passar bem. – fechando a porta.

Deixou a caixa no canto e se apressou pra preparar algo pra aquele dia. Não conseguiu. Ficou enrolando vendo vídeo de briga, compilações dos melhores tombos da internet, sem contar a live fracassada visto o wi-fi do hotel. Porcaria. Quando viu, restavam 40 minutos para o segundo encontro de seu minicurso. Usou o tempo para se arrumar e lá foi. Dessa vez não houve atraso e a felicidade pelo honrar do horário o tomou por inteiro.

– Boa noite. Boa noite. Boa noite, amados. – aplaudido de pé.

Se arrumou na cadeira. Deu um longo gole em sua água e começou. Não havia preparado nada, mas se virava bem:

– Do quê são feitos seus sonhos? Você mesmo que tô apontando. Não responda agora, tá? Você e nem ninguém. Guarda pra reflexão posterior. Os sonhos são feitos de… Freud. Acredita?

– Quem é Fred? – Alguém gritou.

– Freud ! F-R-E-U-D-I. Freud! Não! F-R-E-U-D. Freud. O pai da cabeça. Pesquisem depois, tá? Os sonhos são feitos de Freud. Freud desenvolveu a Teoria Geral dos Sonhos em1964. apesar de esquerdista, direcionou seus trabalhos para esse campo. Por isso hoje quero falar dele. De Freud e de… também quero tratar de… posso fumar um cigarro?

Todos concordaram.

– … quero falar de Freud e Marx. Melhor… de Freud e Marxismo de direita. Quem aqui já viu como a fome sempre fez parte do nosso país?

O tema veio pois Olavoh percebeu que tinha fome. Todos levantaram seus braços.

– Pois bem! Venho refletindo sobre a relação de tudo isso e dei o nome pra este encontro de hoje de “Freud, Marxismo e Pastel”. Vamos começar. Após a revolução de 64, Freud ligou para Marx sobre os rumos do mundo. Entendia que seus sonhos poderiam ser de grande valia na sequência da humanidade. Por isso, pensou que os sonhos são de esquerda e que toda representação do inconsciente dá-se numa forma de controle. Por tanto, somos movidos por nossa cabeça e percepção. Marx não concordou e romperam. Mas sua ideia se fez presente na forma de que todos sonham e isso foi o mais próximo que o socialismo chegou. As pessoas sonham e sonham com o fim da fome. Por isso idas à feira aos sábados, rompendo com a construção social de cozinhar aos sábados. As pessoas vão à feira e comem pastel e isso é uma forma de revolução. Uma forma de revolucionar a própria história partindo do pressuposto de não seguimento ao modelo proposto. Que horas temos? – olhando o relógio.

Todos olharam seus relógios.

– Sabe? Me lembro de uma frase de Freud quando esteve no Rio. “Tudo é tudo e nada é nada”. Adentrem a complexidade do proposto. A gente sonha com a igualdade e essa chega na banca do pastel. E mesmo assim não há igualdade. Uns preferem de queijo, outros calabresa. E mais. A desigualdade social é exposta, escancarada, flagrada, irritada, marcada… em nossos vistas quando alguém de maior poder aquisitivo opta por um especial. Percebem? Me lembro uma passagem do Brasil antigo. Pessoas sonhavam e não realizavam. O máximo que alcançavam era a utopia. Confuso? Deixe isso em vocês. Freud, numa carta ao Freire, isso em meados de 68, disse que tudo ficaria mais brando com o passar do tempo e, que seguindo a astrologia… Freud era fã de astrologia e escorpiano. Desgraça, não?

Todos riram.

– …seguindo a astrologia, a revolução se estabilizava naquele ano. Com mais organização. Com mais recursos e cuidados. Era a ordem. A ordem de se pedir o pastel que quisesse sem se esconder do fato da desigualdade, mas realizando um breve sonho… o de comer um pastel. Compreendem?

Foi aplaudido de pé.

– Por fim, retorno ao que perguntei. Qual é seu sonho? O de calabresa ou especial? Qual sua meta? Qual sua capacidade de romper com todos os pressupostos e chocar o mundo chegando à barraca do seu Hiro e, com propriedade, dizer em alto e bom som: QUERO UM PASTEL ESPECIAL! Ah… e uma coca! Você é do tamanho do seu sonho! Sim, você que perguntei no começo.

O rapaz que foi questionado chorava e batia no peito dizendo: o meu pastel é especial! O meu pastel É ESPECIAL! EU POSSO!

– Encerro deixando o convite pra amanhã. Quem vem?

Todos gritaram “eeuuuuuuuuuuu” enquanto Olavoh se dirigindo ao seu quarto e sono.

– Boa noite. – se despediu.

 

Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.

 

 

 

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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