México: começa a campanha zapatista

Por Elaine Tavares. 

No ano de 2006, quando de eleições presidenciais no México, os zapatistas escolheram o Delegado Zero para sair pelo país, visitando os 32 estados, realizando o que chamaram de “outra Campanha”. Eles queriam andar pelos caminhos discutindo a grande política, os verdadeiros problemas do México, sem disputar nenhum cargo. Naqueles dias foram bastante criticados e acusados de atrapalhar a campanha de Lopez Obrador, então candidato da ala mais progressista. Mas, os zapatistas não se importaram e realizam o trabalho, juntando milhares e milhares de pessoas por onde passava o Delegado Zero. Sua proposta, plasmada no lema: abaixo e à esquerda, era refletir com os mexicanos a necessidade de superar o capitalismo, governar obedecendo, na horizontalidade e na igualdade.

Nesse ano de 2017 os zapatistas aprovaram outra estratégia e, depois de muitas discussões, apresentaram uma candidatura para disputar as eleições.  Essa candidatura representa os princípios do Conselho Indígena de Governo e atua mais como uma porta-voz de todo o processo zapatista de bom governo. O nome escolhido foi o de Marichuy, uma mulher indígena.

A proposta de campanha do CIG segue o rastro daquela outra levada pelo Delegado Zero anos atrás. Circular pelo país juntado as gentes e discutindo os grandes temas nacionais. Esse recorrido já começou e a cada pouco Marichuy aparece em alguma região para massivas rodas de conversas. Outra vez, a forma de fazer política dos zapatistas recebe críticas. E outra vez são acusados de atrapalhar uma possibilidade progressista.  Mas, os zapatistas seguem, lentamente, procurando fazer debates em profundidade, capazes de realmente tocar as mentes e os corações naquilo que é estrutural no México. O propósito eleitoral é secundário. O principal é levar informação e formação.

Milhares se reúnem para discutir o México

Milhares se reúnem para discutir o México

A caminhada de Marichuy pelo México segue entre percalços. No dia 15 de outubro, quando ela chegava à região de Altamirano y Ocosingo, os sinais de celular e de internet foram cortados, para atrapalhar a comunicação. Os poderosos sabem que a comunicação é um dos elementos mais importantes no processo zapatista. Mas, apesar das sabotagens a vida segue e a caminhada também. “Nem a porta-voz do Conselho Indígena de Governo, nem os zapatistas são a solução: a solução são vocês, é cada um de nós”. Essa é a palavra que ecoa nos caminhos.

Nos chamados Caracois, espaços de governo zapatista, a recepção da caravana de Marichuy tem sido quente e massiva. Milhares de pessoas se movimentam pelas veredas até os locais de encontro que são sempre acompanhados de bandas locais, festas e outras atividades culturais. E ninguém se importa de esperar horas ao sol. Ao contrário dos comícios de outros candidatos, eles não estão ali para receber brindes ou migalhas em troca de votos. Não. Eles estão ali para ouvir a palavra que lhes representa. A palavra do movimento que tem garantido terra e bom governo. Eles ouvem e se enchem de esperanças: “Nossos avós sonharam com isso. Eles não puderam ver uma mulher indígena disputando a presidência, isso nos toca a nós”.

Mulheres no poder

Mulheres no poder

Nessas andanças zapatistas, a mulher é a figura mais destacada. E as comandantas que fazem uso da palavra lembram sobre como era a vida de todas elas antes do levantamento armado de 1994, quando assomou o exército zapatista desde a Selva Lacandona. “Era trabalho duro, humilhações, violações, nossos filhos forçados a trabalhar desde muito cedo, castigados sem dó, dívidas jamais pagas, opressão”. Isso acabou depois que assumiram a rebelião, deram sentido à raiva, adentraram à selva e começaram a construir uma nova forma de viver.

As mulheres sabem o quanto avançaram e hoje são comandantas, conselheiras, membros das juntas de bom governo. Por isso são elas que abrem as caravanas, junto com  Marichuy. Ela sempre chega ladeada por meninas e anciãs, representando o caminho percorrido e o que ainda tem para andar. Tudo é cheio do simbolismo das gentes originárias. E elas cantam, enquanto cobrem com flores a porta-voz do movimento: “Maria de Jesus, não te vendas! Maria de Jesus, não te rendas! Maria de Jesus, não claudiques! Maria de Jesus, não estás só! Com quem estás? Com o povo!” É de arrepiar.

O Conselho Indígena de Governo, na figura de Marichuy, não traz promessas. A proposta é um chamado à organização. Até agora o CIG tem 141 conselheiros representando 35 povos de 62 regiões do país e a ideia é estar organizado nas 93 regiões do país. Sempre na lógica do mandar obedecendo, o jeito chiapaneco de ser.

O recorrido de Marichuy apenas começou, mas já está mobilizando os lugares. O Caracol de Oventic chegou a reunir mais de 10 mil pessoas no dia 19 de outubro para ouvir a palavra que anda: “Embaixo, desde o fundo da terra, a dignidade está nascendo num novo mundo em meio à destruição, à dor e à raiva de nossos povos, dos campos e das cidades. Do povo trabalhador que é explorado até a morte, despojado de tudo o que tem, reprimido por pensar e rebelar-se, depreciado por ser diferente, por ser pobre, por ser mulher, por falar na nossa própria língua, por dizer a verdade, por olhar para baixo e não para cima, por voltar a ver a companheira e o companheiro em vez do amo, o cacique, o patrão, o mau governo. Por isso dizemos novamente que no relógio disso que chamamos humanidade, agora se marca a hora do que somos, do que fomos e do que seremos”. É a palavra de Marichuy.

Marichuy, a palavra que anda

Marichuy, a palavra que anda

E assim vai seguindo a caravana zapatista por dentro do México profundo, acompanhada pelo vento forte da presença e do exemplo de Emiliano Zapata e sua gente. “É a primeira vez na história do México que uma mulher indígena vai dizer que temos a capacidade de governar um país. E quando ela diz que pode, com ela também o dizemos todas”.

Os zapatistas sabem que não será fácil esse caminho. Precisam recolher assinaturas para formalizar a candidatura de Marichuy e já enfrentam muitas formas de sabotagem. Mas, isso não é novidade na vida desse povo que está em luta desde a invasão em 1492. Assim que a caravana seguirá pela estrada, construindo uma agenda nacional, formando grupos de trabalho sobre terra e território, autonomia, mulheres, jovens, crianças, pessoas com deficiência, migrantes, diversidade sexual, justiça, trabalho e exploração. Hoje, nas áreas zapatistas já se pratica o bom governo. E o México um dia poderá viver essa beleza também.

Por isso, a campanha segue: abaixo e à esquerda!

Fonte: IELA.

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