Metade dos assassinatos no campo em 2017 foram chacinas

Assassinato de indígenas que aguarda apuração do Ministério Público Federal pode elevar número de mortes em 2017 a 81 / Foto: G.Miranda/FUNAI/Survival

Por Rute Pina.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou, ontem, segunda-feira (4), a 33ª edição do relatório anual Conflitos no Campo Brasil, documento que apresenta balanço dos assassinatos ocorridos em decorrência de disputas políticas no Brasil rural.

De acordo com o relatório, das 71 mortes registradas em 2017, 31 ocorreram em massacres; ou seja, 44% das vítimas de conflitos políticos no campo foram assassinadas em chacinas no ano passado.

Foram cinco os massacres decorrentes de conflitos por terra, água ou trabalho no campo. Dois deles, em Colniza (MT) e Pau D’Arco (PA), só não superaram o número de mortos do Massacre de Eldorado dos Carajás, que vitimou pelo menos 19 trabalhadores sem-terra em 1996.

Desde 1988 a pastoral não registrava, em um único ano, mais de dois massacres — caracterizados, pela metodologia do relatório, como assassinato de três ou mais pessoas em um conflito no mesmo dia.

A CPT pondera que não contabilizou o assassinato de pelo menos dez indígenas no Vale do Javari, no Amazonas, entre julho e agosto de 2017. Embora haja indícios de que as mortes se trataram de ainda mais um massacre, nem o Ministério Público Federal do Amazonas, nem a Fundação Nacional do Índio (Funai) confirmaram a motivação das mortes.

Aumento da violência

De acordo com o relatório, o número de conflitos no campo teve uma pequena redução de 6,8% no ano passado, caindo de 1.536 ocorrências em 2016 para 1.431, em 2017.

No entanto, as vítimas aumentaram. O registro de mortos em decorrência desses conflitos cresceu 16,4% em relação ao ano anterior, de 61 pessoas assassinadas em 2016 para 71 em 2017. Foi a maior progressão de crimes políticos no campo desde 2003.

Em relação a 2014, ano em que foram registradas 36 vítimas, os assassinatos praticamente dobraram no ano passado. Isolete Wichinieski, coordenadora da pastoral, atribuiu o aumento da violência ao contexto político e econômico do país.

“Essa movimentação do capital a partir de 2008 para a questão da terra tem influenciado muito a violência. E, nos últimos três anos, em que tivemos o processo de impeachment e com o governo ilegítimo de Temer que assumiu, houve uma autorização para que os próprios fazendeiros e o agronegócio, eles mesmos, possam fazer uma contrarreforma agrária”, analisou.

Desde que começou o monitoramento da CPT, os assassinatos em decorrência de conflitos no campo se concentram nos estados da Amazônia Legal.

Pará e Rondônia, que registraram 22 e 17 mortes respectivamente, lideram a lista dos locais mais violentos. Juntos, os estados são responsáveis por mais da metade dos assassinatos, quase 55% do total. Em terceiro lugar, está o estado da Bahia, com dez mortos.

As tentativas de assassinatos também aumentaram em 2017, passando de 74 para 120 ocorrências – ou seja, uma tentativa a cada três dias.

Conflitos pela água

Outro destaque do levantamento da CPT é o registro de 197 conflitos por água. Este é o maior número desde 2002, quando a pastoral passou a contabilizar separadamente estes casos. Em relação a 2016, os conflitos por recursos hídricos cresceram 14,5%. Entre 2005 a 2014, a média anual foi de 73 ocorrências.

“Esses conflitos, principalmente no ano de 2017, estão concentrados na área de mineração. Dos 197, 124 foram pela atuação das mineradoras. Tivemos, inclusive, um caso de morte. Também é um processo da mercadorização da água e do próprio aumento das commodities, que exigem expropriação dessas áreas”, explicou a coordenadora da CPT.

No Pará, por exemplo, as comunidades do município de Barcarena denunciam os impactos ambientais causados pela Hydro Alunorte. A mineradora explora bauxita para a produção de alumínio na região.

O alto consumo de água para irrigação de monoculturas também é uma das causas do aumento destes confrontos, lembra Wichinieski.

“Outro problema na questão das águas continua sendo as hidrelétricas. E, um número menor, 26 conflitos, estão em áreas dominadas por fazendeiros, que é a expropriação das águas para a grandes produções de monoculturas, principalmente a questão da irrigação. Isso acaba tirando ou reduzindo o acesso à água para as comunidades tradicionais”, explicou Isolete.

Minas Gerais concentrou o maior número de embates pela água, com 72 ocorrências. Em segundo lugar, a Bahia registrou 54 ocorrências. O estado foi palco, inclusive, de uma revolta popular causada por um conflito hídrico. Em novembro do ano passado, aproximadamente 600 pessoas entraram em duas fazendas que consumiam grande volume das águas do rio Arrojado, em Correntina (BA), para o agronegócio.

A íntegra do relatório anual Conflitos no Campo Brasil está disponível no site da CPT.

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