Maradona não precisa comparar-se a Pelé. É melhor assim. É melhor, assim.

“Gracias por enseñarme a leer el fútbol”, disse Maradona sobre o funeral de Galeano.

Pelé y Maradona, en 1986. Forto: Milan – Milan / AP

Por Flávio Carvalho, para Desacato.info.

O ano era 1986 e eu tinha 15. Havia acabado de ganhar um livro de um uruguaio, Eduardo Galeano. No livro, elogiava Maradona.

Assisti a aquele jogo (que chamavam da segunda guerra das Malvinas, Argentina contra Inglaterra) e me vinguei dos meus tios. Eles riam da minha cara dizendo que eu não havia visto Pelé jogar. Eles sim.

Os ingleses haviam invadido uma ilha longíssima deles, na costa Argentina, dizendo que era sua. Imperialistas. Ganhar aquele jogo, com AQUELE gol (o segundo), marcado por Maradona, era como vingar-se do que chamavam, na época, “pequena guerra”. Nenhuma guerra é pequena.

Brasileiros, como eu, eram quase proibidos, na casa do meu vizinho, de comemorar um gol da Argentina, pela rivalidade futebolística entre nossos países. Foi quando eu comecei a me questionar se futebol só era bom se ganhávamos nós. Ou porque não podia elogiar o que eu achava bonito? Encasquetei. Eu era um menino.

Com o tempo, quiseram que minha rivalidade permanecesse pra vida. Saiu pelo contrário. Comecei a ter amigos argentinos. O padrinho do meu primeiro filho o é. Outro grande amigo em Barcelona também. Ganhei vários depois. Assisti a um jogo da seleção argentina em Barcelona com a comunidade argentina (a selecinha brasileira andava péssima). Uma TV catalã tentou me entrevistar, ao único brasileiro presente. O anfitrião falou que melhor eu não me delatar naquele ambiente. Calei. E gostei da empolgação.

Então, apareceu Messi na minha vida. De fato, apareceu o Barça. Ou quase a mesma coisa.
Um dia, num programa de televisão, em Barcelona, explodiu-me a polêmica na cara: Pelé ou Maradona. Claro que eu apoiei o segundo. “¿Por qué, brasileño, por qué?”, insistiam os comentaristas esportivos. Política, respondi, sem hesitar. “¡No vale!”, me dizia sorrindo, o apresentador de TV.

Vale, sim. Pelé era muito bom no campo. E o não ser bom também, fora do campo, é sim, importante pra mim.

O Papa é argentino e, não preciso que vocês me desculpem, mas deus, hoje, não é brasileiro.

Viva Sócrates, o Maradona Brasileiro. Don Diego, Presente!

Puigdàlber, 25 de novembro de 2020, como se fosse em Buenos Aires.

Flávio Carvalho é sociólogo, participante da FIBRA e do Coletivo Brasil Catalunya @1flaviocarvalho 

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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