Megaexposição “Quadrinhos”, no MIS, exclui mulheres importantes da história das HQs

Predominância masculina na exposição motivou a campanha #CadêAsMinasNoMIS / Carol Ito

A exposição “Quadrinhos”, do Museu de Imagem e do Som (MIS), que chegou ao Brasil no final de 2018, é a maior exposição sobre o tema na história do país. No entanto, a mostra foi alvo de críticas por trazer um panorama da história de HQs no mundo, mas contar com uma pequena quantidade de trabalhos de mulheres, LGBTs, quadrinistas negros e pessoas não-binárias. A mostra foi estendida até o dia 26 de maio deste ano.

Apesar de trazer uma coleção de artes, ilustrações e HQs do próprio curador, Ivan Freitas da Costa, e de vários outros colecionadores, a exposição decepciona, criticam, por não contar com obras de artistas fundamentais para a história mundial dos quadrinhos. E não é por falta de mulheres no mercado.

É a avaliação de Gabriela Borges, fundadora da página Mina de HQ — que divulga o trabalho de mulheres, pessoas trans e não-binárias. Ela elenca Nair de Tefé, reconhecida muitas vezes como a primeira mulher cartunista do mundo, Pagu e a quadrinista Ciça Pinto, como algumas das mulheres brasileiras importantes para a construção do cenário mundial de HQs e que não estão na exposição. “Tem muitas mulheres fazendo quadrinhos, mas é um mercado que invisibiliza o trabalho delas como leitoras, produtoras e personagens.”

O esforço de colocar mulheres no mapa da produção de histórias em quadrinhos faz parte do dia a dia de Gabriela, convidada pelo MIS a ministrar o curso “Quadrinhos: Gênero e Representação”, em fevereiro deste ano. Ele foi uma sugestão da própria, antes mesmo da inauguração da exposição, mas acabou servindo também para cobrir a lacuna deixada pelo próprio museu. O curso não isentou a culpa do MIS que, inclusive, foi criticado durante as aulas e teve a exposição como objeto de análise durante as visitas guiadas.

Para ela, não só existe uma predominância masculina em relação aos artistas expostos, mas também nas temáticas dos quadrinhos. As produções eróticas, na área Banheiro Erótico por exemplo (uma área a parte da exposição, fechada para maiores de 18 anos por conter conteúdo adulto), trazem uma visão conservadora de curadoria, por não conter nenhuma obra feita por mulheres e nem ter presença de quadrinhos que fujam do óbvio — como os eróticos LGBT. No Brasil, a quadrinista Gabriela Masson, conhecida no mundo dos quadrinhos como LoveLove6, é uma das precursoras dos quadrinhos eróticos femininos no mercado — e nenhuma de suas obras consta no “Banheirão”. Se as mulheres eram minoria nas produções artísticas, seus corpos eram maioria nos quadrinhos eróticos — retratados exclusivamente por homens.

Borges acredita que mulheres especialistas em quadrinhos deveriam ter sido convidadas inclusive para participar da curadoria. “Temos que olhar não só para o que está sendo representado, mas para quem está por trás de tudo isso. A impressão que dá é que é uma exposição de colecionador, que juntou tudo de acordo com o seu olhar e fez um exposição. E isso não teria nenhum problema, se não fosse considerada a maior exposição de quadrinhos feita no Brasil.”

Com a repercussão e como uma forma de tapar buracos, em março, o MIS convidou artistas mulheres para desenhar ao vivo, mas do lado de fora da exposição e sem receber por isso. Mesmo após um rearranjo do espaço, não houveram mais obras femininas incluídas.

Em resposta ao museu, a exemplo das Guerrilha Girls, quadrinistas fizeram uma ação de espalhar exemplares de fanzines e gibis produzidos por mulheres brasileiras e cartazes de protestos no museu, além de criarem a hashtag #CadeAsMinasNoMIS, a fim de conscientizar o público da exposição.

Larissa Palmieri, roteirista de quadrinhos como Na Quebrada e Periferia Cyberpunk, acredita que ainda são poucas as mulheres que roteirizam HQs, mas elas têm começado a produzir mais. “Neste momento do Brasil estamos fazendo história. Estamos produzindo como nunca, tanto as cartunistas, quanto as ilustradoras”, afirma.

Ela comenta também que quadrinistas têm ganhado destaque no cenário internacional, como Bilquis Evely, reconhecida por seu trabalho emWonder-woman: Rebirth e em The Dreaming, do Sandman Universe e Adriana Melo, que trabalhou para a série Star Wars: Empire seriesRose & Thorn da DC Comics e foi a primeira mulher a desenhar o Justiceiro, da Marvel-Comics. Além de Monique Moon e Luiza Lemos, mulheres transsexuais que vem ganhando espaço, e Cris Peter, autora brasileira independente que hoje trabalha como colorista na Marvel-Comics. “Eu estou vendo um boomfeminino como nunca visto antes”, aponta.

Recentemente, o MIS chamou a grafiteira Tami Lemos para criar um painel na parede de entrada do Museu, com uma série de mulheres produzindo arte e tecnologia. Há, inclusive, uma referência às Guerrilha Girls. Mesmo assim, a exposição como um todo ainda não adaptou o conteúdo. Um grupo de quadrinistas, organizadas justamente para combater a falta de espaço feminino no gênero, continua planejando outras ações para combater o machismo dentro da 9ª arte.

Arte foi criada após críticas à exposição | Foto: Dani Marino

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