Milton Nascimento cantou em Israel, mas por que aderir ao BDS?

A decisão de Milton Nascimento de não atender ao chamado dos palestinos e palestinas por BDS (boicote, desinvestimento e sanções) e cantar para o apartheid israelense gerou confusão. A principal polêmica girou em torno da figura de Roger Waters, um homem branco, que pediu a um negro para não se apresentar em Tel Aviv. Nesse sentido, acreditamos ser importante nos posicionar para evitar que o desconhecimento sobre o BDS a Israel ou os esforços de contrapor ou dividir os oprimidos prejudiquem que escutemos o chamado do povo palestino por solidariedade internacional.
O BDS é um chamado feito pela sociedade civil palestina em 2005 ante o regime de ocupação, colonização e apartheid institucionalizado ao qual os palestinos e palestinas são submetidos há décadas. Baseia-se na campanha de boicote internacional que ajudou a pôr fim ao regime de apartheid na África do Sul nos anos 1990 e traz as demandas fundamentais do povo palestino: o fim da ocupação e colonização de todas as terras árabes e derrubada do muro do apartheid; o retorno dos milhões de refugiados às suas terras; direitos iguais para os palestinos que vivem em Israel.

Não se trata, portanto, de um pedido de boicote feito por Roger Waters, e tampouco de um exercício dogmático: o BDS é uma ferramenta política empregada para pressionar Israel e advém de um pedido da sociedade civil palestina. Assim como no contexto dos boicotes à África do Sul existiam outros casos de violações de direitos humanos no mundo todo, violações de direitos no Brasil ou em outros países não devem servir como desculpa para não ouvir o apelo do povo palestino por BDS. Pelo contrário: o BDS une as lutas dos oprimidos e oprimidas em todo o mundo. Entre os exemplos, a participação do movimento nas atividades do Julho Negro desde 2017 e seu apoio à campanha “Caveirão Não”, chamada pelos movimentos de favelas no Rio de Janeiro.
Israel, um Estado fundado na limpeza étnica do povo palestino em 15 de maio de 1948, segue a colonizar e ocupar as terras palestinas, a tratar os palestinos como um “não povo” e a desumanizá-los. Impõe aos palestinos que vivem na Cisjordânia uma série de aparatos de segregação, como postos de controle, muros, estradas exclusivas para colonos israelenses, restrição de movimentos, diferenciação de placas e documentos. Os 2 milhões que vivem em Gaza enfrentam um cerco desumano e bombardeios frequentes. Os milhões de refugiados em campos nos países da região são proibidos de retornar às suas terras, direito legítimo e imutável reconhecido até pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Os 1,5 milhão de palestinos que vivem em Israel estão submetidos a mais de 50 leis racistas. Além disso, milhares espalhados pelo mundo no mínimo enfrentam discriminação na fronteira da Palestina ocupada, controlada por Israel. Se ousam denunciar o apartheid e apoiar o BDS, são criminalizados e proibidos de entrar e abraçar familiares. Essa sociedade fragmentada não consegue se encontrar em seu próprio território. Nessas violações aos direitos humanos, o Estado de Israel utiliza os palestinos como um laboratório humano para o desenvolvimento de tecnologias e técnicas que são exportadas a diversos países, inclusive ao Brasil.
A ONU divulgou em dezembro de 2018 que somente no ano passado foram 295 palestinos mortos e mais de 29 mil feridos. As armas usadas pela ocupação sionista depois são vendidas para o mundo. Um dos destinos, lamentavelmente, tem sido o Brasil. Nos últimos anos, nosso país se converteu em um dos cinco maiores importadores de tecnologia militar israelense, e sob o governo Bolsonaro essa relação tem se intensificado. Governos estaduais como os do Rio de Janeiro e de São Paulo vêm municiando suas polícias com armas e treinamento israelenses.
O BDS tem chamado a atenção do mundo para essa cumplicidade de governos e empresas com as violações israelenses e, ao fazê-lo, promove conexões entre as populações afetadas por tais iniciativas. Do movimento Black Lives Matter aos movimentos de favelas no Rio de Janeiro, de Angela Davis a Desmond Tutu, todos optaram por escutar o apelo dos palestinos e apoiam o movimento BDS, materializando sua solidariedade e, ao mesmo tempo, travando suas próprias lutas locais contra o racismo, a militarização e o genocídio. Genocídio expresso no Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado em 2019. Os dados mostram que no Brasil foram 65.602 homicídios em 2017, dados que crescem a cada dia e que atingem sobretudo negros jovens e pobres.
Uma das frentes mais importantes do BDS é o boicote cultural, através do qual a sociedade civil em todo o mundo tem ecoado o apelo palestino e pedido a artistas que não se apresentem em Israel. O boicote cultural não só evita que suas apresentações sejam utilizadas como propaganda e maquiagem para encobrir os crimes israelenses, normalizando o apartheid, como também é uma demonstração de solidariedade efetiva. O apoio do movimento social negro ao povo palestino é histórico, inaugurado no Brasil nos anos 1980 pelo Movimento Negro Unificado (MNU). Vamos todos/as nos inspirar e nos somar nessa luta internacional por justiça, liberdade e igualdade.
BDS Brasil
Assinam:
Organizações
Comitê Cearense de Solidariedade ao Povo Palestino
Frente em Defesa do Povo Palestino
Federação Árabe-Palestina do Brasil – FEPAL
Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada
Comitê Brasileiro em Defesa dos Direitos do Povo Palestino
Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe PA
Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe SP
Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino – USP
Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes – FFCLRP-USP
Centro Cultural Árabe Palestino Brasileiro de São Paulo
Sociedade Árabe-Palestina de Corumbá
Aliança Palestina Recife
Movimento Independente Mães de Maio
Conselho Islâmico de Solidariedade
Slam da Guilhermina
Coletivo Autônomo de Mulheres Pretas – ADELINAS
Comitê Mestre Moa – CT em Luta
Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino do Grande ABC
Campanha Global pelo Retorno a Palestina – Brasil
Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe – SP
Soweto Organização Negra
Coletivo de Esquerda Força Ativa
Subsede da APEOESP – Sumaré/Hortolândia
CSP-Conlutas – Central Sindical e Popular
Pessoas
Karine Garcez – Internacionalista
Baby Siqueira Abrão, jornalista, ex-correspondente na Palestina do Brasil de Fato
Thiago Ávila – Militante ecossocialista da IV Internacional
Karla Kizzy Farias Oliveira – Vegano
Marcelo Zenaide – União Vegana de Ativismo
Francisco Daniel Oliveira Gomes
Regina Schwartz – Sociedade Civil
Clayton Emanuel Rodrigues – Ativista Anarquista e professor da UFOB (Universidade Federal do Oeste da Bahia)
Sheila Ferreira de Pontes – servidora pública
Maria de Fátima Rocha de Oliveira Silva – aposentada
Renata Reis Braile – servidora pública federal
Eliana Romero Sampaio – aposentada
Ashjan Sadique Adi – doutoranda em Psicologia Social pela USP, militante da causa Palestina.
Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe – Pará
Eliana Coelho da Silva – Socióloga
Leonardo Antonio Alves de Oliveira – Professor de História da rede pública estadual de SP, conselheiro regional da APEOESP (subsede Sumaré/Hortolândia), filiado ao PSTU.
Cleildes Marques de Santana – Docente da UFOB – Barreiras e integrante do GPreto: Ousa quem fala!
Carlos Eduardo de Castro e Silva Carreira – Mestrando em Direito Internacional e Comparado pela Faculdade de Direito da USP.
Mardes Silva – Presidente da Igreja Betesda do Ceará
Dina Alves – Advogada, atriz e feminista negra
Daniela Carolina Ernst – Mestre em Ensino de Ciências pela UFFS campus Cerro Largo
Soweto Organização Negra
Rubia RPW – MC, militante do Hip Hop, cientista social e arte educadora no projeto Arte na Casa
Jhony Guima- Músico e arte educador no projeto Arte na Casa
Luba Melo – Secretaria da Mulher Trabalhadora Sindsep SP, Secretaria de Formação Fetam SP, Dirigente ISP(Internacional dos Serviços Públicos)

 

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