Mais mortes, coinfecção e novas variantes: o combo de desafios da pandemia no Brasil

Não sabemos qual é o fim do túnel, afirma profissional da Rede de Médicas e Médicos Populares sobre caos nacional

Foto: Niaid

Por Cristiane Sampaio.

A chegada do Brasil ao momento mais drástico da pandemia pode ainda não ser o ápice do problema no país. A sinalização é de autoridades e especialistas da área de saúde, que passaram a intensificar os alertas nesta semana diante da – já esperada – escalada no número de mortes. O total de óbitos pela doença ultrapassa a faixa dos 260 mil.

Enquanto os Estados Unidos, destaque mundial nas estatísticas da covid-19, vivem uma queda de óbitos, o Brasil assumiu, na última quarta (3), o amargo posto de país com maior número de novas mortes considerando a proporção populacional.

O título veio após o registro de 1.840 falecimentos no intervalo de 24 horas e o alcance de uma média móvel de 6,3 novas mortes por covid para cada milhão de brasileiros. Nos Estados Unidos, foram 2.468 casos no mesmo intervalo, com média de 5,5 óbitos para cada milhão de pessoas.

“Vivemos o pior momento da pandemia. E o pior de tudo é o fato de a gente não saber até onde isso vai, qual é o limite, o fim do túnel, porque as perspectivas para a próxima semana são muito ruins, infelizmente”, sinaliza o professor e médico de família Aristóteles Cardona Júnior, da Rede de Médicas e Médicos Populares.

O renomado cientista brasileiro Miguel Nicolelis tem dito reiteradamente que o país pode chegar a mais de 3 mil óbitos diários nas próximas semanas, correndo o risco de se tornar palco da “maior catástrofe humanitária do século XXI”.

Em meio a tantos infortúnios, um deles passou a chamar atenção mais recentemente: a morte de pessoas jovens acometidas pelo Sars-CoV-2.

Araraquara, por exemplo, cidade do interior de São Paulo, viu esse tipo de caso se multiplicar por dez. O prefeito local afirma que a nova cepa do vírus vem colecionando infecções entre esse público na cidade.

E o problema se repete em outras pontas do país. No Acre, os registros oficiais da Secretaria Estadual de Saúde (Sesacre) mostram que, atualmente, a maior proporção de contaminações figura na faixa etária dos que têm entre 30 e 39 anos. Já são cerca de 25% do total verificado no estado, sem diferenças estatísticas consideráveis entre homens e mulheres, o que mostra que o problema não tem gênero.

Cardona Júnior afirma que os estudos sobre essas mortes ainda seguem em andamento, mas uma identificação já soa como óbvia aos olhos dos especialistas: o segmento mais jovem da população se mostra notadamente mais insubordinado diante das regras sanitárias.

O comportamento se traduz nas grandes movimentações e aglomerações verificadas em bares e restaurantes dos mais diferentes pontos do país. Alguns estabelecimentos mais ousados chegam a promover eventos que mostram grande adesão entre esse público.

“Uma faixa importante dessas pessoas mais jovens passou a se preocupar menos, a se cuidar menos e a ser menos focada nas políticas de orientação. E tem um detalhe que complica a situação: os mais jovens, normalmente, passam mais tempo na UTI”, observa o médico, ao mencionar a lotação dos hospitais.

Com recordes sequenciais de mortes por covid, o Brasil acumula um panorama de estragos sanitários. Há pelo menos 15 estados registrando alta nos óbitos e dez com ocupação de leitos acima de 90%, segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Os números se somam ainda a outros elementos, como o comportamento negacionista do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que segue incentivando aglomerações e estimulando a população a lutar contra as políticas de isolamento. O coro contrário ao mandatário fez mais barulho ao longo desta semana, inclusive, com panelaços e outras manifestações alusivas ao número de mortes e à falta de UTIs.

Novos desafios

Também não fica de fora do cenário a preocupação com as novas variantes do vírus. Nos últimos dias, um dado inédito deixou especialistas espantados: o organismo humano é capaz de abrigar duas linhagens do Sars-CoV-2 ao mesmo tempo, a chamada “coinfecção”.

A informação foi consolidada a partir de estudos de pesquisadores da Universidade Feevale, de Novo Hamburgo (RS), em parceria com o Laboratório Nacional de Computação Científica, em Petrópolis (RJ).

O especialista da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares explica que essa combinação não é necessariamente fatal, mas pode ter maior potencial de multiplicação entre a população. “É um passo a mais para termos um processo ainda mais acelerado do vírus e do surgimento de novas variantes”, realça Cardona Júnior.

O profissional lembra que os cuidados de prevenção devem ser intensificados diante do agravamento da pandemia: “Mesmo essa combinação não sendo mais letal, só em ser mais transmissível é um grande perigo porque, quanto mais pessoas adoecidas, mais pacientes vão ter quadro grave, mais pessoas vão precisar de leitos, mais pessoas vão morrer”.

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