Meu caro – Fim da estrada (segunda parte)

Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.

Meu caro,

Te escrevi na última semana e fiquei pensando se tudo bem, visto a ausência de sua resposta. Talvez viver tanta coisa ao mesmo tempo nos deixe mais falante, querendo gritar pro mundo que tem muita coisa errada no mundo. E que este mundo todo errado nos envolve tal como barro no descuido de um passo no chuvoso. Olha… Me desculpa! Foi o que disse. Não tenho conseguido resolver as coisas muito bem. Acho que adoeci e tenho uma nova doença: Repetição! Conto esses fatos pra todo mundo. É porque a semana começou e tenho menos dinheiro que da última vez que escrevi. O lado bom é que, conforme falei semana passada, não podia cair na besteira das vontades e não caí. Nem deu tempo! Fato é que trabalho segue inexistente em minha vida e nem os tais bicos inventam de aparecer. Isso me fez pensar um tanto sobre o que é o trabalho pra gente. O trabalho não é só fonte de renda, preenchimento de campo em rede social. O trabalho é um dignificador de existência! Ok, entendo o quão isso é construído socialmente, mas como pode haver consciência sobre essa questão e ser abatido por ela? Porque começo a me sentir menos gente! Começo a olhar ao redor e ter a clara impressão que a vida de toda e qualquer pessoa é melhor que a minha. Porque me sinto menos gente agora. Reclamei dos boletos, mas me sentiria mais digno em estar numa fila de banco prestes a pagar um. Me sentiria mais digno em ter troco quando vou ao mercado ao invés de dizer o meu famoso “posso trazer depois o que faltou?”. Acho que as pessoas entendem. Torço com todas minhas forças pra isso! “O trabalho dignifica o homem!”. Nossa… esse discurso em prol do “aceite ser explorado” nunca me foi tão presente. Este discurso me bate quando preciso me ocupar com qualquer assunto para me sentir útil. Entrei num novo campo. Mudei as coisas de minha sala de lugar só pra dizer que passei o dia trabalhando e que precisava fazer isso. Talvez ter tirado o espelho do corredor não me faça passar e ver toda hora a miséria.

Jurei pra mim mesmo que a última vez que passo por tamanha miséria! E seja como for! Seja como for porque me assustei de uma forma enorme outro dia, enquanto varria o quintal. Eu simplesmente não conseguia entender a informação de pegar a pá e jogar no lixo. Não entendia! Me veio uma vontade imensa de gritar, de quebrar as poucas coisas que tenho e de morrer. Tenho pensando em morrer e isso é inédito. Cheguei a pensar formas, meios. Em nenhum instante me veio o romântico sobre a dor dos outros. Muito menos minha ingratidão frente ao presente que a vida é. Que vida? Vida sem acesso ao básico? Sem poder ir até mesmo em lugares gratuitos visto não ter a condução? Penso em morrer para não ter que lidar com minha vida atual. A morte é real quando a desejamos. Acredito que morremos uma parte quando optamos por morrer. É a ausência de objetivos maiores. É a ausência de objetivos maiores? Ou só saco cheio dessa merda toda? A gente morre quando não tem como não lutar pra não morrer. A gente morre quando acorda ao lado da fome. Isso porque fomos dormir juntos. A gente morre quando entende que se acostumou a querer pouco e que este pouco é, no agora, um muito que falta. Prato vazio! Enchi um monte de garrafas com água e as beijo toda hora. Porra… fumo bitucas! Resta alguma vergonha em não pegar da rua. Mas em meu cinzeiro sim. Nas últimas vezes que tive grana para um maço, Seu Chiquinho me pediu um trago e implorou por uma pinga. Não sei o que me doeu mais. Ver um senhor daquela idade ter que implorar por uma pinga ou eu não ter grana pra dar. É uma pinga, meu caro. É o fim da estrada! E daí que pediu pra pinga? Penso o quanto andou para no fim da vida não ter direito a uma pinga. Assim como quem passa pedindo comida. Assim como eu precisarei pedir comida em breve. Assim como não tenho certeza sobre o amanhã e como estará a vida. Retorno em desespero quando vejo chamadas perdidas e desligo mais rápido ainda quando ouço que é o banco. Que vida é essa?

Bom… mande notícias. Vamos marcar uma cerveja quando eu tiver um emprego. Eu falo, mas não posso pôr fim aos meus dias na terra, apesar de querer. Me resta alguma lucidez ao pensar que caixão e cova são caros e meus parentes não podem pagar pois o país está em crise.

 

Foto: Freeimages.

Guigo RibeiroGuigo Ribeiro é ator, músico e escritor.

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