Meu romance com Jaques Lacan

Foto: Reprodução

Por Maurício dos Santos, para Desacato.info.

A pertinência do ensino de Jacques Lacan ganha fôlego dentro do nosso atual contexto de globalização. Com o fim das chamadas utopias, a sociedade ocidental rendeu-se mais ainda ao processo hedonista em sua versão mais avassaladora.

No momento em que a dinâmica capitalista – através de sua ideologia  – alimenta o Gozo interminável, por meio de uma dinâmica permanente de sua busca, o indivíduo sofre os efeitos avassaladores do consumo com condição sine qua non para a Felicidade.
Sabemos que o ensino de Lacan  não é afeito às simplificações. Aliás, como a própria dinâmica contemporânea não o é. Se Freud compreendeu com perfeição a transição para a Modernidade, que na literatura foi tão bem captada, entre outros, por Charles Baudelaire em sua obra tipificada pelo flanerie parisiense, coube a Lacan inserir novas perspectivas para o entendimento do que vem a ser pós-modernidade.

Durante o curso foi possível fazer um paralelo entre a obra freudiana e a sua “reinvenção” por Jacques Lacan. A leitura de Freud feita por Lacan é constantemente rotulada como hermética em virtude da grande capacidade do psicanalista francês em trabalhar com conceitos além da visão freudiana.

Se Freud estava “contaminado“ com uma perspectiva naturalista fruto, aliás, do contexto do final do século XIX, Lacan fez a “correção necessária”.

Para Ler Lacan

Para alguns psicanalistas, psicólogos, estudiosos etc., a obra de Lacan é extremamente “fechada”. Como já salientamos, a utilização de várias categorias do saber na obra de Lacan além de ser vista como virtude, tornou-se um grande problema para o seu entendimento.

Os neologismos, aforismos, entre outras formas de escrita, e a criação de conceitos são apontados como símbolos do hermetismo.

O fato é que  coube a Lacan renovar a proposta freudiana. Os seus Seminários tornaram-se a forma de divulgação de seu pensamento para o público, inicialmente acadêmico e, posteriormente para o leigo, culminando com a edição de suas obras.

Na prática, a leitura da obra lacaniana deve ser inserida dentro do contexto histórico de sua elaboração: a perspectiva estruturalista, a filosofia, o combate à linha behaviorista etc.

Este é certamente o problema angular para a compreensão do ensino de Lacan para o chamado “grande público”. A fragilidade no conhecimento das categorias citadas torna o trabalho de compreensão da obra lacaniana muito mais difícil.

Lacan hoje

Como já apontamos no início do texto, a atual dinâmica contemporânea é marcada pela supremacia do capitalismo neoliberal que explica o atual quadro de Vazio sentido pelo indivíduo. No momento em que tudo é permitido pelo capitalismo o sistema torna o indivíduo vulnerável ao hedonismo contemporâneo, pelo menos na teoria.

O hipercapitalismo [1]  da atualidade exaspera a capacidade do indivíduo em gerenciar a sua própria vida. O Outro encarnado na dinâmica do enriquecimento  acima de tudo regula a vida, fornecendo material psíquico intolerável. O ter e o mais-ter, resultam em o não-ter. A solução é o tentar-para-ter-mais.

Um aspecto importante é que a supremacia midiática impõe a lógica da acumulação como a ser perseguida pelo indivíduo, uma meta. A linguagem, sob várias formas, assume importância fundamental em tempos de pós-modenidade.

Concluindo

Certamente, nenhuma outra “corrente” psicanalítica alcançou tanta importância ao propor novas abordagens e perspectivas. Desta maneira, o vigor da obra lacaniana continua plenamente atual, fato que pode ser verificado pelas novas formas de sua interpretação, utilização e aplicação em vários campos do conhecimento humano.

Sendo assim, revisitar e/ou estudar o pensamento de Lacan é uma tarefa fundamental para todos aqueles que procuram compreender o atual momento contemporâneo.

Bibliografia

LACAN, Jacques. Seminário I – os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1986.

MEZAN, Renato. Freud, o pensador da cultura. São Paulo, Companhia das Letras, 7ª ed.,2006.

NASIO, J.-D. 5 lições sobre a Teoria de Jacques Lacan. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1993.

__________. O prazer de ler Freud. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999.

Maurício dos Santos é jornalista e Professor de Redação. Pós-Graduação: Marketing (2013) e Arteterapia (2015). Autor do livro: Acima da Cabeça só existe o Coração.

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