Massacre de Manaus. Missionários combonianos repudiam hipocrisia do Estado que descarrega suas responsabilidades sobre a guerra entre clãs rivais

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“Somos missionários que fazem, no dia a dia, a escolha dessas periferias. Alguns de nós trabalham diretamente ao lado dos encarcerados, de suas famílias e das famílias das suas vítimas. Outros nos bairros à margem das grandes cidades, também em Manaus, tentam conjugar o Evangelho com a defesa dos direitos humanos e propostas de esperança para pessoas que a sociedade já está encaminhando para o descarte. Promover a justiça, socorrer a vítima, recuperar o preso é proteger a sociedade. Defender privilégios, alimentar a sede de vingança e segregar os condenados em contextos alienantes e desumanos é envenenar nosso próprio futuro”, escrevem os Missionários Combonianos.

Eis o artigo:

O ano de 2017 se abre à sombra de um novo massacre. Os acontecimentos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, são mais uma bomba que estoura por acumulo de desumanidade. Estamos cultivando sementes envenenadas de violência.

“Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reação violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e econômico é injusto na sua raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça. Se cada ação tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, 59).

Somos missionários que fazem, no dia a dia, a escolha dessas periferias. Alguns de nós trabalham diretamente ao lado dos encarcerados, de suas famílias e das famílias das suas vítimas. Outros nos bairros à margem das grandes cidades, também em Manaus, tentam conjugar o Evangelho com a defesa dos direitos humanos e propostas de esperança para pessoas que a sociedade já está encaminhando para o descarte. Promover a justiça, socorrer a vítima, recuperar o preso é proteger a sociedade. Defender privilégios, alimentar a sede de vingança e segregar os condenados em contextos alienantes e desumanos é envenenar nosso próprio futuro.

Condenamos a barbárie das facções que encomendaram mais essa chacina. O primeiro apelo à não violência é para cada pessoa sem liberdade: mesmo se amontoada nessas “fábricas de tortura que criam monstros” (Pe. Valdir Silveira), cada pessoa tem ainda o dever de optar pela vida, gritar com dignidade e sem violência por justiça e respeito, preparar na conversão seu futuro.

Repudiamos a hipocrisia do Estado que descarrega suas responsabilidades sobre a guerra entre clãs rivais. O Brasil já foi denunciado à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) por superlotação e denúncias de maus-tratos nas cadeias.

Há meses estava se vislumbrando a ascensão dessa onda de violência no norte do País[1], mas o poder público foi totalmente omisso a respeito. Temos a 4ª população carcerária do mundo e, se continuarmos nesses ritmos, em pouco mais de 50 anos um em cada 10 brasileiros estará atrás das grades. O encarceramento em massa não pode ser a solução contra a violência de nossa sociedade!

Apoiamos a Pastoral Carcerária e sua Agenda Nacional pelo Desencarceramento[2], com metas claras para a redução da população prisional e para fortalecer as práticas comunitárias de resolução pacífica de conflitos.

Apelamos à sociedade inteira, e aos cristãos em particular por sua missão de testemunhas da misericórdia: não vamos cair nós também na banalidade da violência, na espiral da vingança injetada pelo medo. Não sejamos cúmplices de soluções fáceis, que continuarão replicando essas cenas de morte.

“Hoje, ser verdadeiro discípulo de Jesus significa também aderir à sua proposta de não-violência. Esta, como afirmou Bento XVI, «é realista pois considera que no mundo existe demasiada violência, demasiada injustiça e, portanto, não se pode superar esta situação, exceto se lhe contrapuser algo mais de amor, algo mais de bondade. Este “algo mais” vem de Deus». E acrescentava sem hesitação: «a não-violência para os cristãos não é um mero comportamento tático, mas um modo de ser da pessoa, uma atitude de quem está tão convicto do amor de Deus e do seu poder que não tem medo de enfrentar o mal somente com as armas do amor e da verdade. O amor ao inimigo constitui o núcleo da “revolução cristã”»” (papa Francisco).

Cabe a nós uma palavra nova, corajosa, capaz de reconciliar essa sociedade a partir de estruturas mais justas e inclusivas!

Notas:

[1] BBC Brasil
[2] Pastoral Carcerária

Imagem tomada de: UOL Notícias

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